Ucrânia

Rússia incorpora quatro regiões da Ucrânia e gera revolta mundial

EUA, União Europeia e G7 condenam decisão. Zelensky descarta diálogo enquanto Putin for presidente e pede adesão à Otan. Moscou veta resolução da ONU, e Brasil se abstém

Rodrigo Craveiro
postado em 01/10/2022 06:00
 (crédito: Dmitry Astakhov/Sputnik/AFP)
(crédito: Dmitry Astakhov/Sputnik/AFP)

A comunidade internacional condenou, de forma unânime, a anexação, por parte da Rússia, das regiões de Zaporizhzhia e Kherson (sul) e de Donetsk e Luhansk (sudoeste). O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, denunciou uma "tentativa fraudulenta" de "anexar território ucraniano soberano" e anunciou novas sanções contra Moscou. "A Rússia está violando o direito internacional, atropelando a Carta das Nações Unidas e mostrando desprezo pelas nações pacíficas em todos os lugares. Não se enganem: essas ações não têm legitimidade. Os EUA jamais reconhecerão isso", declarou.

Biden advertiu que o colega russo Vladimir Putin "não pode tomar território vizinho e se safar" e enviou um recado ao Kremlin. "Os EUA estão totalmente preparados com nossos aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para defender cada centímetro do território da Otan, cada único centímetro. Então, senhor Putin, não entenda mal o que estou dizendo: cada centímetro."

Por sua vez, o assessor de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, afirmou que as forças militares norte-americanas na Europa estão de prontidão "para qualquer contingência". Ele admitiu o perigo de Putin usar armas nucleares, embora não veja indícios de iminência de um ataque com esse tipo de artefato. "Existe o risco, dado todo o falatório e o brandir de armas nucleares de Putin. Temos sido claros sobre quais seriam as consequências", disse. 

Na tarde de ontem, uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) terminou em frustração. O encontro foi agendado para debater uma resolução de condenação aos referendos organizados pela Rússia — os quais culminaram nas anexações. Moscou vetou o texto, enquanto a China, aliada de Putin, Índia, Brasil e Gabão se abstiveram. 

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, classificou a anexação como "ilegal e ilegítima". "Esta tomada de terras é ilegal e ilegítima. Os aliados da Otan não reconhecem, nem reconhecerão, nenhum desses territórios como parte da Rússia", disse Stoltenberg na sede da aliança militar, em Bruxelas. O G7 — países mais ricos do mundo (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, EUA, Reino Unido e União Europeia (UE) — prometeu sancionar qualquer país que apoiar a Rússia. "Jamais reconheceremos essas supostas anexações, nem os falsos 'referendos' realizados sob a mira de armas", afirmou o grupo, em nota.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (órgão executivo da UE), assegurou que "a anexação ilegal" proclamada por Putin "nada mudará". "Todos os territórios ilegalmente ocupados pelos invasores russos são terra ucraniana e sempre serão parte dessa nação soberana", afirmou. A UE anunciou que reforçará as "medidas restritivas contra as ações ilegais da Rússia". "Elas aumentarão, ainda mais, a pressão sobre a Rússia para encerrar sua guerra de agressão."

Aos gritos de "Rússia! Rússia!", Putin anunciou a anexação das quatro regiões ucranianas, em discurso realizado a partir de um dos salões do Kremlin. "Digo isso ao regime de Kiev e seus mestres no Ocidente: os habitantes de Luhansk e Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia se tornaram nossos cidadãos para sempre", disse Putin, ao lado de Leonid Pasechnik, Denis Pushilin, Vladimir Saldo e Yevgeny Balitsky, líderes das respectivas regiões nomeados por Moscou, com os quais posou de mãos dadas para foto. Em pronunciamento de 37 minutos na Praça Vermelha, ele citou o "dia da verdade e da justiça". "A Rússia não apenas abre as portas de sua casa para essas pessoas, como abre seu coração. Bem-vindos ao lar!", disse. 

Sem negociação 

Horas depois do pronunciamento, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, solicitou formalmente a adesão de seu país à Otan e avaliou a medida como "um passo decisivo para toda a segurança de nações livres". "Vemos quem nos ameaça. Quem está pronto para matar e mutilar. Aquele que, para expandir sua zona de controle, não se detém em nenhuma selvageria." Ele avisou: "A Ucrânia não negociará com a Rússia enquanto Putin for o presidente da Federação Russa. Negociaremos com o novo presidente".

Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov achou curioso o fato de o tema central do discurso de Putin ter sido o Ocidente, não a Ucrânia. "Ele repetiu e enfatizou a narrativa de que o Ocidente é o principal rival da Rússia. Vejo isso como uma tendência perigosa. Putin escala a tensão e ameaça nações ocidentais. Ele sinaliza que a Rússia não deseja nenhuma negociação razoável", explicou ao Correio. "Tudo o que Putin disse sobre os territórios temporariamente ocupados não faz sentido, pois nenhum país civilizado reconhecerá essas decisões."

Presidente da Academia Internacional para Proteção dos Direitos Humanos, Yuri Gordienko estava em Kramatorsk, na região de Donetsk, para resgatar crianças com deficiência. Ele afirmou à reportagem que a consulta popular para decidir sobre a anexação das regiões foi um "pseudo-referendo". "Não havia nem 10% dos cidadãos inscritos para votar, e muitos foram às seções eleitorais sob a mira de uma arma. Meus amigos que moram aqui dizem que ninguém foi ao referendo, a Rússia enganou a todos." 

Para Gordienko, Putin está desesperado. "Ele perdeu a guerra na Ucrânia, mais de 55 mil soldados morreram, mas não tem coragem de admitir isso. Agora, engaja-se numa guerra psicológica, com a ameaça de armas nucleares. Putin precisa de uma rota direta para a Crimeia (península anexada em 2014). Esse caminho passa por Zaporizhzhia e Kherson", acrescentou. 

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Duas perguntas para...

Mark Cancian, conselheiro sênior do Programa de Segurança Internacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, em Washington)

Mark F. Cancian, conselheiro sênior do Programa de Segurança Internacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, em Washington)
Mark F. Cancian, conselheiro sênior do Programa de Segurança Internacional do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, em Washington) (foto: Arquivo pessoal )

O fato de Putin ter anexado os quatro territórios da Ucrânia eleva o risco de uso de armas nucleares?

Até agora, Putin não incluiu os territórios anexados em suas declarações sobre o uso de armas nucleares. Ele teve a oportunidade de fazê-lo em seu discurso, em 21 de setembro, mas não o fez. Putin parecia se referir à Crimeia como território russo. Isso pode ser significativo se a Ucrânia realizar uma invasão terrestre da Crimeia. Mas as forças ucranianas estão distantes da península. 

Quais seriam as consequências do emprego desse tipo de armamento?

Qualquer uso de armas nucleares seria extremamente perigoso. Por esse motivo, creio que Putin escolheu uma mobilização parcial, em vez de outra escalada, como as armas nucleares. Ele teria duas opções, no caso de uma ofensiva atômica. A primeira seria lançar uma arma a grande altitude, na atmosfera terrestre, ou em um local desabotado, como forma de ameaça política: 'Aceitem os meus termos ou o pior ocorrerá'. A segunda opção seria usar essas armas para obter vantagem no front. O problema é que Putin teria de utlizar muitas delas. As tropas estão espalhadas e em posições defensivas. Uma alternativa seria um ataque a pontos-chave, como bases aéreas. Mas também seria necessário o uso de dezenas de armas atômicas. 

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