Estados Unidos

EUA vão às urnas nas eleições de meio mandato; entenda o que está em jogo

Milhões de norte-americanos vão às urnas para renovar as 435 cadeiras da Câmara e 35 dos 100 assentos do Senado. Democratas devem perder o controle de pelo menos uma das Casas do Legislativo. Biden e Trump tentam conquistar votos

De um lado, o presidente democrata Joe Biden, que aposta na figura carismática de Barack Obama para assegurar uma sobrevida política pelos próximos dois anos. De outro lado, o Partido Republicano, que se sustenta na imagem de Donald Trump, antecessor de Biden, para animar o eleitorado, dificultar a governabilidade de Biden e preparar terreno para o retorno do magnata à Casa Branca, em 2024. Com gastos estimados em US$ 16 bilhões (cerca de R$ 82,5 bilhões), as eleições de meio de mandato mais caras da história dos Estados Unidos renovarão todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes e 35 dos 100 assentos do Senado. 

Os democratas controlam, hoje, 221 assentos da Câmara dos Representantes, enquanto os republicanos têm 212. No Senado, cada partido controla 50 cadeiras — na prática, os democratas gozam de maioria, porque a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, detém o poder de desempatar as votações. As mais recentes projeções indicam que os governistas perderão 19 assentos na Câmara, o que deverá consolidar o domínio republicano.

A perda da maioria no Senado, também, teria efeito devastador sobre o governo Biden, que ficaria praticamente refém da oposição. Os democratas veem a votação de hoje como "definidora" para a democracia norte-americana. Nas eleições de meio de mandato de 2018, 122 milhões de norte-americanos escolheram os candidatos ao Congresso — nos Estados Unidos, o voto não é compulsório. 

A véspera das eleições foi de ritmo frenético de campanha tanto para Biden quanto para Trump. Ontem, durante recepção virtual no Comitê Nacional Democrata, o presidente dos Estados Unidos tentou demonstrar otimismo. "Mais uma noite para fazermos tudo o que pudermos para ganhar o voto. (...) Estaremos em uma forma incrível. Imaginem o que poderemos fazer em um segundo mandato. Se mantivermos o controle (do Congresso). Sei que parece uma expectativa muito alta, mas acho, de qualquer maneira, que sou otimista", declarou Biden a um grupo de repórteres. "Estamos enfrentando algumas das forças mais sombrias que vimos em nossa história", acrescentou, em alusão ao Partido Republicano. Por sua vez, Trump pretendia anunciar a candidatura à Casa Branca, em 2024, durante o comício de ontem à noite, em Ohio.  

"Biden e Trump concentraram esforços de campanha na véspera das eleições porque consideravam isso fundamental", afirmou, por telefone, o historiador político James Naylor Green, professor da Brown University (em Rhode Island). "O mais provável é a vitória republicana na Câmara e é possível que os democratas mantenham a maioria no Senado. Para os republicanos, um bom desempenho nas eleições de hoje será fundamental para Trump derrotar os democratas, em dois anos. Para Biden, a votação representa a possibilidade de seguir adiante, ou não, em seu programa de governo."

Green aponta três elementos determinantes para as eleições de hoje. "Em primeiro lugar, a mobilização, ou seja, quem mobilizar mais pessoas de sua base. Em segundo lugar, se há uma preocupação em relação a uma ameaça à democracia capaz de fazer com que o eleitorado saia para votar contra os republicanos. Por último, se a nova decisão da Suprema Corte dos EUA contra o direito ao aborto mobilizará muitos eleitores a votar e a beneficiar os democratas", disse.

No mês passado, Biden prometeu que o primeiro projeto de lei que promulgará, caso os democratas mantenham o controle do Congresso, será o direito à interrupção da gravidez no país. Em 24 de junho, a máxima instância do Judiciário norte-americano anulou a sentença "Roe v. Wade", de 1973, e retirou de milhões de mulheres a prerrogativa de escolherem pela interrupção da gravidez.

David Barker, professor de governo da American University (em Washington), descarta relevância de Barack Obama como uma figura capaz de impulsionar votos para Biden. "Ao contrário, o também ex-presidente Donald Trump comanda seguidores parecidos com membros de seitas em alguns segmentos da direita. Muitas pessoas acatarão suas ordens em marcha. Conseguir seu endosso foi algo importante para vários republicanos obterem a indicação enquanto candidatos. Mas não sei o quanto isso afetará amanhã (hoje), mesmo em termos de comparecimento às urnas", afirmou ao Correio. 

Colega de Barker na universidade, o historiador político Allan Lichtman admitiu que Biden e Trump têm muito a apostar nas eleições de hoje. "A maioria dos indicados republicanos para cargos importantes são acólitos de Trump e negadores das eleições, ou, pelo menos, céticos. Se os negadores da votação ganharem cargos de governador e de secretários em estados indecisos, isso poderá influenciar o resultado das eleições presidenciais de 2024", advertiu à reportagem.

Saiba Mais

Agenda

De acordo com Lichtman, qualquer esperança de Biden de avançar em sua agenda dependerá do controle democrata da Câmara dos Representantes e do Senado. "Vejo o Senado como especialmente importante, pois aprova as nomeações presidenciais, incluindo os juízes vitalícios da Suprema Corte. O controle da Câmara dos Representantes encerrará as investigações de 6 de janeiro e, em vez disso, iniciará inquéritos para constranger Biden e outros democratas", previu. Ele não descarta que os deputados republicanos possam inclusive aprovar artigos de impeachment contra Biden ou contra o procurador-geral Merrick Garland. 

Lichtman crê que os republicanos conseguirão recuperar o controle da Câmara em grande parte por causa da manipulação política extrema em estados como Texas e Flórida. "Os democratas têm chance igual de manter o Senado com meia dúzia de disputas estaduais muito acirradas."

Bruce Ackerman — cientista político da Universidade de Yale — entende que Obama tem desempenhado um papel marginal na campanha democrata. "Ele forneceu apoio de última hora e empreendeu esforços sem inspiração para enfatizar o grande perigo para o futuro da democracia representado pelas eleições de amanhã (hoje)", disse ao Correio. "Espera-se amplamente que Trump anuncie sua candidatura presidencial nas próximas duas semanas. A perspectiva de sua campanha demagógica para reconquistar a Casa Branca intimidou muitos líderes conservadores a apoiarem seus ataques racistas aos fundamentos da tradição americana do governo constitucional. Os próximos dois anos serão um período muito turbulento na história da democracia dos EUA."

O lobby de Elon Musk

Elon Musk, o novo proprietário do Twitter, pediu que os norte-americanos votem nos republicanos nas eleições de meio de mandato de hoje. "O poder compartilhado freia os piores excessos de ambos os partidos, por isso recomendo votar em um Congresso republicano, já que a Presidência é democrata", tuitou o bilionário a seus 114 milhões de seguidores. "Democratas ou republicanos incondicionais nunca votam no outro lado. Os eleitores independentes são os que realmente decidem quem está no comando!"

A votação de meio de mandato

O que se elege?

Como acontece a cada dois anos, todos os 435 assentos na Câmara de Representantes dos EUA estão em disputa. No Senado, que tem 100 cadeiras com mandato de seis anos, serão renovadas 35 — que começarão seu mandato em 3 de janeiro de 2023. Os americanos também elegerão os governadores de 36 dos 50 estados da União, bem como uma série de autoridades locais.

O que dizem as pesquisas?

De acordo com as últimas pesquisas, a oposição republicana tem boas chances de conquistar entre 10 e 25 cadeiras na Câmara baixa, mais do que suficiente para arrebatar a maioria. Em contrapartida, as pesquisas são mais variadas sobre o destino do Senado, mas os republicanos parecem ter vantagem também.

Referendo duplo

Embora o nome de Joe Biden não apareça nas cédulas, muitos americanos veem esta eleição como um referendo sobre o presidente. Mas também são um grande teste para o futuro político de Donald Trump, que se jogou de cabeça na campanha, multiplicando comícios por todo o país. Para ambos, de olho nas eleições de 2024, o resultado das "midterms" pode pressagiar uma possível reedição das presidenciais de 2020.

O que está em disputa?

O impacto destas eleições será decisivo em todo o país. Biden pede aos americanos um voto de confiança com maiorias suficientes para contornar as regras do Congresso, que, atualmente, o impedem de legalizar o aborto em todo o país ou de proibir fuzis de assalto. Em quase todos os seus discursos, insiste que o futuro do aborto, das armas de fogo e do sistema de saúde dependerá do resultado dessa votação. Por sua vez, os republicanos prometem liderar uma luta feroz contra a inflação, a imigração, o crime e continuar sua ofensiva contra os atletas transgênero.

Dobradinha pelo voto

O vídeo foi divulgado no Instagram e no Twitter, nos perfis de Barack Obama e de Joe Biden. Com duração de sete segundos, a peça publicitária aposta no carisma para obter votos e impedir um desastre para o Partido Democrata: a perda de controle sobre as duas Casas do Congresso. Nas imagens, o presidente Biden aparece na tela, dizendo: "Um breve lembrete". Logo, em seu lado esquerdo, surge Obama. Ambos gritam: "Votem!". Biden pede aos norte-americanos que visitem o site IWillVote.com para se informarem sobre onde e como votar. 

Eu acho...

Arquivo pessoal - 15/06/2015. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Allan Lichtman, professor de ciência política da American University, em Washington.

"As campanhas de Donald Trump, de Joe Biden e de Barack Obama têm um objetivo: conquistar os eleitores de base. Essas campanhas provavelmente não tentarão mudar a mente de nenhum eleitor. As eleições de meio de mandato dependem, em grande parte, de qual partido conseguiu se sair melhor em convencer os simpatizantes a comparecem às urnas."

Allan Lichtman, historiador político da American University, em Washington

"Se os democratas perderem a Câmara, hoje, os republicanos irão para cima do governo Biden, com uma série de investigações, a fim de enfraquecê-lo. Se Biden perder ambas as Casas, isso abrirá caminho para o retorno de Trump, pois ele não poderá fazer nada para melhorar a economia e será totalmente bloqueado."

James Naylor Green, historiador político da Brown University (em Rhode Island)