ENTREVISTA - LESIA VASYLENKO

"Os ucranianos estão mais firmes do que nunca", diz deputada ucraniana

Lesia Vasylenko, parlamentar da Ucrânia, fala ao Correio sobre a onda de ataques russos contra a ex-república soviética e revela os momentos mais tensos da guerra

Rodrigo Craveiro
postado em 05/12/2022 21:26
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Nos últimos 284 dias, os ucranianos tiveram de se readaptar a uma nova vida. A cada sirene antiaérea, eles se veem obrigados a correr até os porões de suas casas ou as estações de metrô subterrânea. Também aprenderam a lidar com o medo e criaram resiliência e esperança de que a paz silencie as bombas. Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, Lesia Vasyleno — integrante da Verkhovna Rada (Parlamento da Ucrânia) — contou como foram os mais recentes ataques aéreos contra a capital Kiev e outras cidades da ex-república soviética. Também desabafou sobre os piores momentos da guerra e sobre como a invasão russa provocou uma reviravolta na vida dela e de outros ucranianos. A parlamentar de 35 anos disse que a vitória das forças da Ucrânia são a única opção sobre a mesa e acusou a Rússia de cometer atrocidades no campo de batalha. 

Como a senhora definiria essa segunda-feira de intensos bombardeios em Kiev?

Com ou sem bombardeios, o povo ucraniano está mais firme do que nunca para colocar fim a esta guerra, o mais rápido possível, com uma vitória para a Ucrânia. A vitória é a única solução a longo prazo contra a agressão russa. Esta será uma vitória para a Ucrânia, mas também para a democracia. Esta é a única opção que o povo ucraniano deseja e aceita. Nosso presidente, Volodymyr Zelensky, sabe disso. Nosso exército também tem noção disso. Por isso, todos os esforços do governo da Ucrânia e do Parlamento para concentrar todo o apoio possível, a fim de que esse triunfo venha o mais rápido possível. 

Esta segunda-feira (5/12) começou com as notícias de que teríamos bombardeios precisamente ao meio-dia. Cerca de 100 mísseis foram lançados pela Rússia contra o território ucraniano. A maior parte deles foi derrubada. Houve alguns alvos atingidos no leste e algumas perdas. Uma criança de um ano foi morta nesses ataques. Também soubemos que um míssil caiu no território da Moldávia. Durante essa agressão, não apenas os ucranianos sofrem, pois os mísseis russos não são precisos. Quando a Ucrânia se defende e acerta mísseis lançados perto da fronteira, é claro que os projéteis podem cair. 

Em relação ao estado de espírito do povo ucraniano, de que modo a senhora o avaliaria?

É claro que o estado de espírito em Kiev e em todo o país, diante dessas notícias e da necessidade de se preparar para esses ataques, não foi muito brilhante. Poucas horas depois, quando as autoridades exortaram o povo a permanecer em abrigos subterrâneos, mais fotografias do que o habitual começaram a circular nas redes sociais sobre a vida nos porões e nas estações de metrô. Mais pessoas escolheram descer para os abrigos, desta vez, ante a intensidade dos bombardeios. Nosso sistema de defesa antiaérea funcionou bem. Vimos como o povo ucraniano se tornou resiliente e tem se adaptado a uma nova normalidade, que transformou a vida durante a guerra. 

A senhora acredita que as forças da Ucrânia estão vencendo a guerra contra a Rússia?

As forças ucranianas estão em manobra e têm sido bem-sucedidas em forçar um recuo das tropas russas. Nosso exército tem se empenhado totalmente em uma contraofensiva. Não temos escolha a não ser seguir adiante com essa estratégia. Se permitirmos que a Rússia se imponha nos próximos meses, será impossível expulsar seus soldados da Ucrânia durante a primavera. Este é o período em que haverá uma ampla mobilização de aliados da Ucrânia que gostariam de ver a paz em uma região muito importante do planeta. As forças ucranianos estão a caminho da vitória. Mas há um longo caminho pela frente. Estamos progredindo de forma mais lenta do que gostaríamos. No entanto, ocorre que os militares acreditam no valor da vida humana. Temos buscado salvar as vidas de nossos soldados, mas também proteger os civis. Ao mesmo tempo, tentamos expulsar os agressores de nosso território. 

Nesses últimos nove meses, qual foi o momento mais difícil da invasão para a senhora?

Para mim, pessoalmente, o momento mais tenso desses quase 10 meses de guerra foi o começo da invasão. Em 24 de fevereiro, foi muito difícil contemplar tudo aquilo que estava acontecendo. Eu tive que mudar toda a minha família de nossa casa, pois não era seguro permanecer lá. Tive de mudar os meus pais da casa deles, pelo mesmo motivo. Eu e meu pai somos muito engajados politicamente. É muito difícil perceber que seu nome possa estar em uma lista de assassinatos da Rússia e que sua família está sob ameaça. Outro momento difícil para mim foi o 1º de março, quando tive de enviar meus filhos para a Noruega. Saber que eles estão seguros e aptos a levar adiante a educação e a infância, e ao mesmo tempo me separar deles, tem sido algo muito maluco. Tive que aceitar que este é o modo de vida a partir de agora e que será difícil. Fiquei muito abalada com os massacres de Bucha e de Irpin, descobertos entre os dias 1º e 2 de abril. Eu me lembro de ler e ver relatos sobre destruição nestas cidades. Fui até lá e escutei os depoimentos de vítimas de violência sexual. Por ser uma mulher, imaginei que poderia ter sido comigo ou com minhas filhas. Isso realmente trouxe raiva, resiliência e convicção de que temos de vencer essa guerra. A Rússia perdeu sua credibilidade, diante de meus olhos, por todo o sempre. Tudo o que os russos fizeram foi horroroso: os túmulos coletivos em Kharkiv, os centros de tortura em Kherson, os relatos dos prisioneiros de guerra. Tudo isso mostra o que a Rússia realmente é: um agressor monstruoso, assassino e terrorista.

 

 

 

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