A vitória da coalizão de extrema-direita e direita nas eleições legislativas da Itália — com a provável ascensão de Giorgia Meloni ao cargo de primeiro-ministro — lança o país numa era de incertezas em relação à própria governabilidade e ao enfrentamento dos desafios políticos e econômicos. Admiradora do ex-premiê Benito Mussolini (1922-1945), Meloni tem buscado suavizar o discurso e se afastar da retórica radical adotada na campanha. "A Itália nos escolheu e não a trairemos. Se somos chamados a governar, o faremos por todos os italianos, com o objetivo de unir este povo e valorizar o que o une, não o que o divide", afirmou a líder do partido Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia, pós-fascista). Não será uma tarefa simples.
Os seus aliados Matteo Salvini, da Liga (anti-imigração), e Silvio Berlusconi, do Força Itália (direita), tentarão viabilizar a formação de governo nos próximos dias. Para isso, precisarão superar as divergências. Até o fechamento desta edição, com 60.375 das 60.399 seções apuradas, o Irmãos da Itália tinha 26% dos votos, enquanto o Partido Democrático (PD, de centro-esquerda) aparecia com 19%. O Movimento 5 Estrelas contabilizava 15,6%. A Liga e a Força Itália haviam conquistado, respectivamente, 8,9% e 8,3% dos votos. Em 13 de outubro, os 200 senadores e 400 deputados se reunirão no Parlamento para confirmar Meloni como primeira-ministra, após o convite formal a ela feito pelo presidente Sergio Mattarella.
"Meloni conta com grande apoio do Parlamento. No entanto, há um grande problema: ela não poderá governar sozinha. Para isso, precisará do apoio da Liga e da Força Itália e terá que moderar quaisquer políticas extremas. Precisaremos ver até que ponto esses três partidos que ganharam a eleição entrarão em acordo e em harmonia para formarem um governo", afirmou ao Correio Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma). "Meloni defende um papel muito centralizador do Estado. Salvini, da Liga, é defensor da autonomia regional. Veremos muitas divergências no governo, e isso terá grande impacto político. Mas, uma vez que você está no poder, precisa manter a coesão."
Historiador político da Universidade Luiss Guido Carli, em Roma, Lorenzo Castellani entende que o programa de governo da coalizão liderada por Meloni seduziu o eleitorado italiano por ser "muito pragmático", com propostas de reduzir os impostos e a burocracia. "Ele também defende o endurecimento da política migratória, a fim de deter os imigrantes ilegais. Tudo isso foi percebido como importante para os italianos", disse à reportagem.
Respeito às leis
De acordo com Castellani, Meloni é vista como uma política consistente e capacitada para comandar a Itália. "Ela nunca participou de outros governos e jamais integrou outras coalizões. Ainda assim, ganhou forte apoio e credibilidade como líder. Em um primeiro momento, podemos esperar uma abordagem suave em relação à União Europeia e à lei orçamentária", observou. O historiador aposta que Meloni mostrará posições mais conservadoras no campo dos direitos humanos, mas prevê o respeito às leis italianas.
Por sua vez, Lorenzo Codogno — professor visitante do Instituto Europeu da London School of Economics and Political Science (LSE) — explicou ao Correio que a Liga e Irmãos da Itália não estão perto de obter uma maioria absoluta sem o Força Itália, devido ao colapso do partido de Salvini. "Isso proporcionará algum equilíbrio à coalizão e seria algo positivo para os mercados financeiros. As políticas podem se inclinar mais para o centro, reduzindo riscos, especialmente para a política externa e a postura em relação à Europa", comentou.
Ele não descarta que a Liga mude de liderança. Isso porque, de acordo com Codogno, o apoio a Salvini entrou em colapso no sul e no centro da Itália. "O partido está lado a lado com o Força Itália, de Berlusconi, pela segunda posição na coalizão. A primeira reação de Salvini e da Liga será essencial para avaliar desobramentos. Uma mudança no comando da Liga produziria uma transformação no equilíbrio político em direção ao centro. Se a Liga aceitar um papel muito reduzido na busca pelo poder, seria positivo para a estabilidade do governo", disse Codogno.
Em seu primeiro discurso após a eleição, Salvini assegurou que "a Itália tem cinco anos pela frente de estabilidade". Por sua vez, o ex-premiê Berlusconi prometeu que seu partido será "determinante e decisivo".
Colaboração
A União Europeia (UE) admitiu que trabalha com quaisquer governos emergentes das eleições no bloco e instou uma cooperação com a nova liderança da Itália. "Esperamos ter uma cooperação construtiva com as novas autoridades italianas. No momento, esperamos que a Itália proceda com a nomeação de um governo", disse Eric Mamer, porta-voz da Comissão Europeia, o braço executivo da UE. Por sua vez, a Alemanha mostrou confiança sobre a manutenção do status quo na relação com os italianos. Wolfgang Büchner, porta-voz do governo alemão, ressaltou que "a Itália é um país muito favorável à Europa, com cidadãos e cidadãs muito favoráveis ao continente. Partimos do princípio de que isto não mudará".
O triunfo de Meloni divide a Europa. Os direitistas e conservadores Polônia e Hungria, e a extrema-direita na Espanha e na França, não esconderam o entusiasmo com a ascensão dos ultraconservadores na Itália. José Manuel Albares, ministro das Relações Exteriores da Espanha (socialista), advertiu que os populismos "sempre terminam em catástrofe". A premiê francesa, Elisabeth Borne, sublinhou que o país estará "atento" ao "respeito" aos direitos humanos.
Saiba Mais