A Marinha colombiana realizou, durante este fim de semana, uma "demonstração de força" em vários bairros de Buenaventura, principal porto do Pacífico devastado por duas gangues rivais com armamento pesado e que travam uma guerra às custas de uma população aterrorizada.
Os "Shottas" e os "Espartanos" lutam há meses pelo controle do narcotráfico e outras atividades ilegais, como venda de drogas no mercado interno, extorsão e sequestro no principal porto de exportação do país e na cidade mais importante do litoral pacífico, que será visitada nesta terça-feira (06/7) pelo presidente Gustavo Petro.
Aproximadamente 40% do comércio internacional da Colômbia passa por lá, além da maior parte da cocaína destinada aos Estados Unidos.
Com a atividade comercial e criminosa, a violência avança. A taxa de homicídios é uma das mais altas na Colômbia, com o total de 576 entre 2017 e 2021, segundo a Fundação Paz e Reconciliação (Pares), que não contabiliza sequestros nem desaparecimentos forçados.
"Os dois grupos se apoderaram do comércio legal, especialmente o de alimentos: ovos, queijo, frutas... Nada lhes escapa. A ponto de conseguirem fixar o preço de certos alimentos básicos", diz o pesquisador da Pares, Juan Manuel Torres, à AFP.
"O que estamos presenciando neste momento é uma nova guerra urbana, onde o que está em jogo é o controle territorial dos bairros", explica Torres, que alerta que "a situação saiu do controle".
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"Casas de pau a pique"
O incidente mais recente foi no dia 30 de agosto, quando membros das duas gangues se enfrentaram durante várias horas com armas automáticas, numa "noite do terror". Com uma população entre 350.000 e 500.000 habitantes, sendo 90% afro-colombiana, Buenaventura está afogada no coração do manguezal com bairros populares reinados pela máfia em ambos os lados.
"Shottas" e "Espartanos" sucederam os paramilitares e os guerrilheiros, que se financiavam com o narcotráfico e aterrorizavam a população local com massacres e atentados até os anos 2000.
Nascidas dentro do mesmo grupo criminoso, o "La Local", as duas gangues estenderam consideravelmente seu domínio desde o final de 2020 para todos os lados do pântano na redondeza da cidade, submetendo Buenaventura a uma violência com tiroteios, sequestros e extorsões.
Além disso, sinistras "casas de pau a pique", como chamam os habitantes, são espaços para os corpos dos sequestrados serem desmembrados antes de serem jogados na água, fora de vista. Segundo dados oficiais, ao menos 880 pessoas desapareceram em Buenaventura nas últimas duas décadas, a maioria à força.
"Fronteiras invisíveis"
Enquanto o novo presidente da esquerda Gustavo Petro é esperado na terça-feira em Buenaventura para tentar implementar seu grande projeto de "paz total" para o país, a Marinha colombiana e a polícia patrulham os bairros dia e noite.
Sua presença se concentra nas ruas mais afetadas pela violência, com frequência nas áreas de embate entre os dois grupos, chamadas de "fronteiras invisíveis". Os disparos são quase diários e os moradores assustados permanecem em suas casas ao anoitecer.
Durante as patrulhas, os membros da força pública avançam com cautela. "Os bandidos podem disparar contra nós a qualquer momento", avisa o tenente-coronel Samuel Aguilar, comandante do 24º Batalhão de Infantaria de Fuzileiros Navais.
"Os dois grupos estão em guerra entre si por aqui e não gostam que interfiramos", confirma Aguilar. "Junto com a polícia, intervimos para que não se posicionem nos bairros e coloquem a população civil em risco", acrescenta o oficial, que reconhece a dificuldade de sua missão.
"Houveram muitas mudanças em Buenaventura no último ano, e infelizmente não a favor da comunidade", conclui o tenente-coronel.
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