Dois dias após a tentativa frustrada de golpe de Estado, com a destituição de Pedro Castillo, um clima crescente de descontentamento tomou conta das cidades peruanas. Nas ruas, apoiadores do ex-presidente exigiram sua libertação e a convocação de eleições. Atenta à movimentação popular, a nova presidente, Dina Boluarte, anunciou que vai formar seu gabinete hoje, sem descartar, porém, a antecipação do pleito como forma de garantir uma saída pacífica para a crise política no país.
Em meio a essa turbulência, surgiu um ingrediente que pode complicar ainda mais a situação. Um ex-chefe de gabinete e um advogado de Castillo insinuaram que ele tenha sido dopado antes de ler a mensagem em que anunciou sua fracassada tentativa de autogolpe, na quarta-feira.
"Eu perguntei: 'por que você fez a leitura?' (do decreto que dissolveu o Congresso). Ele me respondeu que não se lembrava", revelou o deputado Guido Bellido, depois de visitar Castillo na base policial, em Lima, em que está detido. "O estado psicológico de Castillo ao ler a mensagem à nação mostra que ele estava fora de si, o que sugere que ele poderia ter sido induzido (a ler a mensagem). Um exame toxicológico é urgente", observou Bellido, em um tuíte.
O advogado Guillermo Olivera, um dos defensores de Castillo, também cogitou essa teoria. "O que eu sei é que quando o ex-presidente leu a mensagem escrita por outros, minutos antes lhe deram uma bebida, supostamente água. E depois de beber a água, ele se sentiu tonto", afirmou Olivera.
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Apelo
Diante da insatisfação de parte da população, Dina Boluarte tentou transmitir uma mensagem pacificadora e pediu calma. "Se a sociedade e a situação exigirem, vamos antecipar as eleições em conversas com as forças democráticas do Congresso", disse a primeira mulher à frente do governo peruano. "Faço um apelo às irmãs e aos irmãos que estão saindo em protesto para pedir que nos acalmemos", afirmou a presidente, após confrontos violentos entre manifestantes pró-Castillo e a polícia na quinta-feira à noite em Lima.
Boluarte participou de uma cerimônia do Exército em homenagem ao 198º aniversário da Batalha de Ayacucho, que selou o fim do domínio colonial da Espanha na América Latina. "Deixemos para trás os capítulos do confronto, dos infelizes acontecimentos que quiseram quebrar a democracia e das aventuras que não geraram estabilidade. É agora ou nunca. O Peru não pode parar", disse a presidente aos militares, que não apoiaram o golpe.
Entretanto, protestos em várias cidades alimentaram a incerteza sobre a viabilidade de Boluarte conseguir concluir seu mandato em 2026. Pelo segundo dia seguido, dezenas de pessoas bloquearam, ontem, diferentes trechos da rodovia Pan-Americana, com pedras, troncos e pneus em chamas, exigindo eleições gerais e o fechamento do Congresso.
Na quinta-feira, cerca de mil manifestantes enfrentaram violentamente a polícia perto do Parlamento, na capital peruana, e foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo. Ao menos três deles foram detidos. Também ocorreram mobilizações em regiões do interior do país, como Chota (Cajamarca, de onde Castillo é originário), Trujillo, Puno, Ayacucho, Hancavelica e Moquegua. A Defensoria do Povo fez um apelo "à tranquilidade e à responsabilidade a todos os cidadãos".
Ontem, milhares exigiram a renúncia da nova presidente, a quem alguns esquerdistas chamam de "traidora" por assumir o cargo. "Vivemos um golpe decretado pelo Congresso. Não pode ser que um pequeno grupo de 100 pessoas tire um presidente eleito por milhões", cobrou Ana Zevallos, uma apoiadora de Castillo que participou do protesto.
Pedido de asilo
Dois dias após a fracassada tentativa de golpe, Castillo está encarcerado no mesmo centro de detenção que o ex-presidente Alberto Fujimori, na base das forças especiais da polícia, localizada ao leste de Lima. O Ministério Público acusa-o de rebelião e conspiração, e um tribunal superior ordenou que fique sete dias em prisão preventiva. Se for considerado culpado, pode pegar entre 10 anos e 20 anos de prisão.
Em paralelo, o México realiza consultas com o novo governo peruano para conceder asilo político a Castillo. O chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, divulgou uma carta com o pedido, segundo o qual o presidente deposto é vítima de uma "perseguição infundada de caráter político".
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