Guerra na Ucrânia

Rússia acusa Ucrânia de matar filha de guru de Putin

Ontem, Putin enviou condolências a Alexandr Dugin e familiares e qualificou o crime como "desprezível e cruel"

Rodrigo Craveiro
postado em 23/08/2022 06:00 / atualizado em 23/08/2022 06:11
 (crédito: Agência de Notícias da Cidade de Moscou/AFP - 18/10/14)
(crédito: Agência de Notícias da Cidade de Moscou/AFP - 18/10/14)

O FSB, serviço de segurança federal da Rússia (antiga KGB), responsabilizou a cidadã ucraniana Natalia Vovk pela morte da jornalista e cientista política Darya Dugina, filha do ideólogo ultranacionalista russo Alexandr Dugin, um dos principais aliados políticos do presidente Vladimir Putin. "O assassinato foi preparado e cometido pelos serviços especiais ucranianos", afirmou o FSB. Na noite de sábado, o carro em que Dugina viajava explodiu em uma rodovia perto do vilarejo de Bolshiye Vyazyomy, a 40km de Moscou. Ela e o pai participaram de um festival de música e de literatura. Ao fim do evento, a jornalista teria trocado de carro com Alexandr e assumido o volante do Toyota Land Cruiser Prado, que teria sido detonado por meio de um controle remoto. 

A agência de notícias estatal russa Tass informou que Vovk e a filha Sofya  Shaban, 12 anos, chegaram à Rússia em 23 de julho passada. O FSB esclareceu que ambas estavam no mesmo festival. Depois da explosão, ainda segundo o FSB, mãe e filha fugiram para a Estônia, por meio da região conhecida como Pskov. Para planejarem o ataque, elas teriam alugado um apartamento em Moscou no prédio onde Dugina morava. Vovk teria um carro Mini Cooper para espionar a jornalista. Ontem, Putin enviou condolências a Alexandr e familiares e qualificou o crime como "desprezível e cruel". O chefe do Krenlin referiu-se a Darya como "uma pessoa brilhante e talentosa com um coração verdadeiramente russo".  

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, não vê motivos para o envolvimento de Kiev no assassinato de Dugina. Ele destacou que, historicamente, inexistem registros de participação da Ucrânia em assassinatos seletivos. "A Ucrânia se concentra em atacar bases russas nos territórios ocupados por Moscou e na Crimeia. Não se engaja naquilo que se chama de 'terrorismo de Estado'", admitiu ao Correio.

Haran citou uma série de explosões, no fim de 1999, que destruíram prédios residenciais, na Rússia, e mataram pelo menos 200 pessoas em Moscou. "Analistas acreditam que a KGB (atual FSB) organizou aqueles incidentes. Moscou precisava de uma desculpa para lançar a guerra na Chechênia. À época, Putin era o primeiro-ministro da Rússia. Foi confortável para os serviços de segurança russo culparem os rebeldes chechenos pelas explosões. O que aconteceu com Dugina faz parte de um arsenal tradicional da KGB e do FSB."

Responsável

Para Anton Suslov, especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, é bastante sintomático o fato de os russos terem apontado a Ucrânia como a responsável pelo assassinato de Dugina, apenas um dia depois do atentado, sem que houvesse qualquer investigação e julgamento. "A opção mais fácil para eles era culpar a mulher ucraniana e associá-la aos serviços especiais de Kiev ou ao Batalhão de Azov. Essa tese não faz sentido, pois Dugina não era militar, nem uma autoridade civil; portanto, não influenciou a política russa. É provável que seja um assunto interno russo", afirmou ao Correio. 

Ele aposta que o incidente será usado para incitar ódio aos ucranianos na Rússia e como ferramenta de propaganda. "Por exemplo, autoridades russas afirmaram que a questão de Dugina seria levantada na ONU", acrescentou Suslov. Por sua vez, Peter Zalmayev — diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — lembrou que Dugina era uma propagandista do Kremlin, mas não tanto quanto o pai. "Não acho que ela seria um alvo importante para a Ucrânia e tenho muitas dúvidas de que os ucranianos estejam por trás disso", disse  à reportagem. 

Zalmayev explicou que existe um movimento de guerrilha formado por russos dentro de Moscou e que estariam implicados no assassinato de Dugina. "Eles buscam derrubar Putin e seu regime. Acredito em uma questão de disputa interna na Rússia." Ele não descarta uma provocação desenhada para criar um pretexto para aumentar a repressão dentro do país ou os ataques contra a Ucrânia. O estudioso também advertiu sobre uma massiva onda de bombardeios russos a cidades ucranianas, amanhã. 

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"Ainda não sabemos o que aconteceu, mas acho que a Rússia usará a morte de Daria Dugina como pretexto para intensificar a campanha militar na Ucrânia e matar mais civis. Isso pode ter sido usado para desviar o foco dos verdadeiros crimes cometidos pelos russos em território ucraniano, como a captura da usina nuclear de Zaporizhzhia.Putin sempre usa datas históricas para manobras agressivas. A nossa data da independência é celebrada amanhã (24). Mísseis russos estão concentrados em Belarus e no Mar Negro. Temos o receio de que sejam usados para atacar cidades ucranianas no nosso Dia da Independência."

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla

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