A Casa Branca tentou se descolar das buscas feitas pelo FBI (a polícia federal dos Estados Unidos) na mansão do ex-presidente Donald Trump, em Mar-a-Lago (Flórida), enquanto o Partido Republicano cobrou explicações do procurador-geral, Merrick Garland. Na segunda-feira, investigadores deixaram o resort privativo do magnata com 15 caixas repletas de documentos. Kevin McCarthy, líder da minoria republicana na Câmara dos Representantes, defendeu que o próprio Departamento de Justiça fosse investigado e denunciou "um intolerável estado de politização armada" do organismo. Nancy Pelosi, líder da Câmara, pôs panos quentes nas declarações de McCarthy. "Nós acreditamos no estado de Direito. (..) Nenhuma pessoa está acima da lei, nem mesmo o presidente dos EUA, nem mesmo um ex-presidente", disse. Christina Bobb, advogado de Trump, confirmou que os investigadores procuravam documentos sigilosos ligados à Lei de Registros Presidenciais (leia ao lado).
Especialistas destacaram o ineditismo de uma varredura policial na casa de um ex-presidente. Ainda que as buscas não levem a uma condenação de Trump por violação à posse de documentos de governo, elas representam mais um elemento de tensão entre a Justiça e o magnata — investigado por um comitê especial da Câmara dos Representantes por incitar a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Há um intenso debate em Washington sobre Trump ser impedido de disputar as eleições de 2024. Segundo o jornal The Washington Post, o presidente democrata Joe Biden não foi avisado sobre a operação em Mar-a-Lago.
Cientes do possível desastre político para o Partido Republicano, aliados não perderam tempo e condenaram a manobra judicial. "Se o FBI pode invadir um presidente dos EUA, imaginem o que eles podem fazer a você", escreveu no Twitter a deputada Elise Stefanik, a terceira maior liderança do Partido Republicano. Crítico de Trump, o ex-vice-presidente Mike Pence advertiu que o caso minou a confiança pública no sistema judicial norte-americano e instou Garland "a prestar contas completas".
Mitchell Epner, ex-procurador-federal e advogado na firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York), admitiu ao Correio que as buscas em Mar-a-Lago não têm precedentes na história dos Estados Unidos. "Nunca houve uma operação de apreensão executada na casa ou no escritório pessoal de qualquer presidente ou ex-presidente. Isso sinaliza que o Departamento de Justiça, sob a liderança do procurador-geral Merrick Garland, concluiu que há um provável motivo para crer que um crime foi cometido e que tais pistas estariam na mansão de Trump", explicou. "Existe uma investigação criminal contra Trump, aparentemente por suas potenciais violações da Lei de Registros Presidenciais e da Lei de Registros de Governo. Se indiciado e condenado, ele poderá enfrentar a possibilidade de anos de prisão, ainda que a sentença dependa dos fatos do caso. Por conta de sua idade, se isso ocorrer, pode ser que ele jamais saia da cadeia."
Segundo o Código de Leis dos Estados Unidos da América, em seu título 18, seção 2071 (b), "se um indivíduo for condenado por ocultar, remover, mutilar, obliterar, falsificar ou destruir qualquer registro ou documento oficial, ele deverá ser desqualificado para ocupar qualquer cargo (federal) nos EUA". "À primeira vista, essa lei parece exigir que o ex-presidente Trump não possa ser reeleito, se ele for condenado sob a seção 2071 (b)", afirmou Epner. "No entanto, muitos especialistas em legislação (eu me incluo neles) creem que essa porção da seção 2071(b) é inconstitucional, pois o Artigo II da Constituição dos EUA estabelece os requisitos para servir como presidente — 'cidadão nascido nos EUA e ter pelo menos 35 anos'). O Congresso não pode fazer uma lei adicionando ou desqualificando crimes. Será uma bagunça se essa questão pairar sobre as eleições de 2024."
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Apreensão
Professor de direito de interesse público pela Universidade George Washington, Jonathan Turley disse à reportagem que a Lei de Registros Presidenciais raramente é usada em investigação criminal. "A invasão em Mar-a-Lago parece exagerada para muitos, particularmente quando uma intimação seria suficiente. Mas, se havia material sigiloso na residência de Trump, o governo tinha o direito de apreendê-lo, enquanto Trump não poderia retê-lo", explicou. O especialista acrescenta que, para o ex-presidente ser condenado, o FBI terá que comprovar a intenção específica de violação à legislação. "Não pode ser mera negligência. Teremos que esperar para ver as evidências."
James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (Rhode Island), adverte que as buscas em Mar-a-Lago mobilizam a base mais radical do Partido Republicano e têm a capacidade de reforçar o seu apoio nas eleições legislativas de 8 de novembro. "Apesar de muitos americanos acreditarem que o país caminha na direção errada, Biden tem conseguido uma série de vitórias legislativas. Ainda não está garantida a possibilidade de controle republicano do Senado. Sobre a possibilidade de Trump se tornar inelegível, não sei se a Justiça encaminhará essa acusação contra o ex-presidente. Isso pode ocorrer se houver informação muito concreta sobre violação à lei ou uma prova definitiva sobre seu envolvimento na invasão do Capitólio."
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Violação a lei presidencial
A Lei dos Registros Presidenciais, sancionada em 1978 pelo então presidente Jimmy Carter, estabelece que todos os documentos presidenciais são de propriedade pública. O chefe de Estado norte-americano tem a obrigação de transferi-los para os Arquivos Nacionais assim que deixar o cargo. Mesmo os documentos que não tenham mais valor administrativo ou histórico somente podem ser destruídos após serem revisados pelos Arquivos Nacionais. Um ex-presidente jamais pode permanecer em posse de documentos oficiais. A lei determina que a punição para tal violação é "a desqualificação para qualquer cargo (federal) nos EUA". Na foto, assessores de Donald Trump retiram da Casa Branca caixas com documentos, em 20 de janeiro de 2021, pouco antes de o republicano deixar a residência oficial a caminho da Flórida.
Eu acho...
"A situação do ex-presidente Trump é extremamente complicada. Ele tem séria exposição criminal, o que significa que enfrenta a grave possibilidade de processo criminal. As potenciais vias para acusação incluem a Lei de Registros Presidenciais; a participação em conspiração para invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021; fraude contra os EUA pelo esquema eleitoral falso; e o esquema fraudulento para anular os resultados da eleição presidencial na Geórgia, onde Trump disse às autoridades que 'encontrassem' mais 11.600 votos."
Mitchell Epner, ex-procurador-federal e advogado na firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York)