Eleições 2022

Número recorde de eleitores no exterior

A movimentação em torno da disputa que definirá o comandante da maior economia da América Latina pelos próximos quatro anos está tão intensa, que fortíssimos esquemas de segurança foram montados nos locais com mais votantes

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 01/10/2022 18:31
 (crédito:   Crédito: Ed Alves/CB.)
(crédito: Crédito: Ed Alves/CB.)

Lisboa — O Ministério de Relações Exteriores do Brasil montou a mais arrojada estrutura da história para que brasileiros que vivem fora do país possam votar nas eleições presidenciais deste ano. Pelos cálculos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 697 mil cidadãos estão aptos a registrar suas escolhas nas urnas eletrônicas neste domingo, 2 de outubro. Trata-se de um aumento de 39% ante o pleito de 2018. A movimentação em torno da disputa que definirá o comandante da maior economia da América Latina pelos próximos quatro anos está tão intensa, que fortíssimos esquemas de segurança foram montados nos locais com mais votantes, de forma a garantir a tranquilidade do processo e o respeito aos resultados.

Tamanha preocupação se explica pela enorme radicalização política no Brasil, que extrapolou suas fronteiras. Os riscos de violência são latentes, estimulados pela disseminação de notícias falsas que tentam desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. A fim de reforçar a segurança das urnas eletrônicas, que estão em operação desde 1996 sem que nenhuma suspeita de fraudes tenha sido comprovada, o Itamaraty despachou várias equipes para os principais locais de votação no mundo. O chanceler Carlos França se encarregou de ir pessoalmente à Flórida para garantir que os eleitores exerçam o pleno direito à cidadania. No total, haverá eleições em 181 cidades. Os Estados Unidos puxam a fila de eleitores, seguidos por Portugal e Japão.

Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro, então no PSL, consagrou-se como vencedor no exterior, com quase três vezes o total de votos dados a Fernando Haddad, do PT — 131.671 contra 53.730. “Neste ano, porém, a disputa será mais acirrada”, acredita o cientista político André Rosa. “O perfil dos brasileiros que saíram do país nos últimos quatro anos é bem diferente daquele que já vivia no exterior nas eleições de 2018. Além disso, há um oponente a Bolsonaro bem mais competitivo, o ex-presidente Lula”, acrescenta. Para ele, outro fator deve ser levado em conta: assim como no Brasil, muitos eleitores de Bolsonaro no exterior se decepcionaram com ele e prometem não repetir os votos. “Tudo isso deve ser considerado”, acredita.

Representatividade e abstenção

O aumento no número de eleitores brasileiros em determinadas localidades impressiona. Em Dublin, na Irlanda, o incremento frente a 2018 foi de 465% (de 2.111 para 11.946 eleitores). Em Lisboa, Portugal, houve um salto de 113%. A capital portuguesa, com 45.273 votantes, subiu da sétima para a primeira posição entre os colégios eleitorais fora do Brasil. Crescimento semelhante se viu no Porto, também em Portugal, agora com 30.098 autorizados a irem às urnas (+110%), e em Paris, França, que passou a contar com 22.629 eleitores (+104%). Nesses grupos estão cidadãos mais escolarizados e mais bem-informados.

Na avaliação do cientista político Rafael Favetti, apesar do avanço significativo no total de eleitores brasileiros no exterior, em termos proporcionais, eles pouco representam no universo de 156 milhões de cidadãos cadastrados pelo TSE. Contudo, trata-se de um estrato que se move muito pela imagem do país no exterior. E, neste momento, há um descontentamento enorme com o governo de Jair Bolsonaro. Na atual gestão, o Brasil se isolou, sobretudo em relação à Europa. Em compensação, a extrema-direita, com a qual o presidente brasileiro se identifica, tem apresentado avanço impressionante em várias partes do planeta. Chegou, por exemplo, ao governo da Itália, que integra o G7, o grupo das sete economias mais avançadas do mundo. Tudo isso pesa na hora do voto.

Historicamente, a abstenção entre eleitores brasileiros no exterior é alta. A grande pergunta que todos se fazem é se, com a polarização que dá o tom da disputa presidencial no Brasil, eles se sentirão mais estimulados a se deslocarem para os locais de votação. Há vários casos em que os votantes precisam se deslocar por horas de carro ou de transporte público. No Reino Unido, por exemplo, a votação se concentrará em Londres — 34.498 cidadãos estão registrados pelo TSE. Como lembra o professor Antonio Lavareda, sociólogo e presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe),“o nível de abstenção será relevante para os resultados, no Brasil e no exterior”.

Reforço policial

Se os dois principais candidatos à Presidência da República estão preocupados em garantir que os eleitores compareçam em massa às urnas, as autoridades dos países com os maiores contingentes de eleitores focam em evitar ondas de violência durante o pleito. Em Portugal, segundo maior colégio de votantes fora do Brasil, a Polícia de Segurança Pública (PSP) montou um esquema usado em grandes eventos tanto em Lisboa, quanto no Porto e em Faro. Cônsul-geral do Brasil na capital portuguesa, o embaixador Wladimir Valler Filho diz que as negociações com a direção da PSP para garantir a segurança dos eleitores ocorreram durante meses. Por precaução, o entorno da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde foram instaladas 118 seções eleitorais, teve o policiamento reforçado desde ontem.

A torcida, diz a cônsul-geral do Brasil no Porto, embaixadora Maria Stella Pompeu Brasil Frota, é para que tudo transcorra em paz. Porém, para evitar surpresas desagradáveis, ela se encarregou pessoalmente de convocar a polícia local para proteger todos os que comparecerem ao Instituto Superior de Engenharia, local escolhido para acolher as urnas eletrônicas. “Contaremos com policiais com grande experiência em grandes eventos”, afirma. Em Faro, não será diferente, admite a cônsul-adjunta, conselheira Cláudia Vasques. Além da ajuda da PSP, todos os três consulados brasileiros em Portugal ampliaram o número de seguranças privados que trabalharão neste domingo.

Secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto destaca que foram disponibilizados todos os recursos — humanos e financeiros — para que os brasileiros que vivem no exterior possam votar em segurança. Ele encabeça um time de 10 servidores do Ministério de Relações Exteriores que estão em Portugal para dar suporte aos trabalhos relativos às eleições. Para os diplomatas, tudo o que se quer evitar é que imagens de violência, de quebra-quebra, de agressões físicas durante as votações fora do Brasil inundem as capas de jornais e programas de tevê mundo afora. “Temos plena convicção de que, tanto no exterior quanto no Brasil, de modo geral, as eleições serão realizadas de forma pacífica, para que os cidadãos brasileiros possam exercer o seu direito”, frisa.

Mundo em alerta

A expectativa em torno das eleições brasileiras também mobiliza governos de todas as matizes ideológicas. Na Europa, em grande maioria, e nos Estados Unidos, a preferência é para que o vencedor seja conhecido logo no primeiro turno, e o preferido é o ex-presidente Lula, do PT. Dirigentes de Espanha, França, Alemanha, Portugal, assim como o presidente norte-americano Joe Biden, acreditam que as relações do Brasil com o mundo melhorarão muito. Mais: haverá um engajamento maior do governo brasileiro em questões como meio ambiente e combate à fome. Com Bolsonaro, as relações do país estão restritas a governos de extrema-direita.

Há uma combinação entre os principais líderes mundiais de esquerda, de centro-esquerda e de centro-direita para que, tão logo os resultados das eleições brasileiras saiam, comunicados simultâneos sejam divulgados, independentemente de quem for o vencedor. O importante, na opinião dos chefes de Estado, é que a democracia seja a grande vencedora das eleições brasileiras. Movimentos golpistas que se desenharam nos últimos meses, com o assanhamento das Forças Armadas, acenderam o sinal de alerta em várias partes do planeta. Mas poucos acreditam que qualquer ação fora da Constituição tenha sucesso no Brasil.

O Itamaraty, por sinal, fez um grande trabalho de esclarecimento junto aos principais governos do mundo. Diante da dúvida em relação à força das instituições brasileiras para enfrentar tentativas de golpe, diplomatas trataram de acalmar os ânimos, alegando que tudo não passa de retórica de candidatos que temem ser derrotados nas urnas. “Vários de nós foram chamados para conversar sobre as eleições brasileiras, explicar o processo eleitoral, mostrar a segurança das urnas eletrônicas e assegurar que os Poderes constituídos estão funcionando em harmonia, a despeito das rusgas eleitorais. Creio que conseguimos convencer a maioria dos nossos interlocutores de que a democracia brasileira é sólida”, conta um diplomata.

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