Doze anos de prisão, inabilitação perpétua para cargos públicos e apreensão da fortuna pessoal no valor de 5,3 bilhões de pesos (cerca de R$ 5,16 bilhões). Foi o que o Ministério Público da Argentina, na figura do promotor Diego Luciani, pediu como punição à vice-presidente e ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, 69 anos. Ela é acusada de associação ilícita agravada e administração fraudulenta agravada na licitação de obras quando governou o país, entre 2007 e 2015. O escândalo ficou conhecido como "Causa Vialidad". CFK, como é conhecida, goza de imunidade política por ser vice de Alberto Fernández e por ser a líder do Senado. "Senhores juízes, este é o momento. É corrupção ou justiça", afirmou Luciani.
Por meio de comunicado oficial, a Presidência da Argentina condenou "a perseguição judicial e midiática contra a vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner". "Tal como expressou o presidente Alberto Fernández em reiteradas ocasiões, a perseguição judicial endossada e promovida pelos distintos meios de comunicação, a tipificação abusiva da figura da associação ilícita, a imposição da prisão preventiva como pena antecipada, a acusação fundada em responsabilidades objetivas e a aplicação do direito penal do autor, são todos aspectos que contradizem a dogmática do direito penal aplicável em uma República fundada no Estado de Direito", sustenta. A nota destaca que "nenhum dos atos atribuídos à ex-presidente foi provado".
O próprio presidente Alberto Fernández se posicionou sobre os pedidos de Luciani pela prisão e pela inabilitação política de Cristina. "Hoje é um dia muito ingrato para alguém que, como eu, foi criado na família de um juiz, educou-se no mundo do Direito e ensina Direito Penal há mais de três décadas", declarou. Em setembro de 2021, a relação entre Alberto e Cristina se deteriorou, com a renúncia de cinco ministros kirchneristas e com a exigência da vice por modificações no gabinete da Casa Rosada.
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Concessões
Professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), da Universidad del Salvador e da Universidad Católica Argentina, Facundo Gabriel Galván explicou ao Correio que a investigação versa sobre uma série de possíveis direcionamentos nas concessões de obras públicas, particularmente na construção de rodovias na província de Santa Cruz (sul), berço político de Cristina. Durante sua gestão, CFK teria beneficiado a Austral Construcciones, construtora do empresário Lázaro Baéz, para quem o Ministério Público também pediu a apreensão de bens e uma pena de 12 anos de prisão. Além de CFK e de Baaéz, 10 pessoas são acusadas de corrupção no mesmo caso.
"Cristina solicitou a ampliação de indagação declaratória, que deve ocorrer ainda hoje. Será interessante escutar o que a vice-presidente utilizará em defesa própria. Uma vez que haja um fato condenatório, cabe espaço para a apelação. Depois, o caso passará pela Corte Suprema de Justiça, a quem caberá analisá-lo e determinar a sentença final", disse Galván. A expectativa é de que a sentença seja proferida até o fim do ano. O especialista aposta que o Poder Judiciário da Argentina não conseguirá determinar o cumprimento da pena antes das eleições gerais de 22 de outubro de 2023, o que, em tese, possibilitaria a candidatura de CFK para cargos públicos.
Galván adverte que o desfecho da "Causa Vialidad" possa ampliar ainda mais a polarização política no país. "Setores do kircherismo começam a agitar bandeiras de mobilização em prol de Cristina. Vejo a possibilidade de manifestações a favor e contra CFK. Quem se identifica totalmente com a vice-presidente não considera a acusação justa e acusa abusos políticos da Justiça. Outra parcela se convence de que as evidências apresentadas por Luciani são irrefutáveis." Ele não acredita em uma prisão de Cristina a curto ou a médio prazo, mas não despreza o forte apelo simbólico do caso.
O professor lembrou que, poucas horas depois do anúncio do Ministério Público, alguns ministros kirchneristas se posicionaram contra a Justiça, por meio das redes sociais. Titular da pasta da Economia, Sergio Massa considerou absurdo o desdoramento da "Causa Vialidad". "Isso altera o direito penal e o enquadramento do princípio da responsabilidade. Estamos diante de um precedente perigoso para políticos, empresários e aqueles que tenham dependentes."
Doutor em direito, o jurista argentino Roberto Gargarella, 58 anos, disse ao Correio que Cristina é acusada de liderar um grupo que utilizou o aparato do Estado em atividades ilegais, incorrendo no delito de administração fraudulenta. De acordo com ele, a inabilitação perpétua de Cristina precisa ser confirmada pela Corte Suprema de Justiça. "Pessolmente, vejo que o mais importante ocorreu: pudemos receber muita informação articulada e bem fundamentada sobre a maquinária de corrupção montada durante os anos de kirchernismo", comentou. "Tivemos esse conhecimento da verdade graças ao ótimo trabalho do promotor Luciani. Agora, precisamos que um juiz atribua as responsabilidades correspondentes. Haverá impacto político, mas não acho que seja algo capaz de se especificar antes das eleições de 2023."