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Territórios da Ucrânia ocupados por militares russos votam pela anexação

Entre 87% e 99% dos cidadãos de Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson expressaram o desejo de se tornarem parte da Rússia, segundo autoridades pró-Moscou. China, EUA e ONU rejeitam referendos. Zelensky descarta diálogo com Putin

Rodrigo Craveiro
postado em 28/09/2022 06:00
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

As autoridades de ocupação responsáveis pelo referendo sobre a anexação à Rússia — que começou na sexta-feira e se encerrou na terça-feira (27/9) — anunciaram que os cidadãos das regiões de Kherson e Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, e de Donetsk e Luhansk, no leste, votaram de forma esmagadora pelo "sim". Os resultados foram divulgados no fim da tarde de ontem: na chamada República Popular de Luhansk, 98,42% dos eleitores teriam optado por se tornarem parte da Rússia. Em Kherson e em Zaporizhzhia, respectivamente, 87,05% e 93,11% escolheram pela adesão. A República Popular de Donetsk teria registrado 99,23% de apoio pela anexação.

De acordo com a emissora britânica BBC, serviços de inteligência do Reino Unido alertam que o presidente russo, Vladimir Putin, deverá decretar a anexação dos territórios em pronunciamento ao Parlamento, na sexta-feira (23/9).  

Importante aliada da Rússia, a China pediu ao Conselho de Segurança da ONU o "respeito à integridade territorial de todos os países". "A China tomou nota dos últimos desenvolvimentos na Ucrânia. (...) Nossa posição é clara e consistente: a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas", declarou Zhang Jun, embaixador chinês nas Nações Unidas.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, voltou a alertar Moscou sobre as consequências do referendo. "Nós e muitos outros países deixamos isso claro. Nunca vamos reconhecer a anexação do território ucraniano pela Rússia", avisou. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) denunciou uma "violação flagrante do direito internacional".

Em discurso gravado para o Conselho de Segurança, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, advertiu que Kiev não mais negociará com Moscou depois da realização dos referendos. "O reconhecimento pela Rússia dos 'pseudo-referendos' como 'normais', a aplicação do mesmo plano que na Crimeia, é uma nova tentativa de anexar uma parte do território ucraniano, o que significa que nós não negociamos com o atual presidente russo", declarou. Ele também prometeu que "defenderá seu povo" nas regiões que votaram pela anexação. A ONU se disse comprometida com a "integridade territorial" da Ucrânia "dentro de fronteiras reconhecidas".

"Fraudulento"

Diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev disse ao Correio que não se surpreendeu com o grande número de votos pelo "sim", a favor da anexação. Ele lembra que não houve um processo eleitoral, nem nada que remetesse à imagem de um referendo. "Parte da votação foi totalmente virtual, os dados foram predeterminados. Cinegrafistas filmaram um grande número de pessoas votando a favor dos russos. Foi um exercício totalmente fraudulento e falso", assegurou. 

Zalmayev aposta que nenhuma nação do Ocidente reconhecerá as regiões virtualmente anexadas pela Rússia. "Também  não creio que a Ucrânia deterá a contraofensiva. Esses 'referendos' foram necessários para que Putin mobilize os ucranianos que vivem nesses territórios e os lancem à guerra contra a Ucrânia. Trata-se de uma ideia animalesca e cruel. É estúpido esperar que meus compatriotas lutem contra outros ucranianos", criticou. O Kremlin espera recrutar pelo menos 80 mil combatentes. 

Analista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov acredita que as autoridades pró-Moscou seguirão a mesma cartilha da anexação da Península da Crimeia, em 2014. "Acho que haverá o reconhecimento de Kherson e de Zaporizhzhia como 'Estados independentes' e uma decisão sobre o estabelecimento de novos cidadãos da Rússia, também em Donetsk e em Luhansk. Depois disso, a escalada da guerra no front será algo altamente provável. As forças russas poderão usar, inclusive, armas nucleares táticas", disse à reportagem. "Os referendos e possíveis eventos futuros aumentarão a tensão."

Ameaça nuclear

Enquanto os territórios ocupados concluíam a contabilização dos votos, a Rússia ameaçou novamente recorrer ao arsenal nuclear. "A Rússia tem o direito de usar a arma atômica, caso seja necessário", declarou o ex-presidente e agora número dois do Conselho de Segurança russo, Dmitri Medvedev. Porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov confirmou a posição de Moscou e lembrou que a doutrina militar russa contempla a possibilidade de responder com armas nucleares em caso de ataques à soberania.

Na opinião de Peter Zalmayev, a chantagem nuclear não deverá funcionar. "Não sei se Putin estaria perto de causar um desastre nuclear. Mas vejo sinais de que o Ocidente leva a sério as ameaças de Putin e, ainda assim, se nega a curvar-se ao Kremlin", observou. Ele entende que a anexação de territórios por parte da Rússia abriria um precedente perigoso. "Um determinado país poderia deslocar suas armas nucleares a territórios vizinhos para, depois, anexá-los."

Êxodo

No cenário do front, prossegue o êxodo de homens russos resistentes ao recrutamento militar. A Geórgia relatou 10 mil cidadãos da Rússia cruzando a fronteira diariamente, mais do que o dobro da taxa normal. O Cazaquistão registrou 98 mil travessias de cidadãos russos na fronteira desde 21 de setembro.

A Frontex, agência responsável pelas fronteiras da União Europeia (UE), informou que cerca de 66 mil russso entraram no bloco entre 19 e 25 de setembro, 30% a mais que na semana anterior. As chegadas à Finlândia e à Mongólia também têm sido numerosas.

Kremlin admite erros na mobilização de combatentes

Em meio à oposição interna crescente e à fuga de homens e jovens da Rússia, o Kremlin admitiu pela primeira vez erros na mobilização parcial de 300 mil reservistas russos para combaterem na Ucrânia. "Há casos em que o decreto foi violado. Todos os erros serão corrigidos", afirmou o porta-voz do presidente Vladimir Putin. Entre os problemas constatados, está a convocação de pessoas sem qualquer experiência militar, de idosos e até mesmo de pessoas com deficiência física. Na foto, padre ortodoxo asperge água benta sobre reservistas durante cerimônia de embarque em Sebastopol, na Península da Crimeia, anexada em 2014 pelas forças de Moscou.

 


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Hiperfoto - Kremlin admite erros na mobilização de combatentes

 (crédito: AFP)
crédito: AFP

Em meio à oposição interna crescente e à fuga de homens e jovens da Rússia, o Kremlin admitiu pela primeira vez erros na mobilização parcial de 300 mil reservistas russos para combaterem na Ucrânia. "Há casos em que o decreto foi violado. Todos os erros serão corrigidos", afirmou o porta-voz do presidente Vladimir Putin. Entre os problemas constatados, está a convocação de pessoas sem qualquer experiência militar, de idosos e até mesmo de pessoas com deficiência física. Na foto, padre ortodoxo asperge água benta sobre reservistas durante cerimônia de embarque em Sebastopol, na Península da Crimeia, anexada em 2014 pelas forças de Moscou. 

 

 

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