guerra no leste europeu

Após explosão em depósito, Rússia reconhece "sabotagem" na Crimeia

Explosões em depósito de munições na península anexada por Moscou em 2014 elevam tensão. Especialistas admitem que incidente pode aumentar o moral das tropas de Kiev. Operadora nuclear ucraniana denuncia ciberataque sem precedentes

Rodrigo Craveiro
postado em 17/08/2022 06:00
 (crédito: Sergei Supinsky/AFP)
(crédito: Sergei Supinsky/AFP)

Pela primeira vez, a Rússia admitiu um "ato de sabotagem" na Península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Horas depois, a Ucrânia denunciou um "ciberataque russo sem precedentes" contra o site da agência nuclear do país. A troca de acusações acrescenta tensão em um conflito que se aproxima do sexto mês. Um depósito de munições situado perto de Dzhankoi, no norte da Crimeia, foi palco de uma explosão na manhã de ontem. Um comunicado do Exército do presidente Vladimir Putin não citou culpados pela ação. "Infraestruturas civis, como uma linha de alta tensão, uma central elétrica, uma ferrovia e várias casas também foram danificadas", explicou a nota. O Ministério da Defesa responsabilizou "um grupo de sabotadores", sem especificar quem seriam. Sob condição de anonimato, uma autoridade ucraniana informou ao jornal The New York Times que uma unidade de elite de Kiev provocou as explosões. 

Peter Zalmayev, diretor da organização não-governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), afirmou ao Correio que o ataque ao depósito de armas na Crimeia tem forte simbolismo, principalmente para os moradores da região, e pode mudar os rumos da guerra. "Kiev envia uma mensagem de que os ucranianos estão chegando. Isso aumenta o moral dos combatentes da Ucrânia. As forças de Kiev pretendem reduzir ao máximo o poderio militar russo no campo de batalha", explicou. "A Crimeia é parte da Ucrânia, faz parte do território ucraniano, e a Rússia não goza de soberania sobre ela. Por isso, considero que a Ucrânia tem todo o direito de atacar alvos militares na península."

Segundo Zalmayev, as tropas do presidente Volodymyr Zelensky se aproveitam do fato de que os russos utilizam sistemas antiaéreos obsoletos, da época da União Soviética, em suas ações na Crimeia. "Os ucranianos têm adotado a cautela em relação às operações na península. Eles não explicam exatamente como os ataques foram feitos", acrescentou. 

Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov disse à reportagem que, desde os primeiros dias da invasão russa, a Ucrânia sempre esteve pronta para desocupar todos os seus territórios, incluindo a Península da Crimeia. "O nosso ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, prometeu aos aliados internacionais que não usaria armas fornecidas por eles contra o território russo. É por isso que as recentes explosões na Crimeia não são surpreendentes nem provocativas", comentou. Suslov lembrou que existe um movimento de resistência emergente em territórios temporariamente ocupados. "Posso sugerir que os partidários locais pró-Ucrânia são responsáveis por alguns eventos na Crimeia e em outras regiões ocupadas."

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, afirmou que,  poucas semanas atrás, houve uma série de explosões na Crimeia. "Ainda não sabemos a tática utilizada nessas ações. Se foram drones, sabotadores ou forças especiais. Do ponto de vista político, esta é uma mensagem muito importante de que, se você bombardeia a Ucrânia a partir da Crimeia, a península se torna alvo militar legítimo. Desde 2014, não se registrava ações militares ucranianas na Crimeia", explicou ao Correio

Ontem, ao discursar na Conferência de Segurança Internacional em Moscou, o presidente Vladimir Putin acusou os Estados Unidos de "tentar prolongar" a guerra na Ucrânia e de "usar o povo ucraniano como bucha de canhão", ao criticar o fornecimento de armamento de Washington para Kiev.

Invasão virtual 

A Energoatom, empresa operadora das usinas nucleares da Ucrânia, anunciou que seu portal sofreu "o ataque cibernético mais poderoso desde o início da invasão russa", em 24 de fevereiro passado. "O ataque veio do território russo", acrescentou, ao assegurar que o funcionamento do site não foi comprometido. Suslov não se surpreendeu com a notícia. De acordo com ele, os sistemas digitais e os sites do governo ucraniano têm sido permanentemente atacados desde 2014, e especialmente depois do início da invasão. "Ao mesmo tempo, os sistemas de cibersegurança de Kiev têm estado em desenvolvimento desde oito anos atrás, e eles são parte de programas de apoio da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)", disse. 

Haran destacou que, nunca na história, uma central nuclear foi ocupada por forças de um exército invasor. "A questão aqui é por qual motivo os russos capturaram a usina de Zaporizhzhia? A maior central nuclear da Europa se situa a 300km da Crimeia e do Donbass (leste). Os russos pretendem chantagear o mundo inteiro com Zaporizhzhia. Mais perigoso do que o ataque cibernético é o fato de que as tropas russas se mantêm estacionadas dentro da usina nuclear. Esta é uma ameaça real", advertiu. O governo de Zelensky defende a criação de uma área desmilitarizada no entorno de Zaporizhzhia para reduzir as chances de uma catástrofe nuclear.

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Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)
Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) (foto: Aleksandr Indychii)

"Os ucranianos capturaram vários arsenais russos nas últimas semanas. A Ucrânia tem utilizado os lança-foguetes enviados pelos Estados Unidos nos ataques a centrais elétricas e a depósitoss de armas na Crimeia. A mensagem dos ucranianos é a de que, enquanto a Crimeia não retornar ao domínio de Kiev, nenhum local napenínsulaestará seguro para os russos."

Peter Zalmayev, diretor da organização não-governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

Encontro trilateral

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, viajará para a Ucrânia, onde participará de reunião com os presidentes deste país, Volodymyr Zelensky, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. "A convite do presidente Zelensky, o secretário-geral estará em Lviv na quinta-feira para participar de uma reunião trilateral com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o líder ucraniano", disse Stéphane Dujarric, porta-voz de Guterres. Na reunião, eles "examinarão" a implementação do acordo internacional assinado em Istambul, em julho, para permitir as exportações de cereais da Ucrânia, "no qual a Turquia é um elemento-chave", acrescentou. "Uma série de questões serão levantadas, como a necessidade de uma solução política para o conflito."

EUA testam míssil balístico

 (crédito: Clayton Wear/Força Aérea dos EUA/AFP)
crédito: Clayton Wear/Força Aérea dos EUA/AFP

Os EUA testaram um míssil balístico de longo alcance com capacidade nuclear, depois de adiarem o lançamento por duas vezes para evitar aumentar as tensões com a Rússia e a China, anunciou a Força Aérea americana. O Comando de Ataque Global da Força Aérea dos EUA lançou o míssil balístico intercontinental "Minuteman III" sem carga sobre o  Oceano Pacífico a partir da Base da Força Espacial Vandenberg, na Califórnia, à 0h49 de ontem (4h49, em Brasília). 

O míssil carregava um veículo de reingresso de teste, o qual poderia ser armado com uma ogiva nuclear. O veículo percorreu 6.760km até o Atol de Kwajalein, nas Ilhas Marshall, no oeste do Pacífico. "Este lançamento de teste demonstra que a dissuasão nuclear dos EUA é segura, confiável e eficaz", disse a Força Aérea em nota. "Fizemos mais de 300 testes iguais. Este lançamento não é resultado dos eventos mundiais atuais."

O teste estava programado para março, mas foi adiado para evitar o aumento das tensões sobre a invasão russa da Ucrânia. O lançamento voltou a ser adiado no início de agosto, devido aos lançamentos de mísseis balísticos da China. 

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