Após deixar Taiwan, na noite de ontem, e encerrar uma visita que durou menos de 24 horas, a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos afirmou que a China "não pode impedir líderes mundiais ou qualquer pessoa de viajarem a Taiwan para homenagear sua democracia viçosa, para destacar seus muitos sucessos e para reafirmar nossos compromissos com a colaboração contínua". Horas depois da partida de Pelosi, o governo do presidente chinês, Xi Jinping, ordenou que se inicie hoje uma série sem precedentes de testes militares com disparos reais ao longo da costa taiwanesa. Desde a terça-feira, 27 caças e bombardeiros da China invadiram a zona de defesa aérea de Taiwan.
O teatro bélico parece não intimidar os taiwaneses. "Ante as crescentes e deliberadas ameaças militares, Taiwan não recuará. (...) Vamos manter a linha de defesa da democracia", anunciou a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, que se reuniu com Pelosi, pela manhã. Durante o encontro com a anfitriã, Pelosi reafirmou a aliança entre Washington e Taipei. "Nossa delegação chegou a Taiwan para deixar claro, de forma inequívoca, que não abandonaremos nosso compromisso com Taiwan e que estamos orgulhosos de nossa amizade duradoura", declarou a congressista de 82 anos.
Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, defendeu os testes militares como "uma medida necessária e legítima para responder às graves provocações de alguns políticos americanos e dos independentistas taiwaneses". Jin Hongjun (leia Duas perguntas para), encarregado de negócios da Embaixada da China no Brasil, admitiu ao Correio que as simulações de guerra são "um direito devido de qualquer país soberano do mundo". "As ações militares tomadas pela China mostram a seriedade com a qual tratamos do assunto, e evidenciam a nossa firme determinação e plena capacidade de combater, de forma resoluta, as forças separatistas de Taiwan. Como disse Confúcio há mais de 2.500 anos, as palavras devem ser honradas e as ações devem ser resolutas. A China já deixou claro que tomará uma série de contramedidas, e faremos o que dissemos."
Diretor do Programa de Estudos sobre Segurança do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), M. Taylor Fravel explicou ao Correio que as manobras militares chinesas visam simular como a China pode impor um bloqueio a Taiwan. "As áreas de realização de testes bélicos visam os principais portos de Taiwan. O que a China aprender durante as simulações poderia ajudá-la a melhor se preparar para uma invasão, mas não vejo esse cenário como provável a curto prazo", comentou. Na opinião dele, Pequim preferiria obter a unificação de Taiwan por meio da negociação — a chamada "unificação pacífica"."Impedir a independência taiwanesa e limitar o apoio dos EUA à ilha, assim como apostar em exibições militares, são elementos vistos como um avanço na unificação pacífica", observou.
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Provocação
Bonnie Glaser, diretora do Programa Ásia do think tank German Marshall Fund of the United States (em Washington), concorda com Fravel. "Os exercícios militares, especialmente as zonas de fechamento próximas ao aeroporto internacional de Taiwan e aos seus dois portos, parecem ter a intenção de alertar que o Exército de Libertação Popular tem a capacidade de impor um bloqueio", disse à reportagem. Ela lembra que os chineses têm preparado uma invasão a Taiwan há muito tempo. "Vejo as manobras bélicas como provocativas e escaladoras. Não acho que Xi Jinping tenha tomado a decisão de invadir a ilha. Mas, caso se convença de que Taiwan declarará independência, com o apoio dos EUA, acredito que ele o faria. Ainda não chegamos a esse ponto."
Para o taiwanês Kuo Yujen, professor do Instituto de Estudos da China e da Ásia-Pacífico pela Universidade Nacional Suan Yat-sen (em Taipei), a China busca criar um caos político-econômico em Taiwan, e não uma invasão militar direta, como retaliação à visita de Pelosi. "O semibloqueio afeta o porto de Kaohsiung e o Estreito de Bashi, importante via de comunicação marítima. A China deverá anunciar mais três dias de testes militares e prolongar o prazo por todo o mês", afirmou ao Correio.
Por sua vez, a húngara Zsuzsa Anna Ferenczy — professora da Universidade Nacional Dong Hwa, em Hualien (Taiwan) — aposta que Xi Jinping dobrará todas as atividades coercitivas sobre Taiwan, mas evitará um conflito militar. Ela entende que um conflito cinético não interessa à China. "Pequim precisa de estabilidade na região, algo indispensável na busca de sua trajetória de desenvolvimento, a fim de afirmar seu poder domesticamente e projetar sua influência lá fora", avaliou, por e-mail. Segundo a estudiosa, um ambiente estável é particularmente importante para o líder chinês, que enfrentará o Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) e deverá ser reconduzido a um terceiro mandato. "Nesse sentido, proteger a legitimidade do PCC é prioridade para Xi."