As primeiras notícias davam conta que as forças ucranianas haviam cercado 5 mil soldados russos na cidade de Lyman, em Donetsk — região ao leste do país anexada por Vladimir Putin na véspera. "Hasteamos nossa bandeira nacional e a colocamos em nosso território. Lyman sempre fará parte da Ucrânia", afirmou, em um vídeo, um dos militares de Kiev. Quase no mesmo instante, as forças de Moscou abandonavam a localidade. "Ameaçadas com o cerco, as tropas aliadas se retiraram de Lyman para linhas mais favoráveis", afirmou o ministério da Defesa da Rússia, por meio de um comunicado.
Ante mais uma vitória no front, o líder checheno, Ramzan Kadyrov, aliado do Kremlin, pediu a Putin que lance mão do arsenal atômico. "Na minha opinião, deveríamos tomar medidas mais drásticas, como a declaração da lei marcial na fronteira e o uso de armas nucleares de baixa potência", declarou, em comunicado enviado por meio do aplicativo Telegram. "Não há necesside de tomar toda decisão com a comunidade ocidental em mente."
Em entrevista ao Correio, Peter Zalmayev — diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — avaliou a situação como bastante irônica. "Na sexta-feira, Putin tinha anunciado a anexação de 17% do território ucraniano. A parte anexada tem sido disputada pelos ucranianos. Lyman é um importante centro por vários motivos. Ele permite abrir as portas para o resto da região de Luhansk", afirmou.
Zalmayev disse que soube, por meio de fontes em Lyman, que uma grande quantidade de armas e de foguetes foi apreendida pelos ucranianos. "A tomada de Lyman é sinal de que Putin não confia em seus generais, os quais se mostraram incapazes. Soubemos que Putin tem tomado decisões táticas sobre os combates na Ucrânia; daí o resultado."
Fragilidade
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran considera curioso o fato de a Rússia não possuir o controle total de Donetsk e, mesmo assim, ter anexado o território, além de Luhansk (também no leste) e de Zaporizhzhia e Kherson (ambas no sudeste). "Centros administrativos de Donetsk, como Kramatorsk, Sloviansk, Kostiantynivka e Druzhkivka, estão sob domínio da Ucrânia. Agora, os ucranianos liberaram Lyman. Todas as ideias sobre um referendo falso e sobre as anexações são símbolos da fragilidade russa", admitiu à reportagem.
Haran não esconde a preocupação com o anúncio da prisão de Ihor Murashov, diretor da usina nuclear de Zaporizhzhia, pelas forças russas. "Não se sabe onde ele estaria agora. É mais um comportamento inacreditável da Rússia em relação a objetivos nucleares. Isso cria um grande perigo para a Europa e para o mundo. Zaporizhzhia é a maior central atômica do continente."
Especialista em armas de destruição em massa do Instituto para Pesquisas de Desarmamento das Nações Unidas (Unidir, pela sigla em inglês), Pavel Podvig lembrou ao Correio que o líder checheno Ramzan Kadyrov não foi a primeira pessoa a propor o uso de armas nucleares. "Analistas e jornalistas russos chegaram a pedir ataques desse tipo. É preciso ter em mente que armas nucleares têm impacto com baixo valor militar. A ideia de que seriam uma varinha mágica, que resolveria problemas, é errada. Esse arsenal não é útil no campo de batalha", explicou ao Correio, por telefone, de Genebra.
No front, a Ucrânia acusou as forças russas de matarem a tiros 24 civis, entre eles 13 crianças e uma gestante, durante emboscada em um comboio perto de Kupiansk, cidade reconquistada pela Ucrânia. "Os russos atiraram contra civis à queima-roupa", denunciou o governador regional de Kharkiv, Oleg Synegubov.
Brasil
O Brasil se absteve em votação no Conselho de Segurança da ONU de resolução condenando a anexação pela Rússia. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o Twitter para comentar o fato: "A única posição que interessa ao Brasil na questão da Ucrânia e Rússia é a paz".