Estados Unidos

Após recomendação do Congresso, Trump pode enfrentar julgamento na Corte Federal

Comitê de investigação sobre a invasão ao Capitólio pede acusações penais contra Trump por quatro crimes, incluindo insurreição e conspiração. Se condenado, o republicano pode ser preso e impedido de exercer cargos federais

Rodrigo Craveiro
postado em 20/12/2022 06:00
 (crédito: Jim Lo Scalzo/AFP)
(crédito: Jim Lo Scalzo/AFP)

Pela primeira vez, o Congresso dos Estados Unidos recomendou ao Departamento de Justiça a apresentação de acusações criminais contra um ex-presidente. Por unanimidade, em sua última reunião, os integrantes do Comitê de Investigação sobre a Invasão ao Capitólio (sete democratas e dois republicanos), criado pela Câmara dos Representantes, solicitaram que o magnata Donald Trump, 76 anos, seja formalmente indiciado pelos crimes de incitação à insurreição, obstrução de procedimento oficial, conspiração para fraudar o governo e declarações falsas. O ataque ao Congresso, em 6 de janeiro de 2021, deixou cinco mortos, terminou em 900 presos e colocou em xeque uma das mais sólidas democracias do planeta.

Na prática, a recomendação do Comitê é uma medida simbólica, não uma exigência de ação por parte do Departamento de Justiça. O procurador-geral, Merrick Garland, havia nomeado o conselheiro especial Jack Smith para liderar duas investigações contra Trump, incluindo o seu papel na invasão ao Capitólio. No entanto, os deputados norte-americanos deixam expressa a conclusão sobre o grau de envolvimento do ex-presidente republicano. Caso Garland aceite a recomendação, Trump deverá ser julgado por uma Corte federal.

No início da noite de ontem, o magnata republicano declarou que o Comitê pretende barrar sua candidatura à Casa Branca. "As acusações falsas feitas pelo altamente partidarizado 'Comitê não Selecionado' já foram apresentadas", escreveu Trump em sua plataforma, a Truth Social. "Ganhei de forma convincente. (...) Todo este assunto de me processar é como foi o julgamento político: uma tentativa partidária de marginalizar a mim e ao Partido Republicano."

"Se quisermos sobreviver como uma nação de leis e de democracia, isso jamais pode voltar a ocorrer", alertou Bennie Thompson, presidente do Comitê. A vice, Liz Cheney, afirmou que Trump "não é apto para ocupar nenhum cargo" e denunciou uma "clara negligência" do ex-presidente. "Ninguém que se comportou assim naquele momento pode voltar a ocupar um cargo de autoridade em nossa nação", desabafou. Durante 17 meses de trabalhos, o Comitê inquiriu mais de mil testemunhas, se debruçou sobre milhões de páginas de documentos e realizou nove audiências públicas.

Transição

Pouco antes da votação, o deputado democrata Jamie Raskin, membro do Comitê", disse que os integrantes conseguiram "reunir provas significativas de que o presidente Trump pretendia interromper a transição pacífica de poder tal e como estabelece a nossa Constituição". "As provas acumuladas durante a nossa investigação justificam recomendar um processo penal contra Donald Trump", acrescentou.

"(...) Nós apresentamos evidências do que se tornou um plano multipartidário para reverter a eleição presidencial de 2020. Essa evidência levou a uma conclusão absoluta e direta: a causa central do 6 de janeiro de 2021 foi um homem, o ex-presidente Donald Trump, de muitos outros seguiram. Nenhum dos eventos de 6 de janeiro teria acontecido sem ele", atesta o sumário da investigação, apresentado ontem pelo Comitê.

Segundo o documento, "a decisão do presidente Trump de declarar falsamente vitória na noite da eleição, e, ilegalmente, pedir a interrupção da contagem de votos, não foi uma decisão espontânea; foi premeditada". O Comitê considerou que Trump "supervisionou e coordenou um plano sofisticado para reverter a eleição presidencial e evitar a transferência de poder". O relatório final deve ser apresentado amanhã à imprensa.

Mitchell Epner — ex-procurador federal e advogado na firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York) — explicou ao Correio que, das quatro recomendações de acusações criminais contra Trump, a que abrange "inicitamento de rebelião ou insurreição" é a de maior alcance. "Se for indiciado, julgado e condenado, o ex-presidente Trump poderia ser impedido para sempre de ocupar cargos federais, incluindo a Presidência dos Estados Unidos. Além disso, enfrentaria uma pena máxima de 10 anos de prisão. Se for condenado por todas as acusações, poderá pegar até 25 anos de cadeia, o que representaria uma sentença perpétua pelo fato de ele ter 76 anos", afirmou. 

De acordo com Epner, o Comitê mudou a compreensão sobre os eventos de 6 de janeiro de 2021. "Antes das audiências, a palavra 'insurreição' não era empregada por muitas pessoas. Alguns republicanos publicamente declararam que as pessoas que invadiram o Capitólio eram 'turistas indisciplinados'. Agora, o entendimento popular é o de que o ataque foi uma tentativa organizada por um grupo de simpatizantes de Trump para impedirem o democrata Joe Biden de tomar posse, reconduzirem o magnata ao poder e, se necessário, matarem o vice-presidente Mike Pence e lideranças do Congresso", explicou o ex-procurador.

Vontade popular

O historiador político Allan Lichtman, professor da American University (em Washington), considera que os quatro crimes apresentados pelos congressistas "atingem no cerne os esforços de Trump para minar a democracia". "À exceção de conspiração sediciosa, trata-se das acusações mais significativas decorrentes dos esforços de Trump e de seus asseclas de frustrar a vontade popular e reverter uma eleição democrática", advertiu ao Correio.

Lichtman lembrou que, além da derrota no voto popular e no Colégio Eleitoral, Trump sofreu revés em cerca de 60 ações judiciais. "Nunca antes um ex-presidente foi declarado criminoso por um comitê do Congresso. Agora, cabe ao Departamento de Justiça tomar a decisão final sobre o indiciamento", disse.

O estudioso aposta que, ante o caráter convincente das evidências, ao menos parte das acusações serão aceitas pelo Departamento de Justiça e levadas a uma Corte federal. "Trump tem tantos problemas jurídicos, que não será candidato do Partido Republicano à Casa Branca, em 2024. Ele também enfrenta indiciamento por roubo e manuseio de documentos confidenciais, além de adulteração na eleição presidencial, na Geórgia, e crimes financeiros em Nova York."

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  • Jake Angeli (C), o
    Jake Angeli (C), o "Lobo de Yellowstone", e outros invasores do Capitólio Foto: Saul Loeb/AFP
  • Simpatizantes do magnata na escadaria do prédio: ataque à democracia
    Simpatizantes do magnata na escadaria do prédio: ataque à democracia Foto: Samuel Corum
  • 15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington.
    15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington. Foto: Arquivo pessoal

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"O encaminhamento criminal do Comitê não é necessário nem suficiente para que o Departamento de Justiça apresente as acusações contra Trump. No entanto, trata-se de uma decisão histórica. Nunca houve uma recomendação de acusações criminais contra um presidente em exercício ou um ex-presidente. O exemplo anterior mais próximo remonta a 1806, quando o ex-vice-presidente Aaron Burr foi indiciado e julgado por traição. Ele foi absolvido pelo júri em 1807."

Mitchell Epner, ex-procurador federal para o Distrito de Nova Jersey e advogado da firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York)

15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington.
15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington. (foto: Arquivo pessoal)

"O Comitê fez um trabalho magistral, ao coletar evidências e apresentá-las, de forma clara e convincente, ao povo norte-americano. Um julgamento, é claro, seria muito mais contraditório. Não conseguimos a apresentação de testemunhas pró-Trump nas audiências ou nos interrogatórios. O trabalho do Comitê contribuirá muito para a proteção da democracia dos Estados Unidos, mas deixar de responsabilizar Trump e outros legalmente seria um grande retrocesso."

Allan Lichtman, historiador político da American University, em Washington

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