Com o apoio do Brasil, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, ontem, por ampla maioria, uma resolução condenando "a anexação ilegal" pela Rússia de quatro regiões da Ucrânia — Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Luhansk. O resultado representa uma substancial derrota diplomática a Moscou, que havia vetado uma resolução semelhante no Conselho de Segurança no fim do mês passado.
A manifestação brasileira era uma das mais aguardadas, sobretudo após uma série de abstenções em uma sequência de votações referentes à guerra deflagrada por Vladimir Putin. Foi terceira derrota que a comunidade internacional inflige à Rússia nas Nações Unidas desde que Vladimir Putin determinou a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
Apresentada por Albânia e Ucrânia e co-patrocinada por aproximadamente 70 países, a proposta de repúdio à iniciativa do Kremlin foi aprovada por 143 votos a cinco. Além da Rússia, Bielorrúsia, Coreia do Norte, Nicarágua e Síria se opuseram ao texto. Foram registradas 35 abstenções, entre elas as de China, Bolívia, Argélia, Paquistão, Honduras e Mali.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, comemorou o resultado. "O mundo deu sua opinião: a tentativa de anexação é inútil e nunca será reconhecida por nações livres", ressaltou, no Twitter, acrescentando: "A Ucrânia vai recuperar todas as suas terras". Para Moscou, a resolução é "hipócrita" e contraria a vontade das populações das regiões anexadas.
"Os atos ilícitos (referindo-se aos referendos realizados pela Rússia em Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporizhia em 23 de 27 de setembro) não têm validade alguma, nem servem para modificar, de forma alguma, o status dessas regiões na Ucrânia", declara a resolução, intitulada Integridade Territorial da Ucrânia: Defesa dos Princípios da Carta das Nações Unidas.
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Ultimato
Nesse sentido, o texto pede que os Estados, organizações internacionais e agências especializadas da ONU "não reconheçam nenhuma modificação do status" dessas regiões. O documento exige ainda que a Rússia "revogue imediata e incondicionalmente suas decisões", uma vez que "constituem uma violação da integridade territorial e soberania da Ucrânia e são incompatíveis com os princípios da Carta das Nações Unidas."
Dessa forma, a resolução insta a Rússia a retirar imediatamente, "por completo e sem condições", todas as suas forças militares do território da Ucrânia "dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente".
O placar folgado na ONU marca uma nova vitória diplomática da União Europeia, principal defensora da resolução, e dos Estados Unidos contra Moscou, que permanece isolada em sua guerra. "A Rússia se isolou. Ela é a única que pode interromper o sofrimento. É hora de encerrar a guerra já", declarou a embaixadora britânica, Barbara Woodward, após a votação.
Com a resolução, a comunidade internacional envia "uma repreensão sonora à Rússia por sua agressão à Ucrânia", destacou o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken. Para alcançar o resultado, houve uma forte pressão sobre alguns países, como o Brasil, que após ter condenado inicialmente a ofensiva Rússia, absteve-se em várias outras votações — a mais recente na semana passada, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em relação à criação de uma relatoria para monitorar a repressão a opositores do Kremlin.
Reforço
Em paralelo à vitória diplomática, Kiev também comemorou a chegada do primeiro de quatro sistemas de defesa antiaéreo, enviado pela Alemanha, e a reconquista de novas áreas ocupadas por russos. Aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estão decididos a garantir um apoio de longo prazo ao país. A Casa Branca também decidiu acelerar o envio de defesa aérea para a Ucrânia.
A Ucrânia recebeu uma chuva de mísseis, foguetes e drones, ordenada por Putin, como uma retaliação ao ataque com explosivos contra a ponte da Crimeia, que liga a península anexada por Moscou em 2014 ao território russo. Os dois últimos dias de bombardeios russos, que deixaram ao menos 19 mortos, mais de 100 feridos e danos significativos em infraestruturas energéticas ucranianas, levaram os países ocidentais a acelerar o envio desse tipo de ajuda, há muito reivindicados por Kiev.
"Vamos nos encontrar com o ministro da Defesa ucraniano, (Oleksii) Reznikov, e a mensagem da Otan será que estamos firmes em nosso apoio à Ucrânia, que estamos preparados para o longo prazo e que os apoiaremos enquanto for preciso", garantiu o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, antes de uma reunião ministerial para discutir o aumento do apoio logístico a Kiev. "A principal prioridade será mais defesa aérea para a Ucrânia", insistiu o norueguês.
Os aliados da Otan, destacou Stoltenberg, já fizeram contribuições importantes nesse sentido, mas muito ainda é necessário. "Precisamos de diferentes tipos de defesa antiaérea: sistemas de curto e longo alcance para transportar mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro, drones, sistemas diferentes para diferentes tarefas", explicou.
O recebimento do primeiro sistema de defesa alemão Iris-T animou as autoridades ucranianas, que aguardam para a próxima semana a chegada de equipamentos americanos Nasams. "Uma nova era de defesa aérea começou na Ucrânia", tuitou o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov. "É apenas o começo. Precisamos de mais", acrescentou.
Após a intensificação dos ataques russos, a União Europeia concordou em organizar uma ampla missão militar para treinar as forças ucranianas em vários Estados-membros do bloco. A medida pode atingir 15 mil soldados, segundo fontes diplomáticas.
O governo de Zelensky também celebrou, ontem, a recuperação de mais cidades na região de Kherson, uma das anexadas ilegalmente à Rússia. "As forças armadas ucranianas libertaram mais cinco cidades no distrito de Berislav: Novovasylivka, Novogrygorivka, Nova Kamyanka, Tryfonivka, Chervone", anunciou a Presidência, admitindo, porém, que a artilharia russa resiste.
Desde setembro, as forças ucranianas obtiveram ganhos significativos nas linhas de frente graças a uma contraofensiva que levou Putin a ordenar a mobilização de centenas de milhares de reservistas.
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