O filho do líder de uma milícia paramilitar que tentou impedir a posse do presidente Joe Biden nos Estados Unidos passou anos arquitetando um plano para ajudar sua família escapar do controle de seu pai, Stewart Rhodes.
Líder da milícia Oath Keepers (algo como "Guardiões do Juramento", em inglês), Rhodes foi condenado por traição na quarta-feira (30/11) e enfrenta a perspectiva de passar décadas na prisão. Agora, o resto de sua família está tentando reconstruir suas vidas.
O momento da fuga
A hora havia chegado. Era um dia escuro em fevereiro de 2018. O jovem Dakota tinha tudo planejado.
Sua mãe e seus cinco irmãos mais novos estavam na caminhonete - alguns deles agachados no chão.
Eles se apertaram o máximo que puderam e pensaram em uma desculpa — que estavam indo o depósito de lixo perto da rodovia principal. Nessa época do ano, a rodovia ficava escorregadia por causa da neve e do gelo derretendo.
Mas assim que eles começaram a se afastar, o pai de Dakota irrompeu pela porta da casa. A família vivia em um chalé remoto nas montanhas do noroeste de Montana.
- Parentes cometem 56% dos feminicídios no mundo, alerta ONU
- As mulheres que apoiam vítimas de abuso que matam seus agressores
Dakota e sua mãe, Tasha, congelaram. Stewart Rhodes havia dominado suas vidas até aquele momento.
Tasha e Stewart estavam casados ??há quase 25 anos, e ela estava familiarizada com seus períodos de mania. Ele tinha passado a noite acordado, frenético — malhando, ouvindo música, praticando luta filipina, andando de um lado para o outro. Era um padrão, diz Dakota, que se tornou conhecido da família ao longo dos anos de abuso emocional e paranoia.
Ele agora os impediria de fugir? Ele notaria que sua arma favorita tinha sumido? Ele questionaria por que John-Boy, o cachorro da família, estava indo junto até o lixão? Dakota agarrou o volante enquanto Tasha olhava para suas filhas, escondidas sob as janelas com os olhos arregalados.
"Ei," Rhodes gritou. "Compre um bife na volta."
Dakota e Tasha concordaram e o jovem dirigiu a caminhonete em direção à rodovia, sem olhar para trás.
Filho de um miliciano
Com sua barba e tapa-olho, Stewart Rhodes se tornou um rosto conhecido nos EUA, uma das principais caras da milícia conspiracionista americana. Ele fundou em 2009 um grupo paramilitar chamado Oath Keepers.
Desde setembro, Rhodes e quatro membros do grupo estão sendo julgados em Washington por seus papéis na invasão do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro deste ano. Eles são acusados ??de conspiração — pela tentativa de impedir a certificação das eleições de 2020 e a posse de Joe Biden —, crime que tem pena máxima de 20 anos de prisão.
Do outro lado do país, Dakota e Tasha acompanhavam de perto o julgamento.
Dakota cresceu acreditando totalmente na visão de mundo de seu pai — que ele descreveu como a ideia de que existe uma "maliciosa conspiração comunista buscando instituir uma Nova Ordem Mundial para intencionalmente semear o caos".
Demorou até a adolescência para que sua fé no apocalipse apoiado pelo governo fosse abalada e até o início da idade adulta para finalmente conseguir escapar.
Primeiras memórias
As coisas nem sempre foram tão ruins.
Dakota Adams — ele e sua mãe agora usam o sobrenome de solteira dela — passaram grande parte de sua vida não no interior de Montana, mas em cidades grandes na costa leste dos Estados Unidos.
Seus pais se conheceram e se casaram na década de 1990. Dakota é o filho mais velho.
Ele viveu seus primeiros anos nos subúrbios da capital, Washington, onde Rhodes já foi assessor do congressista libertário Ron Paul. Quando Dakota tinha cerca de quatro ou cinco anos, a família mudou-se para Connecticut depois que Rhodes foi aceito na faculdade de direito da Universidade de Yale.
Dakota se lembra de morar na cidade de New Haven e ter "vizinhos tão diversos" que sua rua "parecia o cenário da Vila Sésamo".
"Eu achava que o mundo era assim", diz ele.
O jovem se lembra da pizzaria local e da loja de bagels, de brincar com os filhos de alunos de pós-graduação de todo o país e do mundo, e de conversar sobre o filme Star Wars.
"Essa época foi a única em que minha infância foi normal", diz. "Foi a única em que tive amigos de verdade e interação social."
Ainda assim, de acordo com Tasha, Rhodes exibia estranhos surtos de paranoia - as sementes da dúvida que mais tarde alimentariam sua missão antigovernamental.
Quando se conheceram, Rhodes não era particularmente político, disse Tasha, mas estava sempre planejando estratégias para evitar inimigos imaginários.
- A história da jovem que se mudou para conhecer amigo virtual e foi assassinada
- Teórico da conspiração terá de pagar quase US$ 1 bilhão por fake news sobre massacre em escola nos EUA
Por exemplo, para algo tão comum quanto verificar o óleo do carro, ele fazia Tasha ficar de guarda "para garantir que ninguém fechasse o capô em sua cabeça", conta ela.
Dakota também relembra de algumas memórias sombrias, como quando tinha 4 anos de idade e foi acordar seu pai de um cochilo. Rhodes assustou e puxou um canivete com o qual dormia.
"Ele brincava que isso era uma espécie de 'instinto de homem das cavernas animalesco e ultra viril', algo que seria ativado antes que ele estivesse totalmente acordado", diz Dakota. "Eu nunca vi algo assim nem antes nem depois."
Nascimento dos 'Oath Keepers'
Depois de se formar em Yale em 2004, Rhodes se mudou com a família para diversos Estados no oeste americano enquanto trabalhava como advogado. A cada mudança, sua paranoia e sua desconfiança do governo pioravam.
O casal teve mais cinco filhos enquanto pulava de cidade em cidade nos Estados de Arizona, Nevada e Montana. Nenhum deles ia para escola. Alguns não tinham sequer certidão de nascimento.
A família vivia em Nevada quando Rhodes fundou os Oath Keepers, em abril de 2009. De acordo com Tasha, o grupo nasceu durante um dos surtos do marido em que ele ficava acordado a noite toda escrevendo.
Tasha conta que uma noite ela estava tentando ninar um dos filhos enquanto o marido tocava heavy metal no último volume e não a deixava sair do quarto.
Ele mostrou para ela uma 'carta de fundação': "Declaração das Ordens Que Não Vamos Obedecer".
"Eu tentando fazer o bebê dormir e ele ficava falando: 'espera, espera para ver o que eu escrevi'", se lembra ela.
As milícias têm sido parte dos movimentos à margem da vida política americana há um tempo.
Há uma variedade de inclinações e ideologias, mas geralmente elas têm como preocupações centrais o poder do governo federal nos EUA e a repressão à liberdade individual e à posse de armas — preocupações que frequentemente se transformam em paranoia e conspiracionismo. Em 2021, havia 92 milícias ativas em 30 Estados diferentes, de acordo com o Southern Poverty Law Center, uma organização sem fins lucrativos que rastreia grupos extremistas.
Rhodes — que já serviu como paraquedista do Exército — fundou a Oath Keepers com o objetivo de recrutar veteranos de guerra, policiais e outras pessoas com treinamento em uso de armas de fogo. Ele sonhava em convocar legiões de pessoas treinadas que poderiam "lutar contra a tirania do governo".
Sua carta de fundação começava com uma citação de George Washington e incluía algumas frases que se tornaram sucesso no mundo das milícias extremistas. "NÃO obedeceremos a nenhuma ordem para desarmar o povo americano", escreveu Rhodes.
O texto tinha "alertas" contra bloqueio em cidades americanas, campos de detenção de "poderes absurdamente totalitários reivindicados" pelo presidente. Na época em que Rhodes escreveu a carta, o presidente Barack Obama, o primeiro negro a assumir o cargo, havia tomado posse há poucos meses.
O documento viralizou nos círculos extremistas e acabaria levando Rhodes a ter uma série de conflitos com a polícia.
Tasha diz que não criou nenhum obstáculo ao marido. "Ele ficava dizendo que a razão pela qual ele perdia a paciência, a razão pela qual ele era violento, era o fato de não ter encontrado seu propósito na vida", diz Tasha. "Então, parte de mim pensou, bem, talvez isso ajude a consertar o que quer que esteja errado com ele."
E no começo parecia que Rhodes tinha mesmo "encontrado sua vocação".
Em abril de 2009, os Oath Keepers lançaram um evento em Lexington, no Estado do Massachusetts, o local da primeira batalha da guerra da Revolução Americana, que resultou na independência da Inglaterra.
Rhodes começou a viajar pelo país para angariar apoio. Ele apareceu em canais conservadores do YouTube, no programa de rádio do ativista Alex Jones e chegou até a aparecer nos grandes canais de televisão.
Sua família tornou-se parte integrante do projeto da milícia. A vida familiar tornou-se intrincada com a vida dos Oath Keeper. Tasha receberia os membros em sua casa; Dakota respondia aos e-mails da milícia e, quando ficou mais velho, passou a levar seu pai de carro para os eventos.
Mas durante longos períodos em que Rhodes estava na estrada, o resto de sua família sentia que a vida estava ficando cada vez pior.
"Estávamos tão ilhados e isolados que nem sabíamos qual era o dia da semana", diz Dakota.
Hoje, o jovem mora em um apartamento de um cômodo em uma estrada rural perto de uma pequena cidade de Montana, não muito longe da casa da família da qual ele fugiu.
Agora com 25 anos, ele usa seu cabelo loiro escuro até os ombros — um contraste com os cortes de cabelo curtos de suas fotos de infância. Ele tem um jeito ponderado de falar e por vezes se emociona ao falar sobre sua família.
Ele quer contar sua história com precisão, tanto que pede desculpas quando precisa se esforçar para lembrar as datas exatas de algum evento.
Refletindo sobre sua infância, ele diz que houve um momento em que percebeu que a família havia se tornado "um acessório da marca Stewart Rhodes".
Seu pai havia "transformado sua família no ponto central desse culto à personalidade que ele queria construir para si mesmo", diz Dakota. "E nessa realidade que ele queria criar, ele seria uma grande figura salvadora na história americana."
Como filho mais velho de Rhodes, ele diz que sentia enorme pressão para manter a fachada da família. Esperava-se que ele assumisse atividades tidas como masculinas que poderiam servir aos propósitos da milícia. Elas incluíam ter sempre um kit de sobrevivência, praticar de tiro, treinar artes marciais e estudar história, principalmente da Revolução Americana e da batalha das Termópilas (episódio histórico que ficou conhecido também como "Os 300 de Esparta").
Como muitos filhos, Dakota ansiava pela aprovação do pai, que nunca acontecia.
"Na infância eu tinha uma espécie de camada de adoração pelo meu pai que lentamente foi se desmanchando ao longo dos anos", diz. "Eu me via como nada além de um enorme fracasso para minha família, que nunca poderia viver de acordo com os padrões de Stewart."
Memórias incômodas
A cidade de Kalispell, em Montana, é pequena mas está em crescimento, e serve de passagem para o Parque Nacional Glacier.
Dakota está em frente a uma das casas onde sua família já morou, uma casinha bege e modesta em frente a uma fileira de trailers. É evidente que o lugar traz memórias incômodas para Dakota, que passou ali os primeiros anos da adolescência.
Ele conta que certa vez, por volta de 2012, o cachorro muito amado da família, Yeti, ficou doente e acabou morrendo dentro de casa.
"Stewart estava ocupado com reuniões virtuais [dos Oath Keepers] e com e-mails e no dia não quis levar o cachorro para ser cremado", conta Dakota.
Demorou três dias para Rhodes finalmente levar o cachorro para a cremação. No carro, que estava parado no trânsito, ele fez piada com o cheiro do corpo do bicho e tirou sarro do seu filho por causa do seu apego ao animal de estimação.
Dakota ficou furioso.
"Eu tive que lutar contra o impulso de descer do carro, arrancar meu pai da direção e bater nele no meio da estrada", diz.
Ao longo de horas de entrevistas e em postagens nas redes sociais, Dakota e Tasha relataram vários incidentes semelhantes, de abuso psicológico e negligência. Alguns são mais graves - como quando Dakota encontrou Stewart sufocando uma de suas irmãs na varanda da casa.
"Até me tornar adulto, vivi sob o domínio absoluto de um terrorista emocional", diz.
Rhodes se recusou a comentar os detalhes revelados por sua família, depois que fizemos contato com sua equipe de advogados.
Indo para as montanhas
A pequena cidade de Kalispell não era remota o suficiente para Rhodes. No início da década de 2010, a família mudou-se para uma cabana que ficava a algumas horas de distância ao norte, em uma pequena comunidade nas montanhas habitada por milicianos, sobrevivencialistas e outras pessoas que geralmente preferem ficar sozinhas.
Quando jovem, Dakota passou um verão inteiro cavando túneis de "rotas de fuga" na propriedade, preparando-se para o que seu pai acreditava ser um inevitável ataque do governo ao complexo da família.
No interior, a quilômetros das conexões que ele fez na cidade, os hobbies favoritos de Dakota — artes marciais e escotismo — caíram no esquecimento. Isolado, ele mergulhou em um estado depressivo. Passava cada vez mais tempo online, em sites e fóruns cheios de fanáticos, como o 4chan. Hoje ele descreve a si mesmo naquela época como um "neckbeard" — uma gíria pejorativa que significa algo como um nerd adolescente machista que mora em um porão e que negligencia a higiene pessoal.
Ao longo desse tempo, estimulados por Rhodes, os Oath Keepers foram expandindo seu alcance. Membros armados foram à Ferguson, no Missouri, em 2015, "patrulhar" a cidade contra manifestantes no aniversário de um ano dos protestos pela morte do adolescente Michael Brown pela polícia. Em meados da década de 2010, os Oath Keepers estiveram em diversos conflitos entre ativistas anti governamentais e a polícia: em Bundy Ranch, em Nevada, e no Malheur National Wildlife Refuge, em Oregon.
Mas mesmo com o crescimento da milícia, a família de Rhodes estava sempre sem dinheiro. A milícia cobrava taxas anuais de adesão de US$ 30, que depois aumentaram para U$ 50, de acordo com as evidências apresentadas no julgamento de Rhodes. O orçamento era complementado por doações.
Uma lista de membros vazada no ano passado tinha 38 mil nomes, incluindo alguns políticos eleitos e autoridades policiais. Mas não há informações sobre quantos deles pagaram mensalidade e por quanto tempo. A BBC falou com várias pessoas na lista que dizem que nunca pagaram nada. Rhodes não fez declarações de imposto de renda desde que fundou os Oath Keepers, de acordo com as evidências no julgamento.
O dinheiro que entrava era mal administrado por Rhodes, segundo sua família. Despesas — equipamentos de sobrevivência, munição e custos de viagem — se acumulavam.
E enquanto Rhodes contava à família histórias de refeições sofisticadas em viagens e nas sessões de treinamento da milícia, sua esposa e filhos frequentemente passavam dias comendo mingau de aveia e fatias de frutas secas.
Em meio a tudo isso, na mente de Dakota as dúvidas sobre o movimento liderado por seu pai aumentavam.
"Comecei a ver Stewart como ele realmente era e não acreditava mais em um apocalipse", diz o jovem.
As previsões de seu pai sobre um iminente colapso social e amplas repressões do governo simplesmente não se realizavam. Ou seja, o fim não estava próximo.
"Isso significava que existia a possibilidade de eu salvar meu próprio futuro. E significava que eu tinha que afastar minha família de Stewart", diz ele.
Combatendo incêndios
Mas como?
Dakota não tinha dinheiro nem educação formal e tinha um círculo social muito pequeno. Ele deu alguns passos na direção certa - aprendeu a dirigir e estudou para obter o GED, o equivalente a um diploma do ensino médio para quem foi educado em casa.
Mas a verdadeira transformação veio depois de uma conversa em um posto de gasolina, quando trazia seu pai de uma reunião dos Oath Keepers.
Um funcionário do posto contou a ele sobre a possibilidade de ser voluntário no corpo de bombeiros local. Dakota concordou em ir na próxima reunião. Foi a mudança que ele precisava.
Juntar-se ao corpo de bombeiros expôs Dakota a um novo conjunto de valores que inicialmente pareciam refletir o que ele ouvia em casa: lições sobre responsabilidade cívica e sobre estar preparado. Mas no corpo de bombeiros, as pessoas não estavam discutindo batalhas antigas, estocando armas e comida e se enfurecendo contra o governo. Elas estavam de fato indo para a rua e ajudando as outras pessoas.
A experiência expandiu seu círculo social e o ajudou a conseguir trabalhos remunerados a quilômetros de distância de casa, combatendo incêndios florestais até na Califórnia. Seu pai controlador permitia que ele viajasse para isso, diz Dakota, porque isso se encaixava nos ideais machistas que ele tinha para o filho mais velho.
Durante todo esse tempo, o jovem se sentia cada vez mais preparado para ir embora e, aos 20 anos, percebeu que seus irmãos ansiavam por escapar ainda mais do que ele.
"Fui o último filho a ter qualquer tipo de lealdade a Stewart ou a acreditar na sua narrativa", diz.
Um plano inicial foi colocado em prática. Um após o outro, conforme cresciam, os filhos saíam da casa da família e ajudavam os mais novos a escapar.
Algumas conversas com sua mãe durante a madrugada o fizeram perceber que Tasha também queria ir embora.
A fuga
Um incêndio na Floresta Nacional de Kootenai, em 2017, começou com um raio e devastou milhares de acres. Dakota foi um dos bombeiros alistados para combater o fogo.
Ele passou o verão e o início do outono lutando contra as chamas. Com isso, ele ganhou dinheiro suficiente para comprar sua própria caminhonete, o primeiro carro da família que não estava no nome do pai.
"Conseguíamos sair de casa de forma independente, em vez de ter Stewart controlando toda nossa movimentação", disse ele.
A família planejou uma estratégia de fuga por dois, mas foram forçados a agir, diz Dakota, pela situação financeira da família. Estava se tornando cada vez mais provável que eles fossem despejados da casa na montanha por não pagar o aluguel.
"Teríamos que passar pelo pior cenário de não ter dinheiro suficiente para viver e ficarmos sem teto ainda ligados a Stewart", diz ele.
Tasha entrou com o processo de divórcio. Na noite anterior à fuga, Rhodes e Tasha foram a um bar próximo. O barman ficava olhando para ela o tempo todo, diz, porque ela não parava de chorar. "Stewart nunca percebeu", conta.
A família fugiu no dia seguinte - naquele dia sombrio de fevereiro de 2018.
Nova vida
A vida desde então não tem sido fácil. A família ainda vive em Montana.
Tasha, Dakota e seus irmãos tiveram que se ajustar à vida fora da milícia, incorporando-se às rotinas mais normais de trabalho, escola e vida comunitária.
Dakota foi morar em uma casa alugada e, posteriormente, em um apartamento que conseguiu comprar. Entre vários empregos e os combates a incêndios, ele sustenta e apoia sua família, diz ele, de uma forma que Rhodes nunca fez.
Atualmente, ele estuda assuntos novos para ele (arte) e velhos conhecidos (política americana) em uma faculdade local.
Tasha ainda não conseguiu o divórcio, mais de quatro anos e meio depois de solicitá-lo.
E ainda eles ainda são assombrados pelos fantasmas de Stewart Rhodes e dos Oath Keepers.
Como muitos outros movimentos políticos nos Estados Unidos, o mundo das milícias foi transformado pela primeira candidatura de Donald Trump à presidência em 2015. Rhodes e seus Oath Keepers passaram de ferrenhos oponentes do governo a protetores imaginários do movimento pró-Trump.
E após a eleição de 2020, em que Trump perdeu, os Oath Keepers se prepararam para o conflito, estocando armas e intensificando a retórica, de acordo com depoimento apresentado no tribunal.
Quando Dakota e Tasha viram a invasão do Capitólio no noticiário em 6 de janeiro de 2021, eles não precisaram ver o rosto de Rhodes para saber que ele estava lá.
Dakota testemunhou seu pai se transformar de um cético de Trump em um apoiador fervoroso após a eleição de 2016.
Na preparação para a eleição de 2020, Rhodes imaginou sua milícia como a última linha de defesa protegendo o movimento pró-Trump. No tribunal, ele disse que esperava que Trump invocasse uma lei de 200 anos que permite ao presidente convocar as forças armadas e a Guarda Nacional para manter a ordem. Na leitura de Rhodes desse cenário, os Oath Keepers se tornariam quase um exército privado de Trump.
"Eu sabia que Stewart estava realmente atrelado a Trump e teria que apostar tudo na manutenção do poder de Trump, quer ele ganhasse a eleição ou não", diz Dakota.
Mas agora, Rhodes pode pegar até 60 anos de cadeia no total - somente sua condenação por conspiração sediciosa pode chegar a 20 anos. Um de seus co-réus, Kelly Meggs, também já foi condenado por conspiração. Três outros Oath Keepers foram considerados inocentes da acusação de conspiração sediciosa, mas foram condenados por acusações menores, incluindo obstrução de um processo oficial.
Respirar aliviado
Anos depois de escapar da casa de seu pai, a raiva de Dakota ainda é palpável. Assim como seu alívio.
"Até respirar fica mais fácil", diz ele.
Sua trajetória política divergiu da de seu pai. O jovem trabalhou como voluntário para a campanha dos políticos locais do Partido Democrata nas últimas eleições legislativas. E em 2020, Dakota estava de volta a Kalispell, juntando-se a mais de mil manifestantes em apoio ao movimento Black Lives Matter.
Milícias armadas também estavam lá. Um deles ficou cara a cara com Dakota - que estava de máscara na época por causa da covid. Quando o jovem baixou a máscara, o homem ficou em choque.
"Ele rapidamente percebeu que eu era o filho de Stewart e ficou completamente chocado ao me ver do outro lado do protesto", conta.
Seu apartamento hoje tem fotos de cenas de vida selvagem nas paredes e um micro-ondas e um fogão no canto. Seu cachorro Mocha observa enquanto ele nos mostra um colete à prova de balas e um fuzil.
Dakota admite que está sem prática e só veste o colete quando os repórteres pedem para vê-lo. Ele prefere passar seu tempo livre estudando, desenhando e escrevendo. O jovem tem um blog e contou sua própria história em um longo ensaio para o site progressista Raw Story.
Hoje em dia ele não usa muito as armas. Elas trazem de volta memórias desagradáveis ??dos eventos de treinamento de Rhodes e dos Oath Keepers. Ainda assim, Dakota não se desfez delas - por precaução.
"Não tenho confiança de que os Estados Unidos resistam ao crescimento desse movimento fascista", diz ele.
Após a fuga, os filhos de Rhodes tiveram encontros ocasionais com o pai, mas que gradualmente foram ficando mais raros. Desde o início da pandemia de covid, Dakota conta que recebeu mensagens de texto esporádicas de seu pai. Mas o jovem não respondeu a nenhuma.
* Com reportagem de Chelsea Bailey e Eloise Alanna.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63811445
Saiba Mais
- Brasil Os 120 anos de 'Os Sertões', apontado como primeiro livro-reportagem brasileiro
- Política Pós-eleição segue com violência, perseguições, ameaças e mortes
- Política Lula quer Maduro na posse, mas portaria de Bolsonaro vira entrave para convite
- Diversão e Arte Fabiana Karla diz ter duvidado da sexualidade do marido
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.