O que faria uma mulher matar sua amiga, decapitá-la, colocar o corpo em uma mala, guardar o mesmo por duas semanas e depois descartá-lo em uma floresta a 320 quilômetros de distância?
Para Jemma Mitchell, de 38 anos, a resposta era simples.
Ganância.
"Mitchell é uma assassina implacável. A motivação foi dinheiro. Os fatos por si só deste caso são chocantes", disse o detetive-chefe Jim Eastwood, da Polícia Metropolitana de Londres, no Reino Unido.
Esta é a história de uma amizade que começou dentro da congregação de uma igreja cristã e terminou com uma mulher morta e a outra condenada à prisão perpétua.
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O caso veio à tona quando uma tarde de verão, em uma cidade litorânea do Reino Unido, tomou um rumo inesperadamente macabro. Uma família de turistas se deparou com um corpo decapitado.
Mee Kuen Chong, nascida na Malásia, também conhecida como Deborah, estava desaparecida há 16 dias.
Seu corpo decapitado foi encontrado em uma floresta de Salcombe, em Devon, a 320 quilômetros de sua casa no noroeste de Londres.
A cabeça dela foi encontrada alguns dias depois nas proximidades.
Um ano depois, um julgamento por assassinato no Tribunal Central Criminal, conhecido como Old Bailey, em Londres, revelou detalhes terríveis.
A advogada Deanna Heer KC descreveu a acusação para os presentes na sala 12 do tribunal.
Ela foi direto ao ponto: "Jemma Mitchell atacou e matou a falecida e depois transportou seu corpo para Salcombe em uma mala azul grande, onde ela tentou se livrar dele".
Nas duas semanas de audiência que se seguiram, Mitchell ouviu tudo atrás da divisória de vidro do recinto destinado aos réus, e a família de Chong assistiu por meio de um link de vídeo da Malásia.
Heer KC disse ao júri que a acusação não era obrigada a provar um motivo, "mas neste caso, o motivo era claro —dinheiro".
Mitchell é de origem abastada, frequentou escolas particulares e sua mãe trabalhava no Ministério das Relações Exteriores.
Ela é dona de uma propriedade na Austrália, onde nasceu, e a casa da família em Londres fica em uma região onde os imóveis raramente são vendidos por menos de 1 milhão de libras (R$ 6 milhões).
Mensagens de texto de Chong mostram que ela acreditava que a casa de Mitchell valia 4 milhões de libras (R$ 24 milhões).
Esse imóvel, no entanto, estava precisando de uma reforma. Os cômodos estavam entulhados de coisas, e era impossível entrar em alguns deles, disse Heer KC ao júri.
"Havia caixas e malas, freezers cheios de comida, colchões velhos e materiais de construção por toda parte. A cozinha estava suja, com comida podre no fogão e bagunçada, com papel cobrindo as superfícies", acrescentou.
"O banheiro tinha manchas e estava em péssimo estado de conservação. O segundo andar do imóvel estava em reforma com as paredes e o teto inacabados."
No julgamento, foi dito que Chong havia oferecido 200 mil (R$ 1,2 milhão) a Mitchell para ajudar a reformar sua casa, mas desistiu da oferta. Pouco depois, ela desapareceu.
Ambas as mulheres se consideravam cristãs convictas, e se conheceram por meio da igreja por volta de agosto de 2020.
Mitchell usava uma plataforma de namoro online chamada Christian Connection, e Chong era ativa online, postando mensagens evangélicas.
Não se sabe o que atraiu uma em relação à outra, mas Chong era uma mulher vulnerável com problemas de saúde mental; e Mitchell, que se formou em osteopatia, ofereceu seus conselhos de saúde e cura espiritual.
Chong era conhecida por ser generosa, fazendo amizade com sem-tetos e abrindo suas portas para aqueles que passavam necessidade.
Tudo indicava que as duas pareciam ter uma boa relação. Até que o corpo de Chong foi encontrado, e os detetives começaram a analisar imagens das câmeras dos circuitos de segurança.
Depois disso, tudo começou a ficar claro.
O detetive Eastwood disse que havia "uma quantidade significativa de evidências" que apontavam para Mitchell.
"As câmeras do circuito de segurança rastrearam Mitchell indo e voltando da região onde ficava o endereço de Deborah no dia em que ela desapareceu. Também há imagens que mostram Mitchell quando ela foi para Devon e voltou", disse o policial.
"Conseguimos recuperar a mala azul com rodinhas que sustentamos que ela usou para transportar o corpo de Deborah de Chaplin Road até seu próprio endereço em Brondesbury Park, e de lá para Devon."
Mitchell também reativou o número de telefone de uma vizinha que havia morrido e levou com ela.
"Conseguimos provar que ela deixou o próprio celular em casa enquanto usava o telefone da vizinha falecida a caminho e na volta de Devon", disse Eastwood.
Quando os policiais revistaram o endereço de Mitchell, encontraram o motivo do crime.
"Encontramos testamentos, que fomos capazes de provar que foram criados e assinados de forma fraudulenta com o objetivo de fazer uma reivindicação significativa sobre a propriedade de Deborah", afirmou Eastwood.
"Estavam ao lado de documentos pessoais e financeiros que Mitchell pegou do endereço de Deborah no dia 11 de junho."
A promotoria disse ao júri que Mitchell "tinha a intenção de usá-los para seu próprio ganho pessoal".
Eastwood descreveu o planejamento friamente calculado do crime como "horrível".
Grande parte do foco do julgamento estava na mala azul que Mitchell foi vista arrastando pelas ruas da capital.
A promotoria disse que ela havia levado a mala para a casa de Chong com a intenção de matá-la e colocar seu corpo lá dentro.
O júri foi informado que quando Mitchell deixou a casa de Chong, a mala parecia "muito mais pesada e mais difícil de manobrar".
Duas semanas depois, usando um nome falso e tendo reativado o número de telefone da vizinha falecida, ela alugou um carro, colocou a mala dentro e dirigiu até Devon.
Esta viagem, disse a promotoria, foi feita para se livrar do corpo de Chong.
"Quando você leva em conta a maneira calculada como Mitchell planejou este assassinato, desde reativar o celular de uma vizinha falecida antes do assassinato para que pudesse usá-lo enquanto transportava os restos mortais da vítima para Devon, até levar a mala com rodinhas para a casa de Deborah sabendo que a usaria para levar o corpo para longe do endereço depois de matá-la. Foi um ato verdadeiramente maligno", afirmou Eastwood.
Entre a morte de Chong e a viagem a Salcombe, Mitchell mostrou ainda mais clareza de raciocínio ao ir a um encontro no zoológico de Londres com uma pessoa que ela havia conhecido online.
Mas o cálculo e o planejamento só levaram Mitchell até certo ponto. Nem mesmo ela poderia prever uma roda quebrada ou um pneu furado.
O mecânico de beira de estrada enviado para trocar a roda do carro notou que Mitchell estava agindo de forma estranha. Também reparou um "cheiro esquisito" vindo do veículo e achou estranho que Mitchell insistisse em colocar a roda quebrada no banco de trás, em vez de no porta-malas.
Mitchell se recusou a depor durante o julgamento. Desde sua prisão em 6 de julho de 2021, ela permanece em silêncio sobre o que aconteceu.
O tribunal foi informado que Mitchell se formou na Universidade King's College London, no Reino Unido, obtendo um diploma em Ciências Humanas, que incluía um curso de anatomia experimental.
Ela tinha conhecimento para desmembrar um corpo. Tinha as habilidades para remover a cabeça, embora não esteja claro por que ela fez isso.
Ela também trabalhou como osteopata na Austrália por sete anos antes de voltar ao Reino Unido em 2015, onde morava com a mãe e a irmã, com quem tinha um relacionamento conturbado.
Mitchell é a única pessoa que sabe exatamente o que aconteceu na Chaplin Road, na casa de Chong, naquele dia terrível de junho de 2021.
"Só podemos especular sobre o que Mitchell fez e qual era seu plano mais amplo", diz Eastwood.
"É quase certo que Mitchell decapitou Deborah durante esse período."
"Quando o corpo foi encontrado, o estado de decomposição era tão avançado que Mitchell pode ter começado a temer que o corpo de Deborah seria descoberto — se isso a forçou a mover o corpo e por que ela escolheu Salcombe, em Devon, talvez nunca saibamos."
"No entanto, o que está claro é que Mitchell — vendo desaparecer sua chance de obter o dinheiro que tanto desejava — decidiu atacar e matar uma senhora vulnerável para seu próprio ganho em um crime verdadeiramente desprezível".
Mitchell foi condenada à prisão perpétua nesta sexta-feira (28/10), com uma pena mínima de 34 anos, pelo assassinato de Chong, que ela nega.