O gerente de transportes norte-irlandês Colin Logan, 57 anos, e a mulher, Joan, aguardaram a passagem da comitiva atrás da Catedral St. Annes, no centro de Belfast. Às 14h52 (10h52 em Brasília), o carro levando o rei Charles III e a rainha consorte Camilla Parker Bowles passou por eles. A primeira visita do soberano à Irlanda do Norte ocorreu sob tensão. O filho primogênito da falecida rainha Elizabeth II terá a missão de lidar com a ameaça secessionista e buscar uma reconciliação em um dos quatro países que compõem o Reino Unido — com Inglaterra, Escócia e País de Gales. "Fomos dar as boas vindas e mostrar o nosso respeito ao rei. Testemunhamos a chegada dele a Belfast para a cerimônia religiosa em memória de Elizabeth II. Pude vê-lo nos degraus da catedral, cumprimentando a multidão", contou Logan ao Correio. Seis horas depois, o corpo de Elizabeth II chegava ao Palácio de Buckingham, em Londres, para a última etapa da despedida.
"Foi muito importante para nós, da Irlanda do Norte, vermos o novo rei aqui. Estou muito orgulhoso e humilde em ser um súdito leal da Coroa. Muito feliz em termos Charles III, mas triste por perdermos Elizabeth II", disse Logan. Ele lembra que a Irlanda do Norte tem uma história de lealdade dividida entre a Irlanda e a Grã-Bretanha. "Eu nasci em 1965, vivi os piores e os melhores momentos que essa bela terra teve para nos dar. Aqueles que desejam deixar a Grã-Bretanha e se tornar uma Irlanda Unida têm o seu lugar, mas vivemos em uma democracia. A maioria dos norte-irlandeses deseja permanecer no Reino Unido", acrescentou.
Andrew Blick, diretor do Departamento de Economia Política do King's College London, afirmou ao Correio que a visita do rei Charles III à Irlanda do Norte deve ser vista sob o prisma da unicidade do reino. "Charles mostra que é o rei de toda a União, não apenas da Inglaterra, mas de outras partes do território, cujo status tem sido contestado", explicou.
O especialista lembrou que, de acordo com os termos do Acordo de Belfast (ou Acordo da Sexta-feira Santa), o futuro status da Irlanda do Norte está sujeito aos desejos da própria população norte-irlandesa. "Se eles votarem em um referendo para abandonarem o Reino Unido e se unirem à República da Irlanda, poderão fazê-lo. Essa é a base do processo de paz. Nesse sentido, não cabe a Charles impedir a secessão, mas mostrar que a Irlanda do Norte é um de seus reinos", comentou Blick. Em 1921, depois da independência da Irlanda, os britânicos mantiveram este pedaço da ilha, e a região separou-se entre católicos e protestantes.
Na segunda-feira, Charles III visitou a Escócia, que estuda realizar novo referendo de independência. Durante a visita à Irlanda do Norte, ele se encontrou com líderes políticos da região no Castelo de Hillsborough, no sul de Belfast, e recebeu condolências de unionistas — os quais defendem o status quo de pertencimento à Coroa britânica — e de republicanos, que sentem a oportunidade de abandonar o Reino Unido e se reunificar com a República da Irlanda. "Assumo minhas novas tarefas determinado a buscar o bem-estar de todos os habitantes da Irlanda do Norte", anunciou o rei. Por três décadas, os unionistas protestantes e os republicanos católicos travaram confrontos sangrentos, que deixaram 3.500 mortos e envolveram também o Exército do Reino Unido.
Unionista, Logan crê que a Irlanda do Norte e a Irlanda um dia serão uma "Irlanda Unida". "Isso está longe de ocorrer. Os jovens não desejam o passado. Querem paz, diversão e risos, além de tempo para viverem livremente", observou. Michelle O'Neill, vice-presidente do Sinn Fein, antigo braço político do extinto Exército Republicano Irlandês (IRA), admitiu ontem que Elizabeth II "foi uma líder corajosa". Ela estendeu a "mão amiga" a Charles III e destacou "a importante contribuição" da falecida rainha "para alcançar a paz e a reconciliação entre as diferentes tradições da nossa ilha e entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido durante os anos de processo de paz".
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"Não suporto essa maldita coisa!"
A paciência deveria ser uma virtude dos nobres. No entanto, o rei Charles III provou que lhe falta essa qualidade. Ao assinar o livro de condolências em memória da mãe, no Castelo de Hillsborough, em Belfast, o monarca se confundiu com a data e demonstrou irritação com o fato de a caneta ter vazado tinta. "Eu tenho que colocar... É 12 de setembro?", perguntou Charles III a um homem na sala. "Treze, senhor", respondeu. "Oh, Deus, coloquei a data errada. (...) Oh, Deus, odeio isso", disse o monarca, ao entregar a caneta à rainha consorte, Camilla, e limpar as mãos com um lenço retirado do bolso. "Não suporto essa maldita coisa. O que eles fazem... Toda hora fedendo", reagiu Charles.
Corpo de Elizabeth II chega a Londres para velório
O caixão com o corpo de Elizabeth II chegou, no início da noite de ontem, a Londres para seis dias de homenagens populares e um funeral de Estado, após o adeus dos escoceses à sua rainha, falecida na quinta-feira aos 96 anos, depois de sete décadas no trono. Milhares de pessoas enfrentaram o dia chuvoso para receber, com aplausos e as lanternas de seus celulares acesas, a chegada do féretro ao Palácio de Buckingham, onde passou a noite cercado pela família real, chefiada pelo novo monarca, Charles III.
A reta final da última viagem de Elizabeth II levou mais de uma hora desde a base militar de Northolt, onde um avião C-17 Globemaster, recentemente utilizado em missões de ajuda à Ucrânia, pousou às 18h54 locais (14h54 de Brasília), transportando o caixão.
A única filha da rainha, a princesa Anne, de 72 anos, acompanhou todo o trajeto. "Tive a sorte de compartilhar as últimas 24 horas da vida de minha amada mãe. Foi uma honra e um privilégio acompanhá-la em sua última jornada", afirmou a princesa em um comunicado, em que agradeceu as demonstrações de "amor e respeito" à falecida.
A primeira homenagem aberta ao público aconteceu na Escócia, onde Elizabeth II morreu no castelo de Balmoral, a residência de verão da realeza. Desde segunda-feira, dezenas de milhares de pessoas passaram pela capela ardente instalada na Catedral de Saint Giles, em Edimburgo.
Morador da cidade, Gavin Hamilton ficou na fila por mais de cinco horas e só conseguiu entrar na catedral às 2h50. E milhares de pessoas continuavam à espera de prestarem suas homenagens. "Havia pessoas que vieram de Aberdeen, a quase 100 milhas (160km)", disse. "A Escócia se despediu de nossa rainha com tristeza, mas com carinho. Nunca mais a veremos", escreveu a chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon.
Aberto ao público
Depois de passar a noite no 'Bow Room' do Palácio de Buckingham (salão onde a rainha jantava com dignitários), ao lado da família, o corpo será levado hoje para o Westminster Hall, a ala mais antiga da sede do Parlamento. Centenas de milhares de pessoas devem passar pelo local para prestar homenagem à rainha.
O governo alertou que as pessoas podem ser obrigadas a passar várias horas na fila antes de se aproximarem do caixão. "Levem isto em consideração antes de decidir sobre comparecer ou trazer crianças", advertiu Downing Street. Desde segunda-feira, vários britânicos aguardavam diante do Parlamento, 48 horas antes da abertura ao público.
Os londrinos terão vários dias para prestar homenagens à monarca, até as primeiras horas de segunda-feira, 19, dia em que seu funeral de Estado será realizado na Abadia de Westminster e ela será enterrada em Windsor.
Fortuna aumentou em 50%
De acordo com o jornal The New York Times, o rei Charles III aumentou seu patrimônio em 50% na última década, depois de montar uma equipe de adminstradores profissionais que conseguiram incrementar o valor e os lucros de seu portfólio. Com a morte da rainha Elizabeth II, a fortuna deverá crescer exponencialmente — a monarca tinha cerca de 370 milhões de libras em 2022 (cerca de R$ 2,2 bilhões). As propriedades de Charles III incluem o estádio de críquete The Oval, grandes fazendas no sul da Inglaterra, casas de aluguel à beira-mar e escritórios em Londres.