Dois dias depois de o FBI — a polícia federal dos EUA — realizar buscas e apreensão de 15 caixas de documentos em sua mansão de Mar-a-Lago, na Flórida, o ex-presidente republicano Donald Trump se recusou a responder às perguntas feitas por advogados do gabinete da procuradora-geral de Nova York, Leititia James. O magnata é alvo de uma investigação civil por suposta fraude financeira nos negócios da família. "Me recusei a responder às perguntas em virtude dos direitos e prerrogativas outorgadas a todos os cidadãos pela Constituição dos Estados Unidos. Uma vez perguntei: 'Se você é inocente, por que está invocando a Quinta Emenda?' Agora sei a resposta. Quando sua família, sua empresa e todas as pessoas de seu entorno se transformam em alvo de uma caça às bruxas infundada e politicamente motivada, com apoio de advogados, procuradores e meios de comunicação falsos, não há outra opção", afirmou Trump, em nota.
O ex-presidente destacou que, se tinha algum questionamento interno, as buscas em Mar-a-Lago "eliminaram qualquer dúvida". Pouco antes de deixar a Trump Tower e se dirigir ao escritório de Leititia James, o magnata publicou na Truth Social, a rede social criada por ele mesmo: "Estou vendo (Leititia) James como a continuação da maior caça à bruxas da história dos EUA! Minha grande companhia, e eu mesmo, sendo atacados por todos lados. República de Banana!". Ele acusou a procuradora-geral de Nova York de ser "racista" e de utilizar uma ação judicial para derrubá-lo politicamente.
Trump também sugeriu que o FBI possa ter "plantado evidências" em Mar-a-Lago. "O FBI e outros do governo federal não permitiram que ninguém, inclundo meus advogados, ficasse perto das áreas vasculhadas e examinadas durante a batida em Mar-a-Lago. Todos foram convidados a deixarem o local, sem nenhuma testemunha para ver o que faziam, pegavam, ou, espero que não, 'plantavam'", escreveu em sua rede social.
James Green, historiador político da Universidade Brown (Rhode Island), acredita que Trump tentará postergar ao máximo o processo criminal, antes de apelar à Suprema Corte. "O ex-presidente crê que isso possa se arrastar por dois ou três anos. Por isso ele ficou em silêncio. É importante lembrar que Trump sempre criticou outros investigados que se recusaram a responder a perguntas da Justiça e dizia que isso era uma maneira de esconder a verdade. Ele faz exatamente o contrário de tudo o que criticou", disse à reportagem.
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Ironia
Ex-procuradora dos EUA para o Distrito Leste de Michigan e professora de direito da Universidade de Michigan, Barbara McQuade concorda com Green. "Não há nada de errado em uma pessoa invocar o seu direito à auto-incriminação, garantido pela Quinta Emenda. No entanto, Trump historicamente tem dito que apenas criminosos aceitam a Quinta Emenda. Então, acho que há uma ironia aí", afirmou ao Correio. "Em um caso civil, um investigador pode fazer inferência sobre qual teria sido a resposta a uma pergunta."
Ao comentar as buscas na mansão de Mar-a-Lago, McQuade admite ser difícil estabelecer se a operação resultará em acusações criminais. "Um mandado de busca significa que um juiz encontrou uma causa provável de que um crime foi cometido, mas não que as acusações serão apresentadas. Pode ser que o governo apenas queira os documentos de volta, por serem sensíveis. Mas, há possibilidade de Trump ser acusado de manuseio incorreto de documentos."
A ex-procuradora disse que Trump, aparentemente, é investigado pela invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Nesse caso, explica McQuade, o republicano pode enfrentar acusações graves, como conspiração para obstruir um processo oficial — punível com até 20 anos de prisão. "Um estatuto federal que cobre a remoção de documentos governamentais prevê que o réu seja desqualificado de exercer o cargo no futuro. Como a presidência é definido pela Constituição, parece improvável que esse estatuto seja aplicável", observou.