Guerra no Leste Europeu

Em capítulo grave da guerra, Ucrânia acusa Rússia de chuva de mísseis

Em um dos mais intensos bombardeios, 69 projéteis são disparados contra o território ucraniano. Destruição da infraestrutura elétrica provoca blecautes massivos na capital, Kiev, e na cidade de Lviv

Rodrigo Craveiro
postado em 30/12/2022 06:00
 (crédito: Genya Savilov/AFP)
(crédito: Genya Savilov/AFP)

Morador de Kiev, o jornalista Oleksiy Sorokin, 26 anos, despertou por volta das 9h (4h em Brasília) de forma abrupta. "Acordei com o barulho de quatro explosões. Mais tarde, soube que o nosso sistema de defesa antiaérea tinha derrubado mísseis russos. Então, pulei da cama e comecei a trabalhar. Descobrimos que várias outras explosões tinham ocorrido na capital. Outras três localidades, perto da cidade, foram atingidas por destroços de projéteis interceptados", afirmou ao Correio.

Horas depois de a Rússia recusar um plano de paz apresentado pelo governo da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de lançar uma das mais intensas chuvas de mísseis desde a invasão à ex-república soviética, em 24 de fevereiro passado. Por sua vez, a vizinha Belarus — aliada de Moscou — denunciou a queda de um míssil ucraniano em seu território e convocou o embaixador de Kiev, em Minsk, para prestar esclarecimentos. O governo de Volodymyr Zelensky vê o incidente como um complô para arrastar Belarus à guerra. 

"Foi um dos ataques de mísseis mais massivos. Obrigado às Forças Armadas da Ucrânia por seu trabalho. A derrubada de 54 mísseis salvou as vidas de dezenas de pessoas e protegeu partes cruciais de nossa infraestrutura econômica. Cada dia de sucesso militar faz nossa vitória ficar mais próxima", escreveu no Twitter Oleksii Reznikov, ministro da Defesa da Ucrânia.

O chefe do Estado-Maior, general Valeriy Zaluzhny, informou, por sua vez, que a Rússia lançou 69 mísseis cruzeiros, dos quais apenas 15 acertaram o alvo. A ofensiva ocorreu às vésperas da celebração da virada do ano por parte dos ucranianos. O ministro do Interior, Denys Monastyrskyi, anunciou que três pessoas morreram e seis ficaram feridas, incluindo uma criança. 

Vácuo de notícias

Além do medo de ter a casa atingida em cheio durante os bombardeios, a ativista Olena Halushka, 33, sofreu com o vazio de informações em Lviv, a 539km a sudoeste de Kiev. "Quando os ataques começaram e a eletricidade foi cortada, as conexões de celulares e de internet também foram afetadas. Isso significa uma falta de notícias e de compreensão sobre o que estava acontecendo. Não pude nem mesmo entrar em contato com meus familiares para saber se estavam bem. Isso nos deixa muito mais nervosos", desabafou à reportagem. A destruição de infraestrutura civil fez com que 90% dos moradores de Lviv ficassem sem energia elétrica, enquanto 40% dos cidadãos de Kiev sofreram com o blecaute, que também se estendeu às regiões de Odessa e de Dnipropetrovsk. 

Sob a condição de anonimato, uma moradora de Chernivtsi (oeste) relatou que a cidade tem sido alvo de bombardeios constantes e de blecautes. "A infraestrutura de eletricidade foi severamente danificada. As temperaturas estão abaixo de zero, e as pessoas literalmente congelam em suas casas. Por aqui se diz que os ataques atingirão um pico no sábado (amanhã), véspera do réveillon", disse. "Há 310 dias que sinto um ódio e um medo avassaladores."

Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev admitiu que os ataques de ontem eram esperados pelas autoridades ucranianas. "Nada impede o terror empregado pelos russos, e eles costumam utilizá-lo antes dos feriados. No entanto, Moscou não infligiu dano da forma como gostaria. Espero nova barragem de mísseis antes do ano-novo", disse ao Correio. Segundo o especialista, uma tentativa de invasão das forças da Rússia a Kiev seria malsucedida se a infraestrutura fosse poupada. "Não descarto que, entre janeiro e março, Moscou planeje uma tomada de Kiev. Mas, tudo isso pode ser parte de uma campanha psicológica", acrescentou Zalmayev. 

Para Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, os bombardeios atribuídos à Rússia são contraproducentes, na medida em que aumentam o desejo dos ucranianos de reagirem à invasão. "Quantos mais os russos atacarem os civis, mais os ucranianos estarão prontos para contra-atacar."

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Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)
Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) (foto: Aleksandr Indychii)

"Quando acordei hoje (ontem), por volta das 7h (2h em Brasília), minha casa balançava, as janelas chacoalhavam. As pessoas se acostumaram a essa situação. Os bares e restaurantes de Kiev abriram suas portas, e os moradores apreciaram concertos, que ocorrem onde é possível. A renda arrecadada com a venda dos ingressos vai para as Forças Armadas. A vida continua."

Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

 Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia)
Olexiy Haran, professor de política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia) (foto: Arquivo pessoal )

"Os russos tentaram uma invasão terrestre na região de Donbass (leste), mas a operação não foi bem-sucedida e eles perderam muitos soldados. Os ataques à infraestrutura se explicam pela falta de sucesso no campo de batalha. Eles visam congelar a Ucrânia e desmotivar a população a resistir à ofensiva de Moscou. Putin pretende que os ucranianos aceitem ceder territórios à Rússia."

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla

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