Pela primeira vez desde o início da guerra, em 24 de fevereiro passado, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reuniu-se, ontem, com mães e esposas de soldados em combate na Ucrânia. Durante o encontro, ocorrido na antevéspera do Dia das Mães, na residência oficial de Estado de Novo-Ogaryovo, nas imediações de Moscou, o líder do Kremlin assegurou às mulheres que compartilha de sua dor, saudou a "singular tenacidade" dos militares e descartou novas convocações de reservistas. Nas imagens divulgadas pelo Kremlin, Putin e mais de 15 mulheres aparecem em volta de uma mesa oval, diante de pratos com biscoitos, frutas e café.
"Para todas vocês que estão aqui e todas aquelas que perderam seus filhos, é claro que o Dia das Mães está conectado aos pensamentos sobre essa tragédia. Quero que saibam que, para mim, é impossível usar frases formais para expressar minhas condolências. Mas eu gostaria que soubessem que eu e toda a liderança deste país... Nós compartilhamos de sua dor", declarou Putin.
"Entendemos que nada pode substituir a perda de um filho, uma criança, especialmente para as mães, com quem estamos em dívida por nos terem trazido ao mundo e nos alimentado. Eu quero que vocês saibam: nós compartilhamos de sua dor", repetiu o presidente, que prometeu fazer "todo o possível" para que as mães e esposas dos soldados russos não sejam "esquecidas".
Fake news
Putin apelou às mulheres para que não acreditem em "mentiras" propagadas sobre a guerra pela internet ou pela televisão. Nos últimos dias, as tropas russas sofreram uma série de reveses no campo de batalha e viram-se forçadas a abandonar Kherson, cidade no sul da Ucrânia que tinha sido anexada por Moscou depois de um controverso referendo. "Está claro que a vida é mais complicada e diversificada do que a mostrada nas telas de tevê ou mesmo na internet — você não pode confiar em nada, há muitos tipos de falsificações, enganos, mentiras", afirmou. O líder russo também procurou transparecer confiança sobre os resultados do que chamou de "operação especial" na Ucrânia. "Nós devemos alcançar nossas metas e iremos alcançá-las, no final."
Petro Burkovsky — analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv — classificou como "muito cínico" o encontro de Putin com as mães e esposas de soldados russos. "Isso significa que mais militares morrerão por nada. É preciso notar que a organização não-governamental Comitê das Mães de Soldados Russos (CSMR), fundada na década de 1980, durante a guerra do Afeganistão, e muito ativa nos conflitos com a Chechênia não obteve a permissão de estar presente na reunião", lembrou. "Os integrantes dessa ONG até alegaram, publicamente, que Putin recusou-se a recebê-los por estar com medo." O especialista aposta que mais russos fugirão para nações vizinhas e recrutas buscarão se esconder dentro do país, ajudados pelos pais.
Por sua vez, Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, lembrou à reportagem que o próprio Putin decidiu iniciar a invasão de larga escala contra a Ucrânia. "Também foi ele quem anunciou a mobilização em massa de reservistas na Rússia. Então, Putin não pode partilhar a dor dessas mães, pois seus filhos morreram por causa dele", disse.
Suslov colocou em xeque a credibilidade do encontro em Novo-Ogaryovo. "Há muitas coisas estranhas sobre essa reunião. As mães parecem felizes em ver Putin. Em alguns vídeos divulgados, elas sorriem. Nenhuma mãe consciente fica feliz em ver uma pessoa que envia seu filho para a guerra", ironizou. "Outro detalhe que me pareceu estranho foi que Putin sentou-se muito perto dessas mulheres. Poucas horas depois, durante a sessão do Conselho de Segurança Nacional, ele apareceu nas imagens em distância significativa de seus assessores mais próximos."
Para Burkovsky, o otimismo de Putin sobre o fim da guerra esbarra em evidências de dificuldades bélicas na Ucrânia. "Os russos perderam as batalhas por Kiev, Kharkiv e Kherson. A Frota do Mar Negro ficou reduzida e concentrada em portos da Crimeia. Os combates na região do Donbass (leste) trituraram o Exército russo, que sofreu grandes perdas humanas. Além disso, apesar de sofrer ataques contínuos, a infraestrutura crítica se recompõe, com a ajuda do Ocidente e a importação de energia vinda da União Europeia", observou o estudioso.
Isolamento
O desgaste provocado por uma guerra que se arrasta por mais de seis meses começa a custar o apoio de aliados históricos de Moscou. A Rússia enfrenta tensões internas na Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) — aliança militar criada pelo Kremlin para preservar sua área de influência no Cáucaso e na Ásia Central. Durante cúpula da entidade em Yerevan, capital da Armênia, o primeiro-ministro do país, Nikol Pashinyan, criticou a inabilidade de aliados em auxiliarem seu país no conflito com o Azerbaijão. Foi um recado direto aos russos, que se recusam a intervir militarmente na disputa entre os dois vizinhos.
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