Irã

Mulheres se revoltam e queimam hijab em protesto após morte de jovem no Irã

Uma das primeiras mulheres iranianas a se levantar contra o uso do hijab, em 2018, Maryam Shariatmadari, 37 anos, foi presa e torturada, antes de fugir para o Canadá

Rodrigo Craveiro
postado em 23/09/2022 06:00
 (crédito: Twitter/Reprodução)
(crédito: Twitter/Reprodução)

Os protestos após a morte de Mahsa Amini — a jovem iraniana de 22 anos presa pela polícia da moral, em 16 de setembro, por usar o hijab (véu islâmico) de maneira inapropriada — se espalharam por mais de 50 cidades do Irã e foram reprimidos com violência. Até o fechamento desta edição, 31 pessoas tinham morrido durante as manifestações contra o regime teocrático dos aiatoltás. Nos últimos seis dias, em um gesto desafiador, mulheres publicaram nas redes sociais fotos em que aparecem cortando os cabelos. No entanto, foram os vídeos de hijabs lançados ao fogo que viralizaram na internet. 

Ontem, o Departamento do Tesouro dos EUA responsabilizou a polícia moral do Irã pela morte de Amini e anunciou sanções econômicas à instituição, sob a justificativa de "abuso e violência contra as mulheres iranianas e violação dos direitos dos manifestantes iranianos pacíficos". À margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, prometeu investigar o caso Amini e acusou o Ocidente de "hipocrisia" por exacerbar preocupações. "Certamente será investigada", disse Raisi a jornalistas, ao apontar que os relatórios oficiais descartaram abusos da polícia. 

Uma das primeiras mulheres iranianas a se levantar contra o uso do hijab, em 2018, Maryam Shariatmadari, 37 anos, foi presa e torturada, antes de fugir para o Canadá. Em entrevista ao Correio, a ativista explicou que, sob a sharia (lei islâmica), as mulheres são legalmente obrigadas a cobrir o cabelo e o pescoço, quando estivem em público. "A remoção do hijab é um ato de desobediência civil pacífica contra uma lei injusta que viola direitos humanos básicos e a dignidade das mulheres", comentou. "As iranianas apenas querem o direito básico de escolherem. Elas estão sendo mortas por aqueles que se chamam policais. Precisamos de ajuda."

Diretor da ONG Iran Human Rights (em Oslo), Mahmood Amiry-Moghaddam disse à reportagem que os protestos contra a morte de Mahsa Amini foram a última gota que transbordou do corpo d'água. "Os iranianos têm vivido sob esse regime por mais de 40 anos. Algumas das pessoas que saíram às ruas nasceram durante o regime e se identificaram com Mahsa. A maioria das mulheres iranianas foi assediada pela polícia da moral. Elas têm medo quando veem uma viatura. O assasassinato de Mahsa as deixou tão irritadas que decidiram se expressar. Não se importam mais se as autoridades  estão armadas e se dispararão contra elas", afirmou o ativista, baseado em Oslo.  

Para Amiry-Moghaddam, as iranianas escolheram queimar o hijab por entendê-lo como "símbolo da autoridade dos iranianos". "O véu islâmico tornou-se o próprio regime. Por isso, as mulheres estão lançando-o ao fogo. É uma forma de mostrar sua raiva por mais de quatro décadas de opressão. Elas estão nas ruas para conseguirem seus direitos humanos fundamentais e sua dignidade", observou.

O ativista lembra que, ao contrário de protestos anteriores, a revolta expressa pelos iranianos parece muito maior. "Temos seguido a situação no Irã por mais de 15 anos. Nunca vi o povo tão irado e com tão pouco medo. Vale lembrar que a Primavera Árabe começou na Tunísia depois de um homem se autoimolar. Se as autoridades iranianas não tiverem êxito em suprimir os protestos, eles continuarão. Estamos preocupados, pois sabemos que o regime é capaz de matar o maior número de pessoas. A internet foi bloqueada em grande parte do Irã. Tememos um banho de sangue", advertiu Amiry-Moghaddam.

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Eu acho...

 (crédito: Peter Berntsen/AFP)
crédito: Peter Berntsen/AFP

"Todos os protestos foram provocados pela morte de Mahsa Amini. No entanto, o regime iraniano privou os cidadãos dos mais básicos direitos humanos por muitos anos. O regime não é apenas uma ditadura que controla a liberdade de expressão, mas também interfere nas partes mais privadas da vida das pessoas. As autoridades decidem o que você deve vestir, o que deve beber e comer. A combinação de um regime opressivo, incompetente e corrupto deixa as pessoas muito nervosas."

Mahmood Amiry-Moghaddam, diretor da organização não-governamental Iran Human Rights

"Centenas de milhares de iranianos estão nas ruas para obterem seus direitos. Viver 43 anos sob uma ditadura religiosa mostrou-lhes que eles têm de conquistar esses direitos nas ruas. Tentamos isso de todas as formas. Durante esses 43 anos, o regime brutal matou centenas de milhares de pessoas. Em 2019, eles cortaram a internet e mataram mais de 1.500 pessoas em apenas três dias. Agora, fazem o mesmo: bloqueiam a internet e assassinam os cidadãos."

Maryam Shariatmadari, 37 anos, ativista iraniana, pioneira na luta contra o uso do hijab

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