Lisboa — Se, no Brasil, os 200 anos da independência do país não despertaram qualquer atenção, em Portugal, as comemorações de data tão marcante continuam a pleno vapor. Quem for aos impressionantes galpões da Cordoaria Nacional — onde eram fabricadas as cordas dos navios que levaram portugueses a descobrirem parte do mundo — poderá conferir mais de duas centenas de obras da coleção Teixeira de Freitas, que permitem uma viagem ao passado e uma reflexão sobre o futuro não só do Brasil, mas de um planeta cada vez mais complexo e desafiador. Entre os artistas presentes, o brasiliense Dalton Paula, cuja criação estampa o cartaz de promoção da coletânea.
A exposição Outras lembranças, outros enredos estará aberta ao público até 18 de dezembro, gratuitamente. Um dos curadores da mostra, Bernardo Mosqueira, diz que o objetivo é estimular a construção de diálogos e pontos de vista para pensar a relação histórica e contemporânea entre Brasil e Portugal. “A minha expectativa é de que os visitantes da exposição estimulem conversas que levem todos a repensar o passado e a imaginar o futuro”, afirma. Para ele, que transita entre Nova York e Rio de Janeiro, o momento é muito oportuno para o mundo ver que o Brasil não se restringe ao que se viu nos últimos quatro anos, durante o governo de Jair Bolsonaro. “É muito maior. E as obras evidenciam a grandeza cultural do país e de suas relações com o globo”, emenda.
A mostra está dividida em cinco leituras transversais da coleção: “Outras lembranças, outros enredos”, Tramas, distâncias, abismos”, RuínaConstrução”, “Estudos sobre liberdade” e “Língua: poesia, metamorfose, apoteose”. Segundo Mosqueira, a partir do marco do bicentenário da independência, é possível analisar aspectos importantes da relação entre Brasil e Portugal e olhar para um planeta mais multifacetado. “Na primeira parte da exposição, falamos sobre o repensar do passado para imaginar novas culturas. Na segunda, pensamos o Atlântico, a partir da ideia de tramas, de distâncias, de abismos”, explica.
Há, ainda, estudos sobre a liberdade. “Isso é importante para pensarmos sobre a ideia de independência, mas também, no caso de Brasil e Portugal, pensar tantas outras relações. A exposição é uma plataforma que pode servir a todas as pessoas que estão refletindo sobre relações de dependência, independência, de colonização e lutas anticoloniais e até mesmo outros aspectos”, detalha o curador. Dono das obras expostas, Luiz Teixeira de Freitas acrescenta: “Independência, para mim, é liberdade. E, nos últimos quatro anos no Brasil, a palavra liberdade foi, de uma certa maneira, sequestrada, utilizada fora do contexto, em conjunto com outras palavras que nos remetem aos tempos mais sombrios da história”.
Enigmas
No total, 150 artistas de todo o mundo fazem parte da exposição. Mosqueira chama a atenção para o brasiliense Dalton Paula, que, na avaliação do curador, cria com as suas pinturas, com seus trabalhos em geral, uma forma de narrar que é sempre embebida de muito mistério. “Tem esse desejo do jogo com a representação, mas nunca entregando tudo. Há sempre códigos, segredos, mistérios, que eu diria enigmas até mesmo na forma de criar a imagem”, detalha.
Ele afirma considerar Dalton um artista importante para tratar tanto de questões relativas à representação e à narrativa, ao mistério, ao insondável, ao inefável e ao inapreensível, ou aquilo que não se conta, quanto para tratar da importância de também contar as histórias que não foram contadas. “Assim, acho que o trabalho do Dalton tem as duas coisas, que é a importância de saber o que não se conta e o que se conta e a importância de contar o que não foi contado. Para uma exposição que está falando sobre lembranças, enredos, passado e futuro, o trabalho dele nos pareceu icônico e central”, complementa.
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