Confirmado para o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), o que abre caminho para um terceiro mandato, o presidente da República Popular da China anunciou ontem os outros seis nomes do Comitê Permanente do Politburo. Xi Jingping, 69 anos, cercou-se de homens fiéis a ele, quebrando um costume anterior, de se elegerem integrantes de diferentes facções do PCC. Pela primeira vez em 25 anos, nenhuma mulher faz parte do quadro, que inclui quatro novatos no órgão político mais poderoso do país. Todos, porém, são experientes líderes da legenda.
A escolha do Comitê Permanente não surpreendeu, embora um dos novos integrantes, Cai Qi, 66 anos, fosse um nome pouco cotado. Cai passou muitos anos na província de Fujian, mudou-se para Zhejiang e, mais recentemente, supervisionou os Jogos Olímpicos de Inverno. A ascensão dele na hierarquia do Politburo foi mais rápida do que o habitual, chamando a atenção para a indicação.
O segundo homem na hierarquia é Li Qiang, secretário do partido em Xangai, e que deve ser nomeado primeiro-ministro em março, quando Li Keqiang deixa o cargo. Li é considerado um dos líderes mais leais a Xi Jingping, o que pode justificar a escolha, apesar das críticas ao caos provocado pelo bloqueio prolongado por causa da covid-19 na maior cidade chinesa.
Concentração de poder
A reeleição de Xi como secretário-geral do Partido Comunista, o cargo mais importante em termos de poder político na China, praticamente confirma o nome do líder para um novo mandato presidencial de cinco anos, a partir de março de 2023. Isto representa uma ruptura porque, desde o fim do regime de Mao Tsé Tung (1949-1976), a transição de governo na China estava institucionalizada: o presidente só poderia permanecer por dois mandatos, com uma duração máxima de 10 anos.
Em 2018, Xi Jinping conseguiu modificar a Constituição e suprimiu as restrições. Aos 69 anos, ele pode, em tese, presidir a República Popular da China até o fim de sua vida. "A reeleição de Xi Jinping é resultado de uma extrema concentração de seu poder pessoal", declarou à agência France Presse um cientista político chinês que pediu anonimato. "E não há nenhuma dúvida de que Xi deseja permanecer no poder pelo resto da vida.".
Segundo o analista, a decisão "é catastrófica para a China" e prejudica o PCC porque antecipa "o declínio e a estagnação" da segunda maior economia mundial. "O partido e o país correm o risco de se tornar uma 'câmara de uma voz' onde apenas uma voz será ouvida. O líder supremo abandonou quase totalmente as reformas institucionais iniciadas por Deng Xiaoping e amplamente seguidas pelos ex-presidentes Jiang Zemin e Hu Jintao", disse, ao jornal britânico The Guardian Willy Lam, membro sênior da Jamestown Foundation, um think tank com sede em Washington. Para ele, o 20º Congresso do Partido Comunista mostrou que "o culto à personalidade em torno de Xi se exacerbará".
No início do terceiro mandato do líder chinês, todos os olhares estão voltados para a economia do gigante asiático. Após décadas de crescimento expressivo, o país enfrenta atualmente uma grave desaceleração, acentuada por uma política inflexível de "covid zero", que gera muitos confinamentos.
Embora nos últimos anos Xi Jinping tenha priorizado o consumo e a demanda interna, a manutenção das restrições sanitárias dificulta a estratégia. Na semana passada, em um gesto incomum, a China adiou, sem apresentar explicações, a divulgação dos resultados trimestrais de crescimento. "Com a magnitude das restrições, é pouco provável que o consumo recupere o nível anterior à covid", opina o economista Dan Wang, do banco chinês Hang Seng.
Os setores do turismo, transportes e restaurantes foram muito afetados. A conjuntura também atingiu o outrora lucrativo ramo imobiliário que, junto com a construção, representa 25% do Produto Interno Bruto da China. Várias empresas lutam, atualmente, para sobreviver.
Após o encerramento do congresso do PCC, falando a jornalistas chineses e estrangeiros, Xi afirmou que a economia chinesa é resiliente. "A China não pode se desenvolver isolada do mundo. O desenvolvimento do mundo também precisa da China", afirmou.
Tensões
As dificuldades econômicas são registradas no momento em que as relações entre a China e as potências ocidentais são cada vez mais tensas. As divergências são numerosas: controle autoritário em Hong Kong, repressão da minoria uigur em Xinjiang (noroeste), guerra na Ucrânia, rivalidade tecnológica com Estados Unidos, entre outros. "O mundo passa por mudanças inéditas em um século", reconheceu Xi Jinping na abertura do congresso do Partido Comunista.
Em um cenário como esse, a segurança nacional aparece como prioridade, destacam analistas. Pela primeira vez, o partido incluiu em seus estatutos uma menção à "firme oposição" à independência de Taiwan. Pequim considera a ilha de 23 milhões de habitantes parte de seu território, embora Taiwan tenha um governo democrático próprio há mais de 70 anos.
As tensões a respeito da ilha aumentaram com Washington, após a visita em agosto da presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi. Pequim considerou a viagem uma afronta à sua soberania e organizou pouco depois os maiores exercícios militares de sua história ao redor de Taiwan. "A reeleição de Xi Jinping pode constituir um elemento (...) que aumente o risco de um conflito armado", opina Dan Macklin, analista que mora em Xangai.