Irã

Comerciantes do Irã aderem a greve geral e reforçam atos contra regime

Comerciantes fecham estabelecimentos por três dias, em rara exibição de poder. Ativistas de direitos humanos mostram ceticismo em relação à decisão das autoridades de abolirem a "polícia da moralidade"

A notícia sobre a extinção da Gasht-e-Ershad — a "polícia da moralidade", unidade das forças de segurança que fiscaliza o cumprimento do código de vestimenta islâmico no país — foi recebida com ceticismo por opositores iranianos. Também mostrou-se insuficiente para arrefecer os ânimos internamente. Em Teerã e em várias cidades, lojas fecharam suas portas em adesão a uma greve geral transformada em protesto contra o regime teocrático e a repressão às manifestações. Uma revolta popular sacode o Irã desde 16 de setembro passado, quando Mahsa Amini, uma jovem iraniana de 22 anos, foi espancada e assassinada pela Gasht-e-Ershad por supostamente não utilizar o hijab (véu islâmico) de forma adequada.

Diretor da ONG Iran Human Rights (IHR), Mahmood Amiry-Moghaddam classificou o dia de ontem como "histórico". "Tivemos a maior greve geral em mais de 40 cidades. Muitas pessoas fecharam seus estabelecimentos comerciais. Foi a mais ampla paralisação no país desde o início dos protestos. Uma das pessoas que se uniu a esse movimento foi o lendário ex-jogador de futebol Ali Daei. O maior artilheiro da história do Irã fechou suas lojas por três dias, em solidariedade aos manifestantes", relatou ao Correio. "Essas greves são muito importantes e sinalizam que os protestos continuarão e entrarão em uma nova fase."

Amiry-Moghaddam desqualificou a informação sobre o desmantelamento da polícia da moralidade. "Não é verdadeiro esse anúncio. Não acreditamos nisso. Achamos que se trata apenas de uma propaganda para aliviar a pressão internacional. Ninguém no Irã crê nisso. Mesmo que eles suprimam a Gasht-e-Ershad, não significa que as mulheres estarão livres para escolherem seu código de vestimenta", afirmou. A polícia da moralidade começou a atuar nas ruas em 2006, ano de sua criação, durante a presidência do ultraconservador Mahmud Ahmadinejad (2005-2013).

De acordo com Amiry-Moghaddam, as autoridades iranianas e o procurador-geral Mohammad Javad Montazeri defenderam o combate ao uso "inapropriado" do hijab. "As pessoas têm tomado as ruas porque estão fartas desse regime repressivo, corrupto e incompetente. Isso nunca se tratou apenas da existência da polícia da moralidade. Os iranianos querem acesso aos seus direitos fundamentais e não aprovam esse governo", acrescentou. 

Solidariedade

Para Roya Boroumand, cofundadora e diretora executiva do Centro para Direitos Humanos do Irã Abdorrahman Boroumand (com sede nos Estados Unidos), as greves gerais são simbolicamente muito importantes enquanto símbolos de solidaridade. "Além disso, esses movimentos podem ser muito perturbadores para a economia. O Irã testemunhou grandes greves antes da revolução de 1979. A diferença para a situação atual é que a paralisação atual pode levar à prisão. Ajudar as famílias daquelas pessoas em greve ou detidas também é perigoso. Isso torna as greves que presenciamos hoje um sinal mais poderoso de descontentamento e de solidariedade com os manifestantes", disse a iraniana à reportagem.

Boroumand não mostra otimismo em relação à informação de que Montazeri estaria avaliando o fim da exigência do hijab. "O procurador-geral não tem autoridade para legislar. Isso é um assunto para o Parlamento decidir e, embora estejam discutindo soluções para o problema, incluindo a mudança da punição para o uso indevido do véu, não creio que a abolução da obrigatoriedade da lei do véu seja aceita pelo Conselho dos Guardiães, que detém a última palavra sobre as leis", afirmou. Na opinião dela, o véu compulsório é parte da identidade da República Islâmica e sua abolição seria um reconhecimento de grande derrota ideológica.

Por sua vez, Shadi Sadr — advogada de direitos humanos iraniana e diretora executiva da ONG Justiça pela Irã — também ressaltou ao Correio a importância da greve geral. "É um imenso desdobramento. Desde o começo, os manifestantes têm apelado por greves nacionais em cada indústria. A situação econômica iraniana é terrível, e muitas pessoas lutam para alimentar seus filhos. O fato de tantas vezes pararem de trabalhar sem pagamento é uma grande demonstração de insatifação com o regime e de apoio aos protestos", comentou.

De acordo com a IHR, a violenta repressão às manifestações no Irã deixou pelo menos 448 mortos — média de 5,5 por dia.

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Mais de 500 executados

O Irã executou 504 pessoas desde o início de 2022, número muito maior do que em todo ano passado, informou a ONG norueguesa Iran Human Rights (IHR), que busca confirmar casos adicionais de pessoas que teriam sido enforcadas. O número se soma às crescentes preocupações com o uso da pena de morte por parte das autoridades iranianas contra as pessoas que participaram de manifestações contra o governo. As estatísticas da IHR incluem quatro pessoas executadas no domingo, acusadas de pertencerem ao serviço de Inteligência israelense.

Eu acho...

Peter Berntsen/AFP - Mahmood Amiry-Moghaddam, director of Oslo-based NGO Iran Human Rights (IHR), poses for a photo outside his office in Oslo, Norway on September 21, 2022. - Protests in Iran following the death of a young woman arrested by morality police could signal "a big change", according to Mahmood Amiry-Moghaddam, director of Oslo-based NGO Iran Human Rights (IHR).Public anger has flared in the Islamic republic since authorities announced the death last week of 22-year-old Mahsa Amini, who had been held for allegedly wearing a hijab headscarf in an "improper" way. (Photo by Petter BERNTSEN / AFP)

"Algumas autoridades mencionaram que o tema do hijab seria discutido no Parlamento. Achamos que seja uma tentativa de fazer com que as pessoas retornem para suas casas e deixem as ruas. Depois de três meses, apesar do uso extensivo da violência, o povo iraniano mantém os protestos. A existência da República Islâmica está sob ameaça. As autoridades querem reconstruir uma barreira de medo, que caiu. Para fazer isso, elas precisam que as pessoas retornem para suas casas. Não existe nenhuma indicação de que o regime do Irã desistirá do hijab."

Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da organização não governamental Iran Human Rights (IHR), em Oslo

Fotos: Arquivo pessoal - Roya Boroumand, cofundadora e diretora executiva do Centro para Direitos Humanos Abdorrahman Boroumand

"Ainda não está claro se a informação sobre o fim da polícia da moralidade é verdadeira ou não. O procurador-geral não é o responsável por essa força. Em uma mesma entrevista, ele disse que o indevido uso do véu na cidade sagrada de Qom é um das preocupações do Judiciário! O certo é que a questão do hijab está sendo discutida internamente. Mesmo que eles desmontem a polícia da moralidade, o problema do véu persistirá. A menos que as autoridades removam as restrições legais sobre o vestuário das mulheres e as leis que controlam a vida privada dos cidadãos, este será apenas um movimento de relações públicas."

Roya Boroumand, cofundadora e diretora executiva do Centro para Direitos Humanos Abdorrahman Boroumand

Lojas interditadas

A Justiça do Irã interditou uma joalheria e um restaurante do ex-jogador Ali Daei, por ter apoiado a convocação da greve. "Após sua cooperação com grupos contrarrevolucionários que operam na internet para perturbar a paz e o comércio, o restaurante e a joalheria de Ali Daei foram interditados", informou a agência Isna, segundo a qual o ex-atleta tinha apoiado a paralisação pelo Instagram e fechado suas lojas. O ídolo do futebol iraniano declarou em novembro que recebeu ameaças por ter apoiado as manifestações desencadeadas pela morte de Mahsa Amini.