Maria Belén foi assassinada em uma escola da Polícia. Valentina foi morta no colégio. De Juliana sabe-se apenas que morreu nas mãos do pastor de sua igreja. Agora, suas mães clamam por justiça para os feminicídios no Equador, onde a cada 28 horas uma mulher é morta.
Elas repetem com força os nomes das filhas em protestos feministas e gritam palavras de ordem como "Nem uma a menos!" para exigir celeridade ao sobrecarregado sistema judicial.
Segundo o Ministério Público, em 2022 70 mulheres foram vítimas de feminicídio, mas organizações feministas estimam que, até novembro, tenham ocorrido 276 casos no país, de 18 milhões de habitantes.
A América Latina registrou 4.473 feminicídios em 2021, e as taxas mais altas por 100.000 habitantes foram reportadas em Honduras (4,6), República Dominicana (2,7) e El Salvador (2,4), segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
A AFP falou com três mães que vivem a dor da ausência e enfrentam os entraves da Justiça.
- Contra um 'monstro' -
"Por Maria Belén, ninguém se cansa", repete como um mantra a administradora pública Elizabeth Otavalo, 54 anos, que exibe o rosto da filha estampado em uma camiseta branca.
Durante dez dias, ela procurou a filha, de 34 anos, sem sucesso, até que autoridades encontraram seu cadáver com sinais de violência em um morro, a poucos quilômetros da Escola Superior de Polícia, onde ela foi vista pela última vez.
Seu genro, um tenente da instituição, é o principal suspeito do homicídio, cometido em 11 de setembro, em Quito. Outros dois policiais estão vinculados à investigação. "Estou lutando contra um monstro, que é o Estado (...) porque as instituições que existem para resguardar nossos direitos não acompanham, nem ajudam", lamenta.
A morte da advogada Maria Belém desatou uma onda de protestos no Equador, onde a taxa de feminicídios é de 0,8 a cada 100.000 habitantes.
Elizabeth denuncia o espírito "de corpo" da Polícia para encobrir o crime. "Houve muitos envolvidos. Quem retirou o corpo da minha filha, quem fez esta barbaridade?", questiona a mãe, que se encarrega do neto, órfão. Além do luto, as famílias das vítimas precisam "lidar com um Estado indolente", queixa-se.
- 'Justiça incompleta' -
Em um posto de gasolina no sul de Quito, onde viu pela última vez a filha Juliana Campoverde, 18, Elizabeth Rodríguez (48) faz as contas. "Estou há dez anos, cinco meses e oito dias em total sofrimento. Me tiraram a paz" em 7 de julho de 2012, diz, com a voz embargada, ao lado de uma placa que fez em memória da filha assassinada. Sem vestígios do corpo, Elizabeth entalhou ali uma promessa: "Irei te procurar até o meu último suspiro".
O pastor de uma igreja evangélica frequentada pela família foi condenado a 25 anos de prisão pelo sequestro e morte de Juliana. Em sua confissão, disse ter jogado o corpo em um riacho, após um suposto acidente. "É uma justiça incompleta. Sem que tenham me devolvido Juliana, não é justiça", reclama, abraçada a uma foto da jovem.
O caso passou por 11 promotores, até que uma especialista em gênero reuniu as provas suficientes para condenar Carrillo. Em uma longa trama de assédio anterior ao crime, o pastor exigiu que Juliana se casasse com seu irmão, entre outros abusos.
O Equador conta com 39 unidades judiciais e 112 juízes exclusivos para casos de violência contra as mulheres, mas "a dimensão da demanda supera todos os esforços", segundo o Conselho de Magistratura.
- Sem esquecimento -
Ruth Montenegro (47) transformou o luto em música. Sua filha, Valentina Cosíos (11), flautista e bailarina clássica, foi morta em sua escola. "Quando estes que te assassinaram te arrancaram, Valentina, do meu lado, jurei a mim mesma (...) radicalizar minha luta, e você se tornou, então, a minha doce rebeldia", cantarola essa mãe, de voz delicada.
Um grupo de crianças encontrou o corpo da menina em meio a brinquedos infantis. A princípio, autoridades trataram do caso como um acidente e, em seguida, como suicídio.
Duas autópsias e uma exumação determinaram que Valentina foi vítima de violência sexual e, em seguida, asfixiada. Mas já era tarde para ir em busca do culpado, explica Ruth em um parque do centro de Quito, onde costumava soltar pipa com a filha.
"Nossas histórias têm uma coluna vertebral, um fio condutor, que é a impunidade (...) Que nossas histórias terminem (sendo investigadas) como suicídios ou acidentes é fruto da naturalização da violência", afirma, pedindo punição aos professores e às autoridades do colégio por homicídio culposo.
A mãe leva na mochila os livros e a roupa de balé de Valentina. Sua luta é contra a impunidade, mas também contra o esquecimento. "A justiça da memória é fundamental (...) para lembrar à sociedade o que não deve voltar a acontecer", afirma.
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