Guerra no leste europeu

Tropas russas fogem e Ucrânia retoma mais de 6 mil km² e 20 vilarejos

Em duas semanas, forças de Kiev reconquistaram 6 mil quilômetros quadrados e 20 vilarejos que estavam sob ocupação. Especialistas avaliam avanço e advertem que o conflito está longe de acabar

No 201º dia de guerra, a Rússia vive um dos piores momentos em sua campanha para capturar regiões da Ucrânia. Vitaly Ganchev, principal oficial de ocupação russa na Ucrânia, declarou que as tropas da Ucrânia superaram os invasores em uma proporção de oito para um durante o contra-ataque da semana passada no nordeste e no sul da ex-república soviética. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, informou que, nas duas últimas semanas, as forças de seu país recuperaram quase 6 mil quilômetros quadrados do território controlado por Moscou.

"Desde o começo de setembro, nossos soldados já libertaram 6 mil km² de território ucraniano no leste e no sul, e continuamos avançando", disse o chefe de Estado, em vídeo publicado nas redes sociais. Em algumas áreas, os soldados abandonaram armamentos e fugiram. "A libertação de localidades nas mãos dos invasores russos continua nas regiões de Kharkiv e Donetsk", no leste do país, anunciou o Exército da Ucrânia. "As tropas russas estão abandonando suas posições às pressas e fugindo."

O jornal The New York Times informou que, depois de expulsarem as tropas russas de uma grande faixa de Kharkiv, região no nordeste da Ucrânia, as forças de Kiev preparam-se para reconquistar o Donbass, no leste. Entre domingo e ontem, o Exército ucraniano retomou 20 vilarejos também no nordeste. Zelensky agradeceu a cada uma das três unidades militares envolvidas na confraofensiva e enalteceu a "valentia" dos soldados.

Caso se confirmem, os avanços da Ucrânia representarão os maiores ganhos territorias desde a retirada das forças russas dos arredores de Kiev, em março. "Será como uma bola de neve, começará a rolar, rolar, rolar (...) E veremos o segundo maior exército do mundo recuar", disse o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, ao jornal francês Le Monde. Em Zaliznychne, cidade recentemente reconquistada, no centro-sul do país, quatro corpos de civis foram encontrados no domingo com "vestígios de tortura", afirmou a Promotoria da Ucrânia. 

Saiba Mais

Inverno

Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran explicou que os russos esperavam que os ataques ucranianos se concentrassem mais ao sul, na região de Kherson. "A principal ofensiva ocorreu em Kharkiv. Os russos foram enganados. Com a reconquista territorial, as forças de Moscou passaram a lançar mísseis e foguetes contra a população civil. Depois que perderam soldados, a Rússia começou a bombardear as cidades", explicou ao Correio.

Segundo ele, a ampliação do contra-ataque para a retomada de áreas ocupadas depende do fornecimento de armamentos por parte do Ocidente. "A Ucrânia ainda não recebeu os tanques e os aviões prometidos", disse. 

Haran aposta que Putin tentará utilizar o inverno para pressionar o front da energia elétrica, tanto na Ucrânia quanto na Europa. "A usina nuclear de Zaporizhzhia está paralisada. Estamos nos movendo em direção a tempos difíceis. O inverno terá início em 1º de dezembro", lembrou. O estudioso acredita que os ucranianos terão "estrada longa pela frente". "Muitas mortes virão. Não estou certo se Vladimir Putin (presidente da Rússia) será persuadido a deter a guerra. Ele tentará mandar mais soldados para a  Ucrânia, incluindo mercenários e contrainsurgentes."

Retaliação

Por sua vez, o ucraniano Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), adverte que os soldados de seu país precisam ser "cautelosamente otimistas" em relação aos avanços em Kharkiv e em Kherson. "Putin finalmente está tendo a sua resposta. Ele começou a guerra sob falsos pretextos e jamais explicou ao povo russo ou às próprias tropas o motivo pelo qual invadiu a Ucrânia", advertiu.

De acordo com Zalmayev, muitos militares da Rússia capturados pela Ucrânia desertaram e admitiram que nada sabiam sobre o plano de Moscou para enviá-los à Ucrânia. "Em alguns casos, receberam informações de que receberiam treinamento militar na Ucrânia. As tropas de Putin apresentam pouco espírito combativo e baixa moral. Enfim, o Exército russo é despreparrado. O Kremlin não esperava esse tipo de cenário e pensava que o conflito duraria poucos dias. Mas é preciso dizer que os soldados ucraianos têm mostrado uma incrível resiliência."

Zalmayev alerta sobre a possibilidade de um cenário nuclear. Ele entende que, quanto mais convicente se tornar uma vitória da Ucrânia no front, maior a chance de Putin tomar uma decisão dramática. "Pode incluir o uso de armas químicas, biológicas ou nucleares, mas prefiro não quero especular sobre isso. Alguns especialistas ocidentais acreditam que algo assim apressaria o seu fim e não o ajudaria a obter um triunfo militar", disse. 

Eu acho...

Aleksandr Indychii - Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

"Espero que os soldados ucranianos saibam o que fazem com essa velocidade de avanço no front e não caiam em armadilhas. A Rússia bombardeou diferentes partes da Ucrânia. Uma grande porção do leste está sem energia elétrica. A guerra está longe do fim. Mesmo que Vladimir Putin retire suas tropas, ele poderá lançar mísseis contra cidades ucranianas por muito tempo. O terror continuará."

Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)