Trabalho

Nômades digitais já podem pedir vistos de residência em Portugal

Lei que incentiva trabalhadores que atuam em home office a se instalarem no país europeu já está em vigor. Interessados terão de comprovar renda mínima de R$ 14,6 mil

Lisboa — Os brasileiros que desejam viver e trabalhar em Portugal terão mais facilidade para entrar no país já podem pedir vistos de residência por meio do site da VSF Global, empresa contratada pelo governo português que processa todas as solicitações. Os serviços começaram no último domingo (6/11). As regras foram flexibilizadas para todo tipo de trabalhador, mas um grupo, em especial, está despertando a atenção do governo português: o de nômades digitais, pessoas que exercem atividades que podem ser realizadas de qualquer parte do mundo. Esse contingente cresceu muito depois da pandemia do novo coronavírus e vai de profissionais da tecnologia da informação a psicólogos, de web designers a professores. “Estamos de portas abertas para os nômades digitais”, diz o ministro da Economia e do Mar de Portugal, António Costa Silva, sempre que questionado sobre o tema.

A perspectiva é de que os nômades digitais brasileiros liderem os pedidos de residência entre os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), beneficiados pela flexibilização das leis para estrangeiros. Hoje, o fluxo desses profissionais é puxado por europeus, especialmente do Reino Unido e da França, e dos Estados Unidos, que se beneficiam dos custos de vida mais baixos — ainda que a inflação esteja rondando na casa de 9% ao ano —, dos serviços gratuitos de saúde e de educação e da segurança — Portugal é considerado a sexta nação mais pacífica do mundo.

Não por acaso, diante desse conjunto de atributos, a terra de Cabral foi eleita como melhor lugar país para nômades digitais, segundo o Índice Viagens e Trabalho, publicado pelo site Kayak. “Estamos falando de fatores que pesam muito na decisão de qualquer trabalhador que pensa em morar fora de seu país de origem”, afirma Adriana Schneider, especialista em desenvolvimento humano e organizacional e CEO da Humanare. Ela se mudou para Portugal há um ano com o marido e os quatro filhos e ressalta que a qualidade de vida e as facilidades para executar seu trabalho normalmente no Brasil foram preponderantes para a sua decisão.

Renda comprovada

Mas, apesar de toda a flexibilização na legislação para trabalhadores estrangeiros, Portugal fixou uma série de regras que devem ser cumpridas para que os nômades digitais possam desfrutar das boas condições que o país oferece. A primeira delas, conforme o Decreto número 04/2022, é comprovar renda mensal de, no mínimo, 2.820 euros, o equivalente hoje a R$ 14,6 mil, com vínculo empregatício. Um atestado emitido pelo empregador é vital. Além disso, é preciso fazer inscrição prévia no site do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e arcar com um custo inicial de R$ 527,15. 

Para aqueles que não têm ligação formal com uma empresa e atuam de forma independente, há a necessidade de apresentação do contrato de sociedade ou de prestação de serviços, com demonstração dos trabalhos realizados. São exigências das quais o governo português não abre mão, afirma Thiago Huver, mestre em direito internacional privado e sócio da Martins Castro. Além disso, será preciso atestar residência fiscal. Ou seja, ter um registro — o número de identificação fiscal (NIF) — junto à Receita Federal portuguesa.

No entender do advogado Marcelo Rubin, sócio da consultoria Clube do Passaporte, as exigências do governo português para quem trabalha de forma remota são rígidas, mas compreensíveis. “Como toda medida, tem os seus reflexos. De um lado, a mudança na lei para os nômades digitais vai atrair aqueles que têm renda mais alta, ajudando a impulsionar os preços que já estão altos em Lisboa, por exemplo, como os de moradias, mas, ao mesmo tempo, estimulará a economia do país, o que é bom”, diz.
A meta do país europeu, acredita Rubin, é segurar muitos dos nômades digitais que já passam por Portugal, mas como turistas, que ficam pouco tempo do país. “Com incentivos, inclusive fiscais, é possível que esse pessoal, em grande maioria, da área da tecnologia da informação, acabe por se beneficiar da lei”, acrescenta. Ele, porém, não vê os brasileiros puxando esse movimento de trabalhadores em home office para Portugal. “Há muita gente nessa situação trabalhando para empresas dos Estados Unidos e Israel, que tende a se estabelecer em território luso”, frisa.

Impacto das eleições

Thiago Huver lembra que, com a nova regulamentação, os trabalhadores remotos que obtiverem a pré-autorização de residência em Portugal já receberão os números provisórios de Segurança Social, o correspondente à Previdência Social do Brasil, e do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Com essa medida, fica mais fácil dar andamento às questões burocráticas para a emissão de documentos básicos para o imigrante viver em Portugal. Por isso, acreditamos que o acordo de mobilidade (que facilitou as regras para trabalhadores estrangeiros) traz um impulso significativo para os profissionais que desejam viver com segurança e mobilidade internacional livre”, ressalta.

Renato Martins, CEO da Martins Castro, mestre em direito e pesquisador em mobilidade internacional, acrescenta: “Os vistos para trabalho remoto — e mesmo para aqueles que recorrerem à opção de ficar em Portugal por até 180 à procura de emprego — representam uma segurança para todos que desejam internacionalizar suas carreiras com foco no mercado português”. Na avaliação dele, assim que tiver um contrato formal, “o cidadão terá direito a uma rede de proteção social e trabalhista do Estado, mesmas regras vigentes para os portugueses”. Outra vantagem: de Portugal, os trabalhadores podem se movimentar livremente por todos os países que integram a União Europeia.

Adriana Schneider, da Humanare, acredita que, além das vantagens de se morar em Portugal, que é a porta de entrada de brasileiros para a Europa, a questão política no Brasil deve contribuir para que os nômades digitais, incluindo empresários, aproveitem as novas regras para trabalhadores estrangeiros. “As facilidades trazidas pelas leis portuguesas são uma oportunidade para construir uma nova carreira”, destaca. Há, ainda, a vantagem da língua, que torna a imigração menos problemática. “Para quem tiver condições, pode ser uma boa opção”, acredita.

Formada em relações internacionais, a potiguar Cristianne Marinho, 41 anos, reconhece que as dificuldades enfrentadas pelo Brasil nos próximos quatro anos, independentemente de quem venha a ser o presidente da República, têm pesado bastante na decisão dela e do marido, que é advogado, de se mudarem para Portugal, ela como nômade digital. Atualmente, Cristianne trabalha como analista de comércio exterior e faz todo o serviço de casa. “Um amigo de meu marido, que também é advogado, sempre nos incentivou a nos mudarmos para o país europeu. Mas tudo ficava na conversa. Agora, com as eleições e a nova lei de Portugal, estamos pensando seriamente no assunto”, conta.

Com dois filhos pequenos, um de dois e outro de sete anos, Cristianne acredita que as terras lusitanas podem ser um bom lugar para criar as crianças, por ser segura e ter um bom sistema público educacional, e para que ela desenvolva uma carreira internacional. “Para quem vive em Natal, onde a violência é grande, segurança é tudo. Então estamos avaliando todas as possibilidades. Tenho certeza de que será uma ótima oportunidade”, destaca.

Segurança e burocracia

A fim de facilitar a vida dos cidadãos estrangeiros que queiram viver e trabalhar em Portugal, o governo daquele país derrubou uma série de barreiras, inclusive para estudantes. Em vez de o processo de obtenção do visto de permanência no país europeu começar no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um órgão extremante burocrático e ineficiente, tudo poderá ser feito nos consulados portugueses instalados nos países dos interessados. No Brasil, são 39 representações espalhadas por várias regiões. A determinação é dar celeridade aos pedidos.

É importante ressaltar, porém, que, vencido o prazo de permanência em território português, aqueles que desejarem permanecer por lá terão, obrigatoriamente, de recorrer ao SEF. Atualmente, há mais de 200 mil pedidos pendentes de manifestação de interesse em continuar no país, segundo o ministro da Administração Interna de Portugal, José Luís Carneiro. Ele ressalta que o governo vem lançando mão de ações para agilizar o trabalho do SEF, mas reconhece que há limitações por questões de segurança, que devem seguir as determinações da União Europeia. Os brasileiros representam mais de um terço dessas manifestações.

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