O medo de um desastre nuclear de proporções desconhecidas levou a Ucrânia a apoiar o envio de capacetes azuis da Organização das Nações Unidas (ONU) à usina nuclear de Zaporizhzhia, no centro-sul do país. Na terça-feira, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tinha defendido a criação de uma "zona de segurança" em torno da instalação, alvo de bombardeios e sob a ocupação de tropas da Rússia. "Mobilizar o contingente de manutenção de paz e retirar os militares russos pode ser um dos meios para criar a zona de segurança na central nuclear de Zaporizhzhia", afirmou Petro Kotin, diretor da Energoatom, a operadora nuclear estatal ucraniana, citado pela agência de notícias France-Presse (AFP).
Inspetores da AIEA classificaram a situação em Zaporizhzhia como "insustentável" por conta dos bombardeios. Oleg Korikov, diretor interino da agência de segurança nuclear da Ucrânia, advertiu que, caso o núcleo de um dos dois reatores operacionais sofra avarias, "haverá consequências não somente para a Ucrânia, mas também além das fronteiras". Ao longo das últimas semanas, Zaporizhzhia tem sido, por repetidas vezes, desconectada da rede elétrica por motivos de segurança. Uma central nuclear precisa ter os sistemas de eletricidade ligados para garantir o resfriamento do combustível radioativo utilizado. O superaquecimento pode provocar escape de radiação.
Korikov explicou que Zaporizhzhia está sob risco de entrar em uma situação na qual os sistemas de segurança dependam da energia de reserva — à base de diesel. "Em tempos de guerra, é muito difícil repor as reservas de diesel, que exigem quatro tanques por dia", disse. "Potencialmente, podemos enfrentar uma falta de diesel, o que pode provocar um acidente que danifique o núcleo do reator e, em consequência, liberar produtos radioativos no meio ambiente."
Diretor de Política Sênior do Centro para Controle de Armas e Não Proliferação (em Washington), John Erath disse ao Correio que, além de pedir a presença de capacetes azuis, a AIEA também instou a criação de uma zona protegida no entorno da usina de Zaporizhzhia e o fim das ações militares na região. "Esses seriam passos importantes para minimizar o perigo. No entanto, é improvável que a Rússia abra mão de uma infraestrutura tão importante. Parte da estratégia de Moscou envolve colocar tais instalações em risco, mantendo-as sob seu poder para forçar a Ucrânia a parar de resistir. Permitir a entrada da ONU ou da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) removeria essa ferramenta da política russa", comentou.
Riscos
Segundo ele, a presença da AIEA pode ajudar a mitigar os riscos representados pelos bombardeios à central. No entanto, Erath destaca a urgente necessidade de desmilitarização da área. "Qualquer acidente nuclear em Zaporizhzhia teria efeitos de longo alcance. A explosão na usina de Chernobyl aumentou os índices de radiação em mais de dez países europeus. A Rússia escolheu um caminho muito perigoso", alertou, ao citar o maior desastre nuclear da história, em 26 de abril de 1986, na cidade de Pripiat, norte da Ucrânia.
O especialista acredita que a AIEA divulgará um relatório mais completo sobre a situação em Zaporizhzhia. "A declaração inicial cuidadosamente evitou culpar um ou outro lado pelos bombardeios. Ainda que ambos fossem afetados por um vazamento de radiação, os piores efeitos estariam sobre a Ucrânia. Por isso, é mais provável que a Rússia seja a responsável pelos ataques."
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, negou que tenha instalado equipamentos militares em Zaporizhzhia. Um relatório da AIEA, divulgado na terça-feira, denunciou "a presença de material militar russo no interior da central nuclear". Moscou pediu "esclarecimentos" à ONU sobre o documento. "Há vários pontos problemáticos no relatório", declarou o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov.
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ONU duvida de caráter pacífico do programa iraniano
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) alertou que "não pode garantir" que o programa nuclear do Irã seja usado para "fins exclusivamente pacíficos". Um relatório confidencial do organismo, ao qual a France-Presse teve acesso, aponta que não há "progresso" em relação a três instalações não declaradas nas quais foram descobertos vestígios de urânio. No texto, o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, mostrou-se "cada vez mais preocupado" com a falta de cooperação de Teerã. Além de pedir à República Islâmica que "cumpra com suas obrigações legais" e preste "explicações tecnicamente credíveis", a AIEA denuncia o desligamento de 27 câmeras de vigilância de vários locais.
Analista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin, em Monterey (na Califórnia), Miles Pomper afirmou ao Correio que Teerã recusou-se a fornecer à AIEA acesso suficiente para garantir que o material nuclear seja contabilizado. "A declaração da agência é um reflexo de sua frustração ante a incapacidade de fazer o trabalho."
Pomper admitiu incômodo em relação ao fato de o Irã armazenar 19 vezes mais urânio enriquecido do que o limite estabelecido pelo Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), o acordo firmado com o Ocidente, em 2015. Por sua vez, Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA em Varsóvia, Londres e Moscou, disse à reportagem que, quanto mais urânio enriquecido o Irânio possuir, menos será o tempo necessário para a fabricação de material adequado para uso em bombas. "Com o atual estoque de urânio enriquecido, Teerã poderia produzir urânio para uma arma nuclear muito mais rapidamente do que sob os termos do JCPOA."
"Honramos nossos compromissos"
Por Hossein Gharibi
"Se a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não está em posição de confirmar a exatidão e a integridade da declaração do Irã, isso não significa que as atividades nucleares de nosso país não sejam pacíficas. Geralmente, a AIEA tem em mãos um Acordo de Salvaguardas Abrangente e um Protocolo Adicional para chegar a essa conclusão.
Por meio da implementação do JCPOA, a AIEA tinha um mecanismo muito abrangente para monitoramento e verificação no Irã. Isso ocorreu quando a agência, em seus 15 relatórios periódicos, confirmou a natureza pacífica das atividades nucleares do Irã. A retirada dos EUA do acordo minou este mecanismo, que era o mais amplo. Se a AIEA não pode trabalhar como antes, não é o Irã o culpado, pois honramos nossos compromissos plenamente e de boa fé.
O diretor-geral da AIEA deveria dizer, claramente, os fatos por trás da situação atual, e não apenas fazer declarações ambíguas, que possam enganar a audiência. A politização do mandato técnico da AIEA acabará por minar a própria agência."
Embaixador do Irã no Brasil — Depoimento ao Correio
Eu acho...
"A presença da Agência Internacional de Energia Atômica pode ajudar a mitigar os riscos representados pelos bombardeios à usina de Zaporizhzhia. No entanto, existe uma necessidade urgente de desmilitarização da área, a fim de que não haja possibilidade de um desastre. Qualquer acidente nuclear teria efeitos de longo alcance. A explosão na usina de Chernobyl aumentou os índices de radiação em mais de 10 países. A Rússia escolheu um caminho muito perigoso."
John Erath, diretor de Política Sênior do Centro para Controle de Armas e Não-Proliferação, em Washington