Reino Unido

Rei Charles III declara que ocupará o trono pelo resto da vida

No primeiro pronunciamento, Charles III declara que ocupará o trono pelo resto da vida, anuncia mudanças nos títulos reais, eleva o filho William a príncipe de Gales e rende emocionada homenagem à mãe, Elizabeth II, falecida na quinta-feira

Além de uma homenagem à mãe, a foto de Elizabeth II sobre a mesa de um dos 775 cômodos do Palácio de Buckingham, em Londres, parecia quase como um pedido de proteção no momento mais importante em 73 anos de vida do primogênito. Menos de 24 horas após o anúncio da morte da rainha, Charles III fez o primeiro pronunciamento como rei.

Durante nove minutos, ele renovou a promessa de serviço vitalício feita por Elizabeth II — um sinal de que não pretende abdicar do trono —; defendeu a instituição da monarquia; anunciou mudanças de títulos na família real; externou o amor pelos filhos, William e Harry; e enviou uma mensagem emocionada à falecida mãe. 

"Como a própria rainha fez com tamanha devoção inabalável, eu agora me comprometo, solenemente, durante o tempo restante que Deus me conceder, a defender os princípios constitucionais no coração de nossa nação", declarou Charles III, ao lembrar que, com apenas 21 anos, Elizabeth II "se comprometeu (...) a dedicar sua vida, fosse longa ou curta, a serviço do povo". "Hoje, renovo a todos vocês essa promessa de serviço ao longo da vida", acrescentou.

O rei destacou a importância e a lealdade da esposa, Camilla Parker Bowles, em 17 anos de casamento. "Em reconhecimento ao seu próprio serviço público leal, (...) ela se torna a minha Rainha Consorte", avisou. Charles III promoveu o filho mais velho, William, a príncipe de Gales, título antes ocupado por ele mesmo. Kate Middleton, esposa de William, passa a ser princesa de Gales — cargo que ficou vazio desde a morte de Diana, em 31 de agosto de 1997. O caçula, Harry, centro de polêmicas após abandonar a família real e se mudar para os Estados Unidos com a mulher, Meghan, também foi lembrado pelo pai. "Quero expressar meu amor por Harry e por Meghan, enquanto continuam a construir suas vidas no exterior", declarou. 

Em um dos trechos mais emotivos do pronunciamento, Charles III dirigiu-se à falecida rainha. "À minha querida mamãe, quando você começa a grande jornada para se unir ao meu querido papai. Quero simplesmente dizer-lhe isso: obrigado", disse. Outro momento simbólico do primeiro dia de luto oficial no Reino Unido foi a chegada do rei e da rainha consorte ao Palácio de Buckingham.

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Depois de retornar do castelo de Balmoral, onde Elizabeth morreu, na tarde de quinta-feira, aos 96 anos, Charles III foi ovacionado pelos súditos, que colocavam flores nos portões do palácio londrino. "Deus salve o rei!", gritou a multidão enquanto o casal real desembarcou do Rolls Royce e caminhou até o povo. Ele cumprimentou várias pessoas, foi beijado no rosto e recebeu mensagens de condolência e de apoio.

Às 10h de hoje (6h em Brasília), o Conselho de Ascensão se reunirá no Palácio de São Jaime para oficializar a proclamação de Charles III como rei. O anúncio será feito ao público uma hora depois, a partir de uma sacada. A coroação, no entanto, somente deverá ocorrer em alguns meses. 

Carisma  

A historiadora Elizabeth Norton, especialista sobre rainhas da Inglaterra e sobre a dinastia Tudor, admitiu ao Correio que Charles nunca foi tão popular quanto a mãe, "disparadamente o membro mais amado da família real nas últimas décadas". "Sem dúvida, ele não é tão carismático, embora seja famoso por se interessar genuinamente pelas histórias das pessoas que conhece.

Como dizemos por aqui, a rainha é um ato difícíl de ser imitado. Suspeito que Charles III jamais será capaz de igualar-se ao brilho e à aura da mãe, mas acho que ele pode se tornar verdadeiramente popular e um rei bem-sucedido se continuar a escutar as pessoas e a ser acessível, assim como era Elizabeth II", afirmou a autora de England's Queens: The Biography (Rainhas da Inglaterra: A biografia, na tradução). 

Norton lembrou que Charles serviu o mais longo aprendizado de qualquer monarca britânico. "Foi o herdeiro do trono por mais de 70 anos. Ao contrário da rainha Victoria, que manteve o filho primogênito distante do poder, Elizabeth II treinou bastante Charles como o futuro soberano", explicou. A especialista classificou como "incrivelmente comovente" a homenagem que Charles prestou à mãe. "Embora tivessem personalidades muito diferentes, a rainha foi, indubitavelmente, a força motriz de sua vida."

Especialista em relações públicas e em questões da imagem da realeza britânica, Mark Borkowski disse à reportagem que o discurso de Charles III foi "muito poderoso", ao expressar as funções dos integrantes-chave do círculo interno da família real. "O pronunciamento define o seu primeiro dia e seu reinado. Charles insistiu que defenderá as regras constitucionais de sua nação e detalhou, expressamente, o papel de Camilla. Ele se envolveu com todas essas questões", afirmou. 

 

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Eu acho...

"O principal desafio de Charles III será relacionado às questões sobre a continuidade da monarquia. Charles nunca foi particularmente popular, embora a família real tenha se envolvido em vários escândalos, ao longo das últimas décadas. O novo rei terá que encontrar um caminho para conduzir a monarquia após o reinado de sua mãe. Isso poderá envolver a racionalização da família real e pensar cuidadosamente sobre a forma como os integrantes restantes são percebidos pela opinião pública."

Elizabeth Norton, especialista sobre rainhas da Inglaterra e sobre a dinastia Tudor

 

"Para proteger a aura e o brilho da monarquia britânica, Charles III será forçado a usar mais o príncipe William e a mulher, Kate. Ambos têm bastante carisma e glamour, e deverão assumir uma parcela maior de deveres reais. O principal desafio do rei talvez seja um segundo referendo sobre a independência da Escócia. Uma eventual independência escocesa representaria um golpe para a monarquia. Se a Escócia votar pela independência, a responsabilidade recairá sobre os políticos britânicos."

Robert Hazell, especialista em Constituição da University College London

 

Trechos /

A rainha

"Falo com vocês hoje com sentimentos de profunda tristeza. Ao longo de sua vida, Sua Majestade a Rainha — minha amada mãe —  foi uma inspiração e um exemplo para mim e para toda a minha família, e devemos a ela a dívida mais sincera que qualquer família pode ter à sua mãe; pelo amor, carinho, orientação, compreensão e exemplo."

"A rainha Elizabeth foi uma vida bem vivida; uma promessa com destino cumprido, e ela é profundamente lamentada em sua passagem. Hoje, renovo a todos vocês essa promessa de serviço ao longo da vida."

"Ela faz sacrifícios pelo dever. Sua dedicação e sua devoção como soberana jamais vacilaram, através dos tempos de mudança e de progresso, através de tempos de alegria e de celebração, e de tristeza e perda."

"Em sua vida de serviço vimos aquele amor permanente pela tradição, junto ao abraço destemido do progresso, que nos torna grandes como nações."

A monarquia

"Ao longo dos últimos 70 anos, temos visto nossa sociedade se tornar uma entre muitas culturas e crenças. As instituições de Estado mudaram, por sua vez. Mas, através de todas as mudanças e desafios, nossa nação e a mais ampla família de reinos — de cujos talentos, tradições e conquistas estou tão orgulhoso — prosperaram e floresceram. Nossos valores permaneceram, e devem permanecer constantes."

O reinado

"Como a própria rainha fez com tamanha devoção inabalável, eu agora me comprometo, solenemente, durante o tempo restante que Deus me conceder, a defender os princípios constitucionais no coração de nossa nação."

A rainha consorte 

"Este também é um momento de mudança para minha família. Conto com a ajuda amorosa de minha querida esposa, Camilla. Em reconhecimento ao seu próprio serviço público leal desde nosso casamento, 17 anos atrás, ela se torna minha Rainha Consorte. Sei que ela trará para as demandas de sua nova função a devoção inabalável ao dever em que confio tanto."

Os filhos

"Como meu herdeiro, William agora assume os títulos escoceses que tanto significaram para mim. Ele me sucede como o Duque da Cornualha e assume as responsabilidades pelo Ducado da Cornualha, às quais assumi por mais de cinco décads."

"Hoje, tenho o orgulho de criá-lo Príncipe de Gales (...), o país cujo título tive o privilégio de carregar durante tanto de minha vida e de meu dever."

"Com Catherine ao seu lado, nosso novo príncipe e princesa de Gales continuarão a inspirar a e liderar nossas conversas nacionais, ajudando a trazer os marginais para o centro."

"Quero expressar meu amor por Harry e por Meghan, enquanto continuam a construir suas vidas no exterior."

Mensagem à mãe

"À minha querida mamãe, quando você começa a grande jornada para se unir ao meu querido e falecido papai. Quero simplesmente dizer-lhe isso: obrigado. Obrigado por seu amor e pela devoção à nossa família e à família de nações à qual você serviu de forma tão diligente em todos esses anos."

Declaração a Harry

Com a morte da rainha Elizabeth II, Archie Mountbatten-Windsor, de 3 anos, e Lilibet, 1, filhos de Harry e da ex-atriz americana Meghan Markle se tornaram automaticamente príncipe e princesa. Essa condição deve permanecer pelo menos até Charles III, avô das crianças, decidir mudar o protocolo. "A partir do momento em que Charles ascedeu ao trono, os filhos de Harry e Meghan ganharam esses títulos. No entanto, é uma decisão dos próprios pais se os utilizarão ou não. O príncipe Edward e sua mulher, Sophie, por exemplo, tomaram a decisão de rejeitar os títulos reais para seus filhos", explicou ao Correio a historiadora britânica Elizabeth Norton, especialista sobre rainhas da Inglaterra e sobre a dinastia Tudor.

De acordo com o jornal The Guardian, Meghan afirmou, em entrevista à apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, em 2021, que ficou chocada ao ser informada que Archie não receberia proteção policial por não ter um título real. À época, sugeriu que a decisão teria sido tomada por conta da mistura racial dos filhos. Na mesma entrevista, Harry e Meghan disseram esperar que Archie receberia o título de príncipe depois que o avô chegasse ao trono. No entanto, contaram que os protocolos tinham mudado, em alinhamento ao desejo de Charles III de enxugar a monarquia, o que poderia impedir o filho de ganhar o título. 

Em 1917, o rei George V, pai de Elizabeth II, estabeleceu que filhos e netos de um soberano têm o direito automático a serem chamados de príncipes ou princesas. Ainda segundo o The Guardian, quando Archie nasceu, ele era bisneto de um soberano, não neto. No entanto, para evitar que ele se tornasse príncipe, o rei teria que emitir um documento chamado Carta Patente, alterando o direito. 

Exasperado com os incessantes ataques dos tabloides à esposa, Harry decidiu em 2020 se distanciar da família real, causando um terremoto na instituição. Ele reconstruiu a vida na Califórnia com Meghan. Na mesma entrevista a Oprah Winfrey, o casal expressou seus rancores contra a família real, insinuando que era racista.