Mais de 5 mil horas de combates se passaram na Ucrânia, e as derrotas militares da Rússia têm pressionado internamente o presidente Vladimir Putin, sob fortes críticas do próprio establishment de defesa. Até mesmo aliados do Kremlin expressam desconfiança sobre os resultados da invasão à ex-república soviética. O ex-cosmonauta, apresentador de TV e propagandista pró-Rússia Vladimir Solovyov advertiu que "não haverá boas notícias em um futuro próximo", ao citar as regiões de Kherson (sudoeste) e de Luhansk (leste), onde as forças ucranianas ostentaram avanços nas últimas horas. "O inimigo levou reservistas preparados para o combate, e tem vantagem em termos de tropas e de inteligência", comentou, por meio do aplicativo Telegram.
Por sua vez, Vitaly Votanovsky, tenente-coronel da Força Aérea da Rússia, disse ao jornal Moscow Times que "Putin criou circunstâncias" que impedem a vitória no front. "Ele destruiu os recursos de mobilização militar de nosso país com suas próprias mãos, e agora esse idiota se meteu em uma guerra contra todo mundo", afirmou.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, anunciou avanços "rápidos e potentes" de suas tropas no sul e assegurou que dezenas de localidades foram liberadas do domínio russo nessa região e no leste. "Dezenas de localidades foram libertadas apenas nesta semana" nas quatro regiões anexadas pela Rússia na semana passada, acrescentou, em alusão a Zaporizhzhia e Kherson (sudeste) e a Luhansk e Donetsk (leste). Um mapa militar divulgado pelo Ministério russo da Defesa em sua sessão informativa diária mostra um importante recuo das forças russas no norte de Kherson.
Zelensky enumerou as cidades retomadas, na região de Kherson: Liubymivka, Khreshchenivka, Zolota Balka, Biliaiivka, Ukraiinka, Velyka, Mala Oleksandrivka e Davydiv Brid. "Nossos guerreiros não param. É apenas questão de tempo a expulsão dos invasores de nossas terras", disse. Ele também agradeceu ao presidente Joe Biden por seu "apoio militar contínuo", depois que Washington anunciou um novo envio de ajuda militar a Kiev de US$ 625 milhões (cerca de R$ 3,2 bilhões). O pacote inclui o envio de quatro novos lançadores de mísseis Himars.
Um vídeo divulgado ontem nas redes sociais aumentou a preocupação em relação a um possível ataque russo com armas nucleares táticas. Nas imagens, uma locomotiva transporta equipamento pertencente ao 12º Diretório Principal do Ministério da Defesa — responsável pelo manejo de arsenal atômico.
Pânico
Ante a contraofensiva ucraniana e a retomada de territórios no sul da Ucrânia, autoridades russas de ocupação pediram aos militares que "não cedam ao pânico". Vladimir Saldo, governador de Kherson nomeado por Moscou, admitiu um "avanço" das tropas de Kiev, ao mencionar a perda de controle da cidade de Dudchany. No Telegram, o canal russo Rybar, que monitora os movimentos russos, anunciou que os ucranianos progridem em Arkhanguelske e em Dudchany e buscam "cortar o abastecimento dos grupos russos que estão na margem direita do Rio Dnieper".
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran disse ao Correio que a ofensiva de Putin é alvo de críticas inclusive dos políticos considerados radicais, em Moscou. "Há fissuras no sistema político russo, mas elas não são muito visíveis. O que está muito evidente são as críticas aos comandantes do Exército e ao Ministério da Defesa. Putin pensa que ainda pode ganhar na Ucrânia. Por isso, esses críticos têm defendido mais mobilizações e o uso de armas nucleares", comentou.
Haran acredita que os principais erros da Rússia foram subestimar a Ucrânia. "Os militares russos jamais compreenderam a ex-república soviética. Eles imaginavam que a Ucrânia entraria em colapso. As autoridades de Moscou não entendem que a democracia é mais forte do que o autoritarismo. Os ucranianos não lutam apenas em defesa da integridade territorial e da independência. Eles lutam pela liberdade." O estudioso alertou que, caso Putin lance um ataque nuclear tático contra a Ucrânia, cometerá suicídio político.
De acordo com Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev —, independentemente das declarações de autoridades russas, as sanções financeiras impostas pelo Ocidente contra Moscou têm consequências. "Juntamente com a mobilização da população masculina, os problemas econômicos na Rússia, os fracassos militares e as crescentes queixas sociais, as sanções causam insatisfação entre as elites russas. Elas têm sentido cada vez mais os efeitos da uma guerra em larga escala não provocada", afirmou ao Correio.
Suslov disse que integrantes da elite russa admitiram aos serviços de inteligência da Ucrânia o interesse de cooperarem com as autoridades de Kiev no sentido de persuadirem Putin a interromper a guerra. "Para Putin e para a sociedade russa, as apostas são tão altas que é difícil imaginar que estejam prontos para a paz sob as condições da Ucrânia."
Alívio
Morador de Kharkiv, Glib Mazepa, 35 anos, relatou ao Correio que a situação na segunda maior cidade da Ucrânia tem melhorado. O último ataque russo registrado ocorreu à zero hora de segunda-feira. "Um foguete Uragan caiu sobre o nosso bloco. O prédio tinha ficado intacto até então. Nos últimos bombardeios, os russos alvejaram infraestrutura crítica, como uma central elétrica. Na semana passada, ficamos 23 horas sem luz", disse.
Mazepa, pós-doutorando em biologia, crê que a Rússia enfrenta um colapso militar. "Começou com a queda extremamente rápida da frente de Kharkiv, que se transformou na frente Luhansk. Os últimos desdobramentos em Kherson são muito encorajadores." Ele vê como sintomático o fato de programas de TV conhecidos por fazerem propaganda do Kremlin discutirem, desde a semana passada, o fracasso no front.
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Eu acho...
"Os russos superestimaram suas próprias forças militares. Além de o Exército da Rússia ser corrupto, suas munições e seus armamentos são piores, em comparação aos do Ocidente. Além disso, a doutrina militar do Kremlin está ultrapassada. A Rússia apenas envia seus soldados para morreram na batalha. O presidente Vladimir Putin não acreditava em uma união das potências ocidentais, não contava com o fato de que outros países denunciariam a guerra. Vejo que os russos trabalharam contra eles mesmos e contra o interesse nacional de Moscou."
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla
"O prolema-chave da Rússia é estrutural. O regime autoritário corrupto não pode ser eficiente, enquanto Estado. Putin criou um sistema altamente centralizado: enquanto ele comanda as unidades militares como se fossem empresas, os comandantes ficam impedidos de tomar decisões táticas rápidas. Além disso, as autoridades russas não podem explicar os objetivos dessa guerra para os soldados russos. Então, eles não entendem pelo que estão lutando e estão desmotivados. Uma parte significativa das unidades militares russas é pouco profissional."
Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev
Chefe da AIEA vai a Kiev e Moscou
O diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, visitará Kiev e Moscou nesta semana para discutir a implementação de uma zona de proteção em torno da usina nuclear ucraniana de Zaporizhzhia, segundo nota divulgada ontem. Grossi "continuará com as consultas" para estabelecer esse dispositivo o quanto antes, informou a AIEA, sem especificar em que dias os deslocamentos ocorrerão. A central de Zaporizhzhia é a maior da Europa e está nas mãos das tropas russas desde o começo de março, mas não fica longe da linha de demarcação que separa os territórios controlados por Kiev dos ocupados por Moscou.