Aos 42 anos, o ex-ministro das Finanças Rishi Sunak se tornará, hoje, o mais jovem premiê do Reino Unido em dois séculos. Também será o único chefe de governo vindo de uma minoria étnica. O bilionário hindu, neto de indianos, foi eleito líder do Partido Conservador, depois que Penny Mordaunt — ministra de Comércio Internacional — não conseguiu o apoio de 100 parlamentares e abandonou a disputa, ao firmar apoio irrestrito a Sunak. O ex-primeiro-ministro Boris Johnson também tinha desistido da corrida ao poder. Em discurso a portas fechadas, Sunak instou o partido a se unir ou a morrer.
Pouco depois, fez um breve pronunciamento público aos britânicos, em rede nacional de televisão. "O Reino Unido é um grande país, mas não há dúvidas de que enfrentamos profundos desafios econômicos. Precisamos agora de estabilidade e de unidade. (...) Nós superaremos os desafios e construiremos um futuro melhor e mais próspero para nossos filhos e netos", declarou. "Prometo servir a vocês com integridade e com humildade, e trabalhar todos os dias em prol do povo britânico."
Sunak substituirá Liz Truss, que renunciou na última quinta-feira, pressionada pela rejeição a um plano econômico ultraliberal. Às 9h de hoje (5h em Brasília), Truss fará sua última reunião de gabinete e formalizará sua demissão ao rei Charles III, antes de proferir um discurso de despedida. O monarca receberá Sunak e o convidará a formar um governo. Antes de entrar em 10 Downing Street, a residência oficial dos premiês, o novo líder falará à nação, às 11h35 (7h35 em Brasília).
O opositor Partido Trabalhista tornou a desqualificar o processo de escolha do sucessor de Truss. A vice-líder Angela Rayner declarou que Sunak não tem "mandato" para exercer o cargo de primeiro-ministro e renovou os pedidos para a realização de eleições gerais — o apelo tinha sido feito depois da renúncia de Truss.
Professora do curso de Relações Internacionais da ESPM e doutora em relações internacionais pela London School Economics (LSE), Carolina Pavese admitiu ao Correio que Sunak é reconhecidamente um "grande articulador político" e alguém com uma boa capacidade de comunicação. "Ele veio do mercado financeiro. Trabalhou por muito tempo na Goldman Sachs e, por isso, tem como maior qualidade a habilidade de dialogar e de falar a linguagem do mercado, principalmente do setor financeiro", explicou.
Segundo Pavese, isso credita Sunak a receber um voto de confiança para tomar medidas econômicas eficazes para tirar o Reino Unido da crise. Ela cita o excesso de vaidade como um risco ao seu governo. "Sunak é um grande estrategista político, mas também pessoal. Acho que nem ele imaginava que, um mês e meio depois de ter que aplaudir a nomeação de Liz Truss, tivesse a chance de chegar ao cargo que sempre almejou sem enfrentar um processo de disputa com outros candidatos. Isso deve lhe afagar ainda mais o ego", disse.
Pavese antecipa que as atenções dos britânicos e do mundo se focarão no pacote econômico preparado por Sunak. "Ele havia anunciado que era a favor dos cortes de impostos, mas desde que seguissem o controle da inflação. É possível que ele se preocupe mais com as contas do governo", observou, ao citar um provável pragmatismo na economia e no comércio internacional.
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Desespero
Anthony Glees, professor da Universidade de Buckingham, avalia que a escolha por Sunak surgiu do desespero. "O contexto é de extrema fragilidade econômica e profunda instabilidade política. Não creio que, em tempos normais, ele seria um candidato credível a primeiro-ministro, por ser muito jovem e não ter boa experiência ministerial. Além disso, jamais liderou o Partido Conservador", afirmou ao Correio. No entanto, o especialista sustenta que Sunak estava certo ao alertar sobre os perigos da política econômica de Truss — focada em contrair empréstimo para financiar cortes de impostos — e ao rejeitá-la como um plano de crescimento.
O discurso proferido ontem à noite pelo novo primeiro-ministro preocupa Glees. "Soou robótico e impessoal. Durou poucos segundos. Desde a renúncia de Truss, na quinta-feira, Sunak se mantinha calado", disse Glees. Se falar pouco e agir muito, talvez consiga cumprir com a missão que terá pela frente. "Ele deverá restaurar a disciplina fiscal, e não pegar empréstimo que não seja compatível com a capacidade de quitação. Terá que aumentar os impostos e reforçar a austeridade. Sunak precisará renegociar o acordo do Brexit (divórcio entre Reino Unido e Europa). As exportações para a UE despencaram 17 pontos percentuais. Em 2020, o Reino Unido tinha 90% do Produto Interno Bruto (PIB) per capita que a Alemanha tinha. Agora, caiu para 70%", acrescentou Glees.