"É o fim de uma era. A morte de Elizabeth II terá um impacto de longa duração sobre o Reino Unido. A rainha era a matriarca da nação, que está perturbada por seu falecimento", admitiu ao Correio o britânico Mark Borkowski, especialista em relações públicas e em questões da imagem da realeza britânica. Ele acredita que a estrutura da monarquia será remodelada com a ausência de Elizabeth II.
"A monarquia, sob o rei Charles III, será forçada a mudar e a responder aos anseios das gerações mais jovens. Nós temos vivido em um reino por sete décadas. Durante esse tempo, o mundo sofreu mudanças culturais significativas. Charles III também terá que reduzir o grande custo da monarquia para o país, algo repleto de anacronismo", avaliou Borkowski, morador de Londres.
De acordo com ele, a monarquia precisa lidar, ainda, com as consequências de transtornos entre as Casas de Sussex — à qual pertencem o príncipe Harry e sua esposa, a ex-atriz americana Meghan — e de Cambridge, da qual fazem parte o irmão e também príncipe William (agora herdeiro imediato ao trono) e sua mulher, Kate Middleton. "Isso fraturou o futuro da monarquia. No entanto, Elizabeth II orientou profundamente a instituição durante essas turbulências. Isso deve ter sido doloroso para ela", admitiu Borkowski. Harry e Meghan chegaram a acusar a família real de racismo e se mudaram para os Estados Unidos em 2020.
Questionado pela reportagem se o rei Charles III conseguirá "consertar" os danos causados à monarquia pela crise entre as Casas de Sussex e de Cambridge, Borkowski afirmou que, por enquanto, não existe resposta. "Muitos se perguntam até que ponto o novo monarca poderá remdelar a monarquia, de maneira que ela se torna relevante, no século 21, para uma geração que não deseja estabelecer profundas conexões com a tradição. Muitas nações da Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações), sem dúvida, buscarão a própria identidade. Suspeito que essas nações não queiram ter Charles como chefe de Estado constitucional."
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Resiliência
Especialista em família real britânica e jornalista do The Independent, Sean O'Grady afirmou ao Correio que Elizabeth II tinha tanto prestígio e carisma, que conseguiu mantê-los mesmo em tempos de profundas mudanças sociais, desde 1952. "Nos anos 1960, e depois da morte da princesa Diana, em 1997, os súditos questionavam a monarquia. No entanto, Elizabeth II a adaptou, recebeu conselhos de seus primeiros-ministros e manteve a Casa de Windsor em segurança. O sentimento republicano sempre esteve presente em cerca de um quinto da população britânica, mas os monarquistas fanáticos são muito mais numerosos", explicou.
O'Grady lembra que, enquanto várias instituições do Reino Unido estiveram sob pressão nos últimos 70 anos, a monarquia resistiu. "Exceto por uma década, nos anos 1600, ela tem durado mais de mil anos", comentou. No entanto, ele destacou que uma das grandes e perenes questões é sobre como a monarquia conquista a fidelidade dos súditos mais jovens. "A questão aqui é que a geração mais jovem é mais apática e menos comprometida com a realeza — mas também muito menos envolvida politicamente. A instituição provavelmente perdeu com o exílio de Harry e de Meghan."
Professor emérito da Universidade de Buckingham, Anthony Glees concorda e ressaltou que não houve um momento em que o Reino Unido tenha ficado sem o comando de um monarca. "É um segredo aberto que Charles estava muito ansioso em ser rei e suceder a mãe. Ele não tem o mesmo sorriso maravilhoso da rainha; ele ri, mas não sorri, como Elizabeth II sempre fazia. É impossível imitá-la", disse à reportagem.
Por sua vez, Cele Otnes, professora emérita da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA), espera que Charles III "enxugue um pouco" a monarquia. "O teste real será o tipo de cerimônia de coroação que o novo rei realizará em alguns meses. Provavelmente, ela não ocorrerá antes do próximo ano, a fim de permitir um tempo de luto adequado pela rainha", explicou, por e-mail. "Não sei até que ponto ele será uma figura unificadora. Monarcas não têm poder político. Então, Charles III precisará ser um unificador baseado somente no carisma. Existe um sentimento de que, como um rei de 73 anos, ele terá dificuldades para manter o brilho da Coroa", concluiu Otnes, autora de Royal Fever: The british monarchy in consumer culture ("Febre real: a monarquia britânica na cultura do consumo").