Com 235 votos a favor, 154 contra e cinco abstenções, o novo governo comandado por Giorgia Meloni obteve o voto de confiança da Câmara dos Deputados e, hoje, se submete ao Senado. Em discurso de 70 minutos na Câmara, a primeira mulher a exercer o cargo de premiê na história da Itália tentou se distanciar ao máximo do fascismo — apesar da admiração por Benito Mussolini na juventude. "Apesar do que foi argumentado instrumentalmente, nunca senti simpatia ou proximidade com regimes antidemocráticos. Com nenhum regime, inclusive o fascismo", declarou.
A primeira-ministra também tratou de acalmar temores dos vizinhos aliados de que o país poderia abandonar a União Europeia (UE). "A Itália é parte plena da Europa e do mundo ocidental. (...) Não vamos frear ou sabotar a UE, e sim torná-la mais eficaz para responder às crises", acrescentou. Ela assegurou que a Itália se manterá como um "sócio confiável para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)" e continuará com "o apoio à Ucrânia e sua oposição à agressão russa".
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Maurizio Cotta, cientista político da Università Degli Studi Di Siena, explicou à reportagem que a nação voltou a ter um governo de coalizão, dessa vez dominada pelo ultraconservador Irmãos da Itália, de Meloni. "Mais importante do que isso é o fato de que Meloni detém forte controle e domínio do partido. Ela é uma das cofundadoras da legenda e chega ao poder depois de uma campanha eleitoral bem-sucedida. Os dois outros partidos da coalizão, a Força Itália (de Silvio Berlusconi) e A Liga (de Matteo Salvini), não estão satisfeitos pela posição de menor dominância e, por isso, podem causar problemas", observou.
Cotta advertiu que a direita não possui forte tradição de governo na Itália. "Meloni e seu Irmãos da Itália são alçados ao poder no momento de desafios externos, como a guerra na Ucrânia, e transformações na UE que deixam pouco espaço para as ideias conservadoras", afirmou. No entanto, ele considera Meloni como uma política inteligente e resistente e acredita que ela precisará cooperar com a União Europeia. "Não espero ver algo como Viktor Orbán (primeiro-ministro da Hungria) neste governo. Apesar de não descartar que escutaremos frases estúpidas sobre como Benito Mussolini era bom", ironizou.
"O que realmente importa é que este será o primeiro governo liderado pela direita (não simplesmente pela centro-direita) na história da Itália republicana", disse à reportagem Marco Tarchi, professor de ciência política da Universidade de Florença e autor de livros sobre fascismo e pós-fascismo.
"Meloni também rompe com um tabu que durava desde 1945, quando a direita foi marginalizada no sistema político italiano, por ter sido acusada de favorecer o advento do fascismo e de ter colaborado com o regime de Mussolini", acrescentou. Segundo Tarchi, desde 1995, quando o neofascista Movimento Social Italiano se transformou em Aliança Nacional, a nostalgia pelo fascismo nunca mais foi reivindicada pela direita.
Por sua vez, Luigi Di Gregorio, professor de comunicação política da Università della Tuscia, afirmou ao Correio que a própria Meloni admitiu que admirava Mussolini 26 anos atrás, quando tinha apenas 19. "A direita pós-fascista fez um longo trabalho de reposicionamento ideológico. O problema do retorno do fascismo não existe. A ideia de Meloni é criar uma facção alinhada ao Partido Republicano, dos Estados Unidos, ou ao Partido Conservador britânico", comentou. Di Gregorio avaliou que a premiê defende uma ideia de democracia anglo-saxônica, que tende a ser bipartidária, com conservadores de um lado e progressistas do outro. "Não há perigo de torção autoritária ou nostalgia fascista."
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