Lisboa — A Itália vai às urnas neste domingo (25/9) num misto de tensão entre as autoridades e de ceticismo por parte da população. A prevalecer o que indicam as pesquisas de intenção de votos, a extrema-direita será a grande vencedora do pleito, o que não se vê desde a Segunda Guerra Mundial. A guinada na terceira maior economia da União Europeia resultará na primeira mulher, Giorgia Meloni, 45 anos, como primeira-ministra. Líder do partido Irmãos da Itália, sucessor do Movimento Social Italiano (MSI), com raízes fascistas, ela tem como aliados Matteo Salvini, do Liga, e o notório Silvio Berlusconi, do Força Itália, que, aos 85 anos, retorna à política depois de um afastamento de mais de uma década por fraudes fiscais.
A possibilidade de a extrema-direita comandar a Itália levou a chefe da Comunidade Europeia, Ursula Von de Leyer, a disparar o sinal de alerta. Num tom acima do normal, ela avisou sobre as possíveis consequências de o futuro governo italiano flertar com movimentos antidemocráticos. "Se as coisas forem numa direção difícil, como eu falei sobre Hungria e Polônia, temos ferramentas para lidar com isso", disse. A Itália foi contemplada, pela União Europeia, com um programa de reestruturação econômica que passa de 200 bilhões de euros (R$ 1 trilhão), praticamente o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal. É pela economia, portanto, que Bruxelas acredita que barrará os ímpetos autoritários de Meloni.
Os levantamentos eleitorais mais recentes apontam que o Irmãos da Itália deverá receber entre 22% e 24% dos votos. A coligação fechada pelo partido poderá chegar a 48%, garantindo mais de 60% do Parlamento. Para o professor Michele Testoni, da IE School of Global and Public Affairs, a Itália é, hoje, o reflexo do descontentamento de uma parcela da classe média, com bom nível de educação, majoritariamente masculina e de profissionais autônomos. Ele reconhece, porém, que a extrema-direita não é um fenômeno novo. Seus representantes vêm ganhando espaço na política italiana há pelo menos 20 anos. Giorgia Meloni, inclusive, foi ministra da Juventude de Berlusconi, e, astuta e conhecedora dos meandros políticos, ocupou o vácuo deixado por desastrados governos — desde 2018, foram três.
"Pode-se dizer que, além dos desiludidos com a política, há os órfãos deixados por Berlusconi, que representam cerca de 18% do eleitorado. Boa parcela desse público não sabe diferenciar bem o que é direita e esquerda. Costuma se guiar mais pelo que dizem líderes políticos com os quais se identificam", afirma Testoni. É a festa para os populistas, grupo ao qual Meloni se encaixa, ao criticar a postura integracionista da Europa, de apoio à imigração, de defesa de gays e de minorias. Não à toa, seu lema é "Deus, pátria e família", criado por um de seus ídolos, o fascista Benito Mussolini, apoiador de Adolf Hitler e do massacre a judeus. "O descontentamento dos italianos com a política tradicional é evidente. O país não cresce há tempos, tem uma dívida pública enorme e é o mais envelhecido da Europa", ressalta.
Abstenção de 40%
Tal descontentamento tende a provocar um elevado nível de abstenção nas votações de hoje. O professor da IE School acredita que ao menos 40% dos italianos não comparecerão aos locais de votação. Com isso, prevalecerá a posição dos que estão irritados com a política atual e as seguidas decepções. Acreditava-se que, com a nomeação de Mario Draghi, que foi presidente do Banco Central Europeu (BCE), como primeiro-ministro, a Itália conseguiria sair do atoleiro em que se encontra. Mas traições e sabotagens por parte de aliados o levaram à renúncia. "O partido Irmãos da Itália cresceu justamente no último um ano e meio, apoiado por um fenômeno midiático. É importante não esquecer que a legenda de Giorgia Meloni foi a única que não apoiou o governo de Draghi e que não votou a favor do plano nacional de recuperação do país, catalisando o mau-humor da população", acrescenta.
Professora do Instituto Superior de Ciências Políticas da Universidade de Lisboa, Carla Guapo da Costa diz que o impacto do resultado das eleições italianas sobre o contexto europeu não deve ser menosprezado. "Até porque ocorre num contexto extremamente complexo, de pós-pandemia e de crise econômica profunda, agravada pelas consequências da guerra na Ucrânia", assinala. "Há ainda o fato de a Itália se juntar a um espectro de ascensão de partidos populistas e extremistas, que já têm uma representação bastante expressiva em países europeus, desde os casos mais antigos de Polônia e Hungria, até ao mais recente, da Suécia", complementa.
Mesmo nos países em que os partidos mais moderados governam, a extrema-direita cresce com consistência. Em Portugal, o Chega é a terceira força do Parlamento. Na Espanha, o Vox ocupou espaço de partidos importantes. Na França, Marine Le Pen, com seu discurso belicoso, assustou e muitos a veem com força suficiente para substituir Emmanuel Macron, que não poderá se reeleger. "Existem motivos para preocupações, especialmente no que concerne ao futuro do projeto europeu? Eu diria que sim. Mas acredito que o risco de uma ruptura acontecer está relativamente controlado, apesar de algumas posições mais polêmicas de integrantes do bloco, sobretudo no que diz respeito ao acolhimento de refugiados, às políticas de imigração e à proteção aos direitos das minorias", frisa a professora.
Para Carla Guapo, é inegável que a Itália está numa situação econômica bastante delicada, à semelhança, aliás, de quase todos os parceiros da União Europeia. "Foi um dos países mais afetados pela covid-19 e, apesar de não estar entre aqueles com maior dependência da importação de combustíveis russos, enfrenta o aumento sustentado da inflação, que agrava os custos da já elevadíssima dívida pública, um crescimento muito modesto do PIB e o impacto nas principais cadeias produtivas", reforça. "Naturalmente, todos esses fatores induzem à deterioração das condições de vida da população e aumentam o risco da ascensão de partidos que não partilham de valores tradicionais", emenda.