Os 14 peritos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) partiram da cidade de Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, a bordo de cinco SUVs brancos identificados com a bandeira azul da Organização das Nações Unidas (ONU). Depois de viajarem cerca de 120km, chegaram à usina nuclear de mesmo nome e decidiram permanecer no local pelo menos até segunda-feira. O trajeto até a central ocupada pelas forças russas desde março foi marcado pela tensão. "Houve momentos em que os combates eram óbvios, disparos de metralhadoras pesadas e de artilharias de morteiros. Por duas ou três ocasiões, foi algo muito preocupante, eu diria, para todos nós", declarou Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), um dos integrantes da comitiva.
"Conseguimos algo muito importante hoje. O importante é que a AIEA está aqui. Permitam que o mundo saiba que a AIEA está em Zaporizhzhia", acrescentou Grossi, em um vídeo divulgado pela agência de notícias russa RIA Novosti. O chefe da missão disse à imprensa que "é evidente que a integridade física da usina foi violada em várias ocasiões". "Carecemos de elementos de avaliação, mas isso não pode acontecer novamente, advertiu o argentino, ao explicar que os peritos terão muito trabalho na análise de "certos aspectos técnicos". "Pudemos visitar todo o local. Eu estive nas unidades (de reatores), vi o sistema de emergência e outros espaços, as salas de controle", relatou. De acordo com Grossi, a missão pretende estabelecer "presença contínua" na instalação nuclear, sem oferecer detalhes.
Horas antes da chegada dos especialistas, novos bombardeios ocorridos pela manhã obrigaram a operadora ucraniana a desativar a rede elétrica de um dos seis reatores. "Esta foi a segunda vez nos últimos 10 dias que ações criminosas dos militares russos levaram ao fechamento da unidade", anunciou a Energoatom.
Dano
John Erath, diretor de Política Sênior do Centro para Controle de Armas e Não Proliferação (em Washington), explicou ao Correio que os técnicos da AIEA precisarão de vários dias para uma completa avaliação e análise de possíveis riscos. "Está claro que eles observaram que há algum dano à instalação de Zaporizhzhia, mas teremos de aguardar pelo relatório para conhecermos as conclusões da agência", disse. De acordo com ele, há muitos relatos de combates perto da usina nuclear, pelos quais os lados se acusam mutuamente.
"Os observadores internacionais ajudarão a compreender o que ocorre lá e quais os riscos envolvidos. Como é improvável que a guerra termina em breve, uma presença internacional poderia ser útil para garantir que nem russos, nem ucranianos, tomem ações que coloquem em perigo a segurança da usina e de toda aquela região", comentou Erath.
Gerente de transferência de conhecimento e de pesquisa do King's College London e pós-doutor em energia nuclear, Ross Peel disse ao Correio que a presença da AIEA em Zaporizhzhia é vital para estabelecer "um pouco da verdade real" sobre a situação no terreno. "Durante meses, ambos os lados têm se acusado mutuamente de ataques à usina. Nós escutamos relatos de funcionários da central de que eles são mantidos sob a mira de armas, e que as tropas da Rússia armazenam armas e carros nos prédios que abrigam os reatores", afirmou.
Para Peel, a AIEA poderá coletar evidências sobre o que ocorre de fato, além de reduzir a determinação das forças militares em atacar a usina e de melhorar as condições para os funcionários ucranianos no local. "Entendo que suas tarefas serão examinar a segurança e o equipamento de proteção, reportar sobre sua operacionalidade, avaliar condições de trabalho na usina, e realizar 'salvaguardas' nucleares. Isso inclui a verificação de todo o material nuclear remanescente na usina e que não foi removido ou modificado", concluiu.