Chile

Após fiasco com a nova Constituição, Boric reforma gabinete no Chile

Em aceno à centro-esquerda, presidente troca seis ministros e escolhe líderes da coalizão que governou o país entre 1989 e 2010 para as pastas do Interior e da Secretaria-Geral da Presidência. Especialistas veem medida crucial para manter a relação com o Congresso

Rodrigo Craveiro
postado em 07/09/2022 06:00
 (crédito: Martin Bernetti/AFP)
(crédito: Martin Bernetti/AFP)

Menos de 48 horas após 61,86% dos chilenos rejeitarem o projeto da nova Constituição apoiado pelo governo, o presidente do Chile, Gabriel Boric, trocou seis postos-chave no gabinete. Com a reforma ministerial, Boric fez um aceno à centro-esquerda, da ex-presidente Michelle Bachelet. "Faço essa mudança pensando em nosso país. As mudanças são sempre dramáticas no Chile. (...) Talvez seja, não preciso esconder, um dos momentos mais difíceis politicamente que tive que aceitar. E seguiremos em frente juntos pelos chilenos e pelo Chile", declarou ele, durante a solenidade em que empossou os novos ministros. Boric completará seis meses no governo no próximo domingo.

Ex-prefeita da comuna de Santiago, ministra de Estado no governo de Bachelet e ex-deputada, a cientista política Carolina Tohá, 57 anos, é a nova ministra do Interior. A advogada Ana Lyria Uriarte, 60, que atuou como ministra-presidenta da Diretoria da Comissão Nacional do Meio Ambiente, também na gestão Bachelet, foi designada à Secretaria-Geral da Presidência. Houve alterações, ainda, nas pastas da Saúde, da Ciência, da Energia e do Desenvolvimento Social, com as respectivas nomeações de Ximena Aguilera, Silvia Díaz, Diego Pardow e Giorgio Jackson.  

Pouco antes do anúncio da reforma, centenas de estudantes protestaram diante do Palácio La Moeda por mais verbas para a educação. Houve embates com a polícia de choque, a qual respondeu com bombas de gás lacrimogênio e canhões d'água.

Cientista político da Universidad de Santiago de Chile, Marcelo Mella explicou ao Correio que o objetivo das alterações feitas por Boric foi o de reorientar o governo rumo ao centro político, depois da derrota no plebiscito. "A rejeição da nova Carta Magna representou um duro golpe para Boric, principalmente pelo apoio e pelo compromisso dado ao processo da Constituinte. Com a derrota, o governo viu-se obrigado a buscar apoio complementar do Congresso. O deslocamento do governo para o centro supõe que entram no gabinete lideranças provenientes da antiga Concertación (o bloco reformista de centro-esquerda que governou o Chile desde 1989)", avaliou.

Mella afirmou que Tohá, do Partido pela Democracia (PPD), e Uriarte provêm da Concertación e terão maior incidência na condução do governo. "Uriarte, a nova secretária-geral da Presidência foi uma importante negociadora, no âmbito legislativo, durante a gestão Bachelet", comentou. 

María Jaraquemada, diretora executiva da ONG Chile Transparente, afirmou que Boric avisou que pretendia trocar o gabinete ministerial depois do plebiscito de domingo. "Havia muitas críticas a alguns dos ministros, principalmente Izkia Siches (Interior), que mostrou dificuldades no cargo, desde o início, e a quem faltava experiência política prévia. O mesmo se passou com o secretário-geral da Presidência, Giorgio Jackson", explicou ao Correio.

Experiência

Segundo ela, após a consulta popular sobre a nova Carta Magna, existia a possibilidade de que Boric distribuiria as cartas entre integrantes da antiga Concertación. "Essas pessoas têm uma bagagem política e podem contribuir, especialmente nas pastas do Interior e da Secretaria-Geral da Presidência, que são importantes para a relação com o Congresso, mas também na abordagem do conflito com os povos da etnia mapuche, no sul do país", comentou Jaraquemada. 

Professora da Faculdade de Governo da Pontificia Universidad Católica de Chile, Gloria De La Fuente admitiu à reportagem que a vitória do "Rechazo" ("Rejeito") no plebiscito de domingo implicou ao governo uma autocrítica e uma auto-análise que deve se prolongar por algum tempo. "Neste momento, uma sinalização era muito necessária e concreta. O governo havia antecipado que começaria uma nova etapa, uma vez que o plebiscito estivesse resolvido. Agora, Boric iniciará nova Constituinte", disse. 

De acordo com De La Fuente, o objetivo do presidente é preservar as relações com as coalizões que compõem o governo, como a Aprueblo Dignidad, que levou Boric ao poder, e o socialismo democrático. "Essas duas alianças sempre mantiveram diálogo com Boric, a fim de se instalarem no governo. O novo gabinete será formado por gente de muita experiência."

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 (crédito: Fotos: Arquivo pessoal)
crédito: Fotos: Arquivo pessoal

"Ao ver que não tinha maioria no Congresso, Boric sempre falou sobre o pacto de uma esquerda ampla, o qual incluiria a social-democracia. Além da relação com o Legislativo, tal pacto levaria em conta a experiência política prévia e a necessidade de negociar a continuação do processo da Constituinte. Carolina Tohá era aventada como um bom nome para esse desafio."

María Jaraquemada, diretora executiva da ONG Chile Transparente 

"A mudança de gabinete, por parte de Boric, teve como principal propósito ampliar a coalizão  parlamentar do governo. Inicialmente, o presidente Gabriel Boric contava com apenas 25% de apoio na Câmara dos Deputados e 10% no Senado. Essas cotas são absolutamente insuficientes para impulsionar tanto um novo processo da Constituinte quanto reformas inclusas no projeto de governo de Boric. Trata-se de uma reorientação política estratégica do governo para criar as condições de apoio necessitadas pelo governo, a fim de que continue sem bloqueio legislativo."

Marcelo Mella, professor de ciência política da Universidad de Santiago de Chile 

Estudantes protestam por melhorias na educação

Centenas de estudantes protestaram do lado de fora do palácio presidencial La Moneda exigindo mais recursos para a educação, horas antes que o presidente chileno Gabriel Boric reformasse o gabinete depois que uma nova Constituição foi rejeitada. "E a Constituição Pinochet vai cair e vai cair" e "E como, e como, e como está o 'weá' (a questão)? Há dinheiro para os policiais (Polícia) e não para estudar", gritavam os alunos, ao se aproximarem da sede do Ministério da Educação, ao lado do palácio. A manifestação forçou o bloqueio do trânsito e houve alguns incidentes isolados entre parte dos manifestantes e a polícia, que dispersou a mobilização com gás lacrimogêneo e canhões de água.

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