A três dias do segundo turno das eleições presidenciais, a comunidade internacional acompanha com atenção o cenário político no Brasil. Durante a tradicional audiência-geral das quartas-feiras, na Praça de São Pedro, o papa Francisco abordou o tema indiretamente, ao comentar a beatificação da menina cearense Benigna Cardoso da Silva, morta aos 13 anos durante tentativa de estupro, em 1941. "Peço à Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência", afirmou o líder católico.
A declaração do pontífice argentino ocorre em meio a denúncias de agressões contra padres, registradas em vídeos, e duas semanas depois de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro vaiarem o arcebispo de Aparecida (SP). Em nota publicada na segunda-feira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil manifestou "sua solidariedade às pessoas diretamente atingidas por ofensas verbais e outras formas de agressão". No mesmo dia, um grupo de bispos brasileiros tornou pública uma carta na qual alerta que a sociedade precisa decidir, "de maneira consciente e serena", sobre dois projetos de Brasil, "um democrático e outro autoritário".
Desde o primeiro turno, em 2 de outubro, os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro receberam o respaldo de lideranças políticas dos EUA e da Europa. O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, enviou um vídeo a Lula. "No próximo dia 30 de outubro, o Brasil escolhe seu futuro. Quero transmitir todo o meu apoio ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva nesta eleição tão decisiva para o futuro de uma terra tão ligada à Espanha", disse. Segundo Sánchez, Lula é uma voz contra os que pregam o ódio e o negacionismo climático. "O Brasil merece essa perspectiva de progresso, o Brasil merece Lula." O premiê espanhol sublinhou que o triunfo de Lula será dos progressistas de todo o mundo.
Na terça-feira, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, publicou nas redes sociais vídeo em que se diz amigo do Brasil e que tem saudades das relações de proximidade entre os dois países. "O Brasil e o mundo precisam de Lula da Silva. Lula, conte comigo", disse. O prefeito de Roma, Roberto Gualtieri, também cerrou fileiras com o petista.
Por sua vez, a campanha de Bolsonaro apostou suas fichas em um vídeo do ex-presidente norte-americano Donald Trump e em declarações do premiê da Hungria, Viktor Orbán, duas figuras cultuadas pela extrema-direita. Em seu vídeo, o magnata republicano qualificou Bolsonaro como "um líder fantástico" e "um dos maiores presidentes do mundo". Trump defendeu que o brasileiro fez "um trabalho absolutamente incrível na economia" e disse apoiá-lo "fortemente". Orbán também elogiou o desempenho de Bolsonaro na economia e na redução da criminalidade.
Os Estados Unidos acompanham com preocupação o processo eleitoral no Brasil. O senador Bernie Sanders avisou, antes do primeiro turno, que "o mundo está de olho" e instou as partes a respeitarem os resultados. Em 29 de setembro, o Senado norte-americano aprovou uma resolução impulsionada pelo próprio Sanders, da ala esquerda do Partido Democrata, em defesa da democracia no Brasil. O texto, de caráter não-vinculante, sugere que as relações entre as duas nações, historicamente aliadas, podem ser afetadas em caso de agressão à democracia ou de golpe militar.
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Preocupação
Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP, admitiu que as eleições de domingo despertam grande preocupação internacional. "Tanto Lula quanto Bolsonaro têm apoiadores externos, que veem a mudança ou a continuidade como parte de seus interesses. Enquanto Bolsonaro atrai a atenção dos governos de extrema-direita da Europa, Lula capitaliza o foco dos governos de centro-esquerda da Europa e dos EUA", disse ao Correio. "Mas a principal inquietação é o quanto essa eleição fragiliza a democracia no Brasil, depois de todo o processo de questionamento sobre as urnas eletrônicas, e o receio de Bolsonaro testar os resultados, em caso de derrota. Isso causaria instabilidade no momento em que o mundo enfrenta outros problemas."
Ainda segundo Holzhacker, os países de centro-esquerda capitalizam o interesse na discussão sobre o tratamento da Amazônia e do meio ambiente, e sobre uma possível mudança de política. "Outra grande questão é sobre o papel do Brasil na disputa entre os EUA e a Europa contra a China e a Rússia. O resultado da votação de domingo também pode significar uma alteração da postura brasileira, e isso é acompanhado pelas demais nações."
Presidente emérito do think tank Diálogo Interamericano (em Washington) e ex-professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Columbia, Peter Hakim aponta que os desafios para a governança, a economia, a educação e a saúde amplificam a importância das eleições de domingo para o Brasil. "Há pouca dúvida em minha mente de que Luiz Inácio Lula da Silva terá um governo mais competente e mais humano, capaz de levar a melhores resultados em quase todas as questões domésticas. Certamente, ele será mais gentil com a população brasileira, especialmente os menos favorecidos, com o meio ambiente e com o crescimento econômico, a estabilidade e a igualdade. O governo de Lula também será mais democrático e menos dependente dos militares", explicou ao Correio.
Apesar de considerar Lula menos enérgico do que uma década atrás, Hakim aposta que o petista sustentará uma política externa bem vista em grande parte do mundo. "Espero que o Brasil desfrute, quase que imediatamente, de melhores relações com os Estados Unidos, a China, a União Europeia e com a maioria das instituições internacionais, como a ONU, o G-20, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial", afirmou, ao considerar a eleição de Lula. Ele vê um cenário mais favorável para o Brasil, em caso de vitória de Bolsonaro: o retorno do ex-presidente Donald Trump à Casa Branca, em 2026. "Trump e Bolsonaro eram camaradas que prometeram 'ficar juntos'. No entanto, o acordo comercial com os EUA foi amplamente conhecido como o 'miniacordo'", acrescentou Hakim.
O estudioso norte-americano admite que, durante os dois mandatos, Lula mostrou-se um líder eficiente e competente, ainda que tenha cometido erros, ao não combater mais intensamente a corrupção. "Mas ele é, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, um dos mais destacados presidentes democráticos da América Latina em meio século ou mais. Bolsonaro não tem nenhuma dessas qualidades. Faltam-lhe empatia, capacidade real de liderança e compromisso com a democracia. Ele pode ter algum carisma, mas representa grande perigo para o Brasil."