Pouco mais de uma hora após o nascer do sol em 31 de julho, o líder de longa data da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, foi até a varanda de um complexo no centro de Cabul — supostamente a atividade pós-oração favorita do veterano jihadista egípcio.
Esta seria a última coisa que faria.
Às 06:18, do horário local (01:38 GMT), dois mísseis atingem a varanda, matando o homem de 71 anos, mas deixando sua esposa e filha ilesas lá dentro. Todo o estrago causado pelo ataque parece estar concentrado na varanda.
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Como foi possível atacar com tanta precisão? No passado, os EUA foram alvo de críticas por erros de alvos em ataques que mataram civis.
Mas vamos explicar a seguir como, neste caso, o tipo de míssil e um estudo minucioso dos hábitos de Zawahiri tornaram isso possível — e por que mais ataques podem ocorrer.
Precisão do laser
O tipo de míssil usado foi fundamental — Hellfires disparados por drones, de acordo com autoridades americanas —, um tipo de míssil ar-terra que se tornou um dispositivo das operações antiterroristas dos EUA no exterior nas décadas seguintes aos ataques de 11 de setembro de 2001.
O míssil pode ser disparado de uma variedade de plataformas, incluindo helicópteros, veículos terrestres, navios e aeronaves de asa fixa — ou, no caso de Zawahiri, de um drone não tripulado.
Acredita-se que os EUA tenham usado Hellfires para matar o general iraniano Qassem Soleimani em Bagdá no início de 2020, e o jihadista britânico do Estado Islâmico conhecido como "Jihadi John" na Síria em 2015.
Entre as principais razões para o uso recorrente do Hellfire, está sua precisão.
Quando um míssil é lançado de um drone, um operador de armas — às vezes sentado em uma sala de controle com ar-condicionado tão distante quanto o território continental dos EUA — assiste a uma transmissão de vídeo ao vivo do alvo, que os sensores da câmera do drone enviam via satélite.
Usando uma série de "suportes de mira" na tela, o operador da câmera pode "travar" o alvo e apontar um laser para ele. Uma vez disparado o míssil, ele segue a trajetória desse laser até atingir o alvo.
Há procedimentos claros e sequenciais que a equipe que opera o drone deve seguir antes de agir, para minimizar o risco de baixas civis. Em ataques anteriores dos EUA e da CIA, a agência de inteligência americana, isso incluiu a convocação de advogados militares para fazer consultas antes de dar a ordem de disparo.
O professor William Banks, especialista em assassinatos seletivos e fundador do Instituto de Direito e Política de Segurança da Universidade de Syracuse, nos EUA, afirma que as autoridades teriam que colocar na balança o risco de mortes de civis e o valor do alvo.
O ataque contra Zawahiri, segundo ele, "soa como uma aplicação modelo" do processo.
"Parece que eles foram muito cuidadosos e deliberados neste caso para encontrar (Zawahiri) em um local e em um momento em que poderiam atingir apenas ele, e não machucar mais ninguém", diz Banks.
No caso do ataque contra Zawahiri, foi sugerido, mas não confirmado, que os EUA também usaram uma versão relativamente desconhecida do Hellfire — o R9X —, que utiliza seis lâminas para fatiar os alvos usando sua energia cinética.
Em 2017, outro líder da Al-Qaeda e um dos vices de Zawahiri, Abu Khayr al-Masri, teria sido morto com um Hellfire R9X na Síria. Fotos tiradas do seu veículo após o ataque mostraram que o míssil abriu um buraco no teto e retalhou seus ocupantes, mas sem sinais de explosão ou qualquer outra destruição do veículo.
EUA monitoraram 'hábito de ir até a varanda' de Zawahiri
Ainda estão surgindo detalhes sobre que tipo de inteligência os EUA reuniram antes de lançar o ataque em Cabul.
Na sequência do ataque, no entanto, autoridades americanas disseram que tinham informações suficientes para entender o "padrão de vida" de Zawahiri na casa — como seu hábito de ir até a varanda.
Isso sugere que espiões dos EUA estavam vigiando a casa há semanas, ou até mesmo meses.
Marc Polymeropoulos, ex-agente sênior da CIA, disse à BBC que é provável que vários métodos de inteligência tenham sido usados ??antes do ataque, incluindo espiões em campo e interceptação de sinais.
Há também quem especule que drones ou aeronaves dos EUA se revezaram no monitoramento do local durante semanas ou meses, sem serem vistos ou ouvidos do solo.
"Você precisa de algo que dê alguma certeza de que é o indivíduo, e também precisa ser feito em um ambiente livre de danos colaterais, o que significa sem vítimas civis", afirma.
"É preciso muita paciência."
O ataque contra Zawahiri, acrescenta Polymeropoulos, se beneficiou das décadas de experiência da comunidade de inteligência dos EUA no rastreamento individual de líderes da Al-Qaeda e outros alvos terroristas.
"Somos excepcionais nisso. É algo em que o governo dos EUA se tornou muito bom em mais de 20 anos", diz ele.
"E os americanos estão muito mais seguros por isso."
No entanto, as operações americanas deste tipo nem sempre correm conforme o planejado. Em 29 de agosto de 2021, um ataque de drone a um carro ao norte do aeroporto de Cabul, destinado a atingir um braço local do Estado Islâmico, matou 10 pessoas inocentes. O Pentágono reconheceu que um "erro trágico" havia sido cometido.
Bill Roggio, pesquisador da Fundação para a Defesa das Democracias que acompanha os ataques de drones dos EUA há muitos anos, acredita que o ataque contra Zawahiri foi provavelmente "muito mais difícil" de executar do que os assassinatos anteriores, dada a ausência de qualquer presença ou fontes do governo dos EUA nas proximidades.
Ataques anteriores de drones contra o vizinho Paquistão, por exemplo, partiram do Afeganistão, enquanto ataques contra a Síria teriam sido conduzidos a partir de território aliado no Iraque.
"[Nesses casos] foi muito mais fácil para os EUA chegar a essas áreas. Eles tinham fontes no terreno. Este foi muito mais complicado", avalia.
"É o primeiro ataque contra a Al-Qaeda ou o Estado Islâmico no Afeganistão desde a saída dos EUA. Não é um acontecimento comum."
Pode acontecer de novo?
Roggio diz que "não ficaria surpreso" se ataques semelhantes contra alvos da Al-Qaeda ocorressem novamente no Afeganistão.
"Não há escassez de alvos", observa.
"Os potenciais próximos líderes [da Al-Qaeda] muito provavelmente vão se mudar para o Afeganistão, se já não estiverem lá."
"A questão é se os EUA ainda têm a capacidade de fazer isso com facilidade ou será um processo difícil", acrescenta.
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