Washington foi o destino do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, na primeira viagem ao exterior desde que seu país foi invadido pela Rússia, dando início a um conflito prestes a completar 10 meses. Presença constante em fóruns internacionais, sempre por videoconferência, o líder ucraniano foi recebido, ontem, na Casa Branca, pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que anunciou um apoio militar, logístico e humanitário de estimados US$1,85 bilhão à ex-república soviética. O pacote inclui o sistema antiaéreo Patriot para enfrentar os bombardeios comandados por Vladimir Putin.
"Vamos continuar fortalecendo a capacidade da Ucrânia de se defender, principalmente a defesa aérea", afirmou Biden a Zelensky, no Salão Oval da Casa Branca. "Ficaremos com você o tempo que for necessário", acrescentou. Vestido com um uniforme de combate, o presidente ucraniano foi recebido com honras por Biden e sua esposa, Jill. "Você é o homem do ano", disse o americano, numa referência à capa da revista Time, que elegeu Zelensky a personalidade de 2022.
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Sentado ao lado de Biden, próximo à lareira do Salão Oval, Zelensky agradeceu, em inglês, o "grande apoio e liderança em toda a Europa". O democrata acusou Putin de "usar o inverno como uma arma" contra os ucranianos, um povo, enfatizou, inspirador. "Quero dizer isso sinceramente; não apenas nos inspiram, mas inspiram o mundo com sua coragem e com como escolheram ter resiliência e determinação para o futuro", disse o americano.
Vitória
Antes mesmo do desembarque de Zelensky, o governo norte-americano havia divulgado o pacote. O anúncio da ajuda bilionária é uma vitória significativa para Kiev, que pressionou o governo de Joe Biden, repetidamente, nesse sentido. Também é um forte sinal de apoio dos Estados Unidos à Ucrânia para ajudar a reforçar as defesas do país.
"A assistência inclui, pela primeira vez, o Sistema de Defesa Aérea Patriot, capaz de derrubar mísseis de cruzeiro, mísseis balísticos de curto alcance e aviões em um teto significativamente mais alto do que os sistemas de defesa antiaérea fornecidos anteriormente", destacou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em um comunicado.
O envio do sistema antiaéreo foi considerado por analistas o principal destaque do dia. O governo americano vai treinar as forças de segurança ucranianas para usar os equipamentos em um terceiro país, segundo uma autoridade da Casa Branca — o que pode levar algum tempo.
A reação russa foi imediata. O Kremlin advertiu que novas entregas de armas à Ucrânia vão acirrar a situação. "Tudo isso certamente leva a um agravamento do conflito e não é um bom presságio para a Ucrânia", disse Dmitri Peskov, porta-voz de Putin, antes de acrescentar que Moscou não espera que Zelensky mude sua posição sobre a recusa a negociar com o presidente russo. "É um sistema de armas defensivas, não vai escalar (o conflito). Nós adoraríamos não ter que usá-lo, é só pararem os ataques", contrapôs Biden.
Em entrevista após o encontro a portas fechadas com Biden, o ucraniano falou sobre as exigências russas para o fim da guerra. "Para mim, como presidente, 'uma paz justa' não implica nenhum tipo de compromisso quanto à soberania, à liberdade e à integridade territorial do meu país", assegurou Zelensky.
A estratégica visita do líder ucraniano aos Estados Unidos, que começou a ser articulada há 11 dias, ocorre em um momento crucial da guerra, com o endurecimento dos ataques russos. De poucas horas de duração, a passagem do ucraniano por Washington foi marcada por medidas de segurança sem precedentes.
Churchill
Após a reunião com Biden, Zelensky discursou para republicanos e democratas em uma sessão conjunta do Congresso americano, que está finalizando um novo pacote no valor de US$ 45 bilhões em ajuda à Ucrânia para 2023. Congressistas americanos compararam a visita do líder ucraniano com a viagem natalina do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill ao Capitólio em 1941, pouco dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor, que selou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial.
"É especialmente comovente para mim estar presente quando outro líder heroico discursa no Congresso em tempos de guerra, e com a própria democracia em jogo", declarou a presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, uma ferrenha defensora da Ucrânia.
Foi a segunda vez que Biden recebeu Zelensky em audiência no Salão Oval. Na primeira ocasião, em setembro de 2021, a invasão ao território ucraniano era ainda uma ameaça, que seria concretizada menos de seis meses depois. Na época, o presidente americano prometeu apoiar a ex-república soviética.
Enquanto Zelensky cumpria agenda nos EUA, em território ucraniano, a guerra, de fato, não dava trégua. O Estado-Maior relatou bombardeios russos no leste e no nordeste do país. Ao menos três pessoas morreram, e 14 ficaram feridas, em ataques nas regiões de Donetsk e de Kherson, segundo as autoridades locais.
O Exército russo afirmou ter capturado "novas colinas" perto de Donetsk, reduto dos separatistas pró-russos no leste da Ucrânia. Após uma série de reveses militares russos no nordeste e sul da Ucrânia, os combates se concentram atualmente no leste do país.
A Rússia também ataca as infraestruturas ucranianas, em particular as instalações do sistema de energia e áreas militares. Os ataques deixaram milhões de ucranianos sem água, luz, ou aquecimento, no início de um inverno rigoroso.
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Sistema sofisticado
Fabricado pela Raytheon, o MIM-104 Patriot é um sistema de mísseis terra-ar (SAM) desenvolvido, inicialmente, para interceptar aeronaves em alto voo. Foi modificado na década de 1980 para se concentrar na nova ameaça de mísseis balísticos táticos e mostrou sua eficácia contra os Scuds de fabricação russa usados pelo Iraque de Saddam Hussein na primeira guerra do Golfo, o primeiro uso desse sistema em combate.
Putin traça estratégias para 2023
No dia em que a guerra contra a Ucrânia completou 300 dias, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, comandou, ontem, uma reunião ampliada do ministério russo da Defesa para definir as metas de 2023. Durante o encontro, o líder do Kremlin afirmou que continuará a desenvolver o potencial militar, incluindo a "preparação de combate" de suas forças nucleares, no contexto da ofensiva contra o país vizinho e da crise com o Ocidente.
"As Forças Armadas e suas capacidades de combate aumentam constantemente a cada dia. E vamos desenvolver esse processo, é claro", disse Putin durante uma reunião com os principais comandantes do exército. "Continuaremos a manter e melhorar a preparação de combate da nossa tríade nuclear" (mísseis lançados de silos terrestres, de submarinos de navegação e de aeronaves aéreas), acrescentou.
O líder russo também destacou o novo míssil de cruzeiro hipersônico Zircon, que as tropas russas poderão começar a usar no início do ano. "No início de janeiro, a fragata 'Almirante Gorshkov' será equipada com o novo míssil Zircon, que não tem equivalente no mundo", disse Putin.
O conflito, que completa 10 meses na véspera de Natal, é uma "tragédia compartilhada", nos termos do presidente, mas da qual a Rússia não é responsável. "Não é o resultado da nossa política, é o resultado da política de terceiros países", afirmou.
Por sua vez, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, assinalou que as tropas russas lutam na Ucrânia contra as "forças conjuntas do Ocidente". Uma das prioridades, disse, será "prosseguir com a operação especial (na Ucrânia) até ter alcançado todas as suas metas".
Nesse contexto, ele considerou ser "necessário" aumentar o efetivo das tropas para 1,5 milhão de soldados e elevar o limite de idade para o serviço militar. Shoigu também anunciou que Moscou planeja estabelecer bases navais para apoiar sua frota em Mariupol e Berdiansk, duas cidades no Mar de Azov que a Rússia ocupa no sul da Ucrânia.
"Os portos de Berdiansk e Mariupol estão totalmente operacionais. Planejamos estabelecer bases lá para navios de apoio, serviços de resgate de emergência e unidades de reparo naval", afirmou.
Por fim, Putin garantiu que Moscou não está tendo nenhum problema em financiar sua campanha militar, a despeito das numerosas sanções ocidentais. "Não temos limitações de financiamento. O país e o governo dão tudo o que o Exército pede. Realmente tudo!", assinalou o presidente russo, que, em setembro, decretou uma mobilização parcial após uma série de contratempos no terreno na Ucrânia.
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