Estados Unidos

Procuradores investigam se Trump tentou reverter resultado das eleições

Procuradores federais interrogam testemunhas e analisam conversas do ex-presidente para determinar se o republicano tentou reverter os resultados das eleições e impedir vice de certificar a vitória de Joe Biden, ao incitar invasão ao Congresso

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos analisa registros de telefonemas de ex-assessores de Donald Trump e conversas travadas pelo ex-presidente republicano com sua equipe em uma investigação sobre esforços do magnata para reverter os resultados das eleições de 2020. A informação foi divulgada pelo jornal The Washington Post, que cita fontes familiares com o inquérito.

Procuradores interrogam testemunhas, incluindo assessores de Mike Pence, que foi vice de Trump, e Cassidy Hutchinson — assistente de Mark Meadows, chefe de gabinete da Casa Branca durante o governo do republicano. Os arquivos do telefone de Meadows estão em posse da Justiça. 

Segundo a tevê CNN, a extensão do depoimento de Hutchinson não está clara. Em 28 de junho, ela depôs ante o comitê instalado pela Câmara dos Representantes para investigar a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Na ocasião, Hutchinson disse que Trump agarrou o volante da limusine e tentou dirigir até o Congresso.

O jornal The Washington Post informou que por várias horas os promotores fizeram perguntas sobre reuniões comandadas por Trump entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021; sobre a pressão de auxiliares para que Pence revertesse o resultado da eleição; e sobre instruções dadas pelo ex-presidente aos advogados para o recrutamento de falsos eleitores em estados-chave nos quais o democrata Joe Biden venceu. 

Coautor do best-seller How do democracies die ("Como as democracias morrem") e professor e governo e de estudos sobre América Latina na Universidade de Harvard, Steven Levitsky (leia Duas perguntas para) elogiou o trabalho do comitê de investigação sobre o ataque ao Capitólio. "O comitê, bipartidário, fez um poderoso caso ao mostrar que Trump tentou um golpe. Dar impunidade a líderes golpistas é uma péssima ideia, pois torna mais prováveis golpes no futuro", afirmou ao Correio. 

Roland Riopelle — ex-procurador federal para o Distrito Sul de Nova York — considera que a chance de Trump ser acusado e condenado, neste momento, é muito forte. "As evidências apresentadas pelo comitê da Câmara foram tão contundentes que o Departamento de Justiça não pode ignorá-las. Se Trump for acusado, creio que as acusações serão graves. Podem se basear em conspiração para obstruir o Congresso e, talvez, conspiração para se envolver em sedição, por organizar e energizar os atos da multidão em 6 de janeiro de 2021", explicou à reportagem.

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Indicações

Segundo Riopelle, o Departamento de Justiça tem realizado o seu trabalho da maneira tradicional, ao entrevistar o maior número possível de testemunhas e ao examinar a evidência documentária em detalhe. "Isso mostra todas as indicações de que o Departamento de Justiça, no fim das contas, trará uma acusação contra Trump. Os funcionários têm investido muitos recursos nisso, e não o teriam feito se não fosse pela intenção de buscar uma acusação", acrescentou. 

Ex-procurador-federal e advogado na firma Rottenberg Lipman Rich P.C. (em Nova York), Mitchell Epner admitiu ao Correio que está claro que Trump "tem exposição criminal". "É possível que ele seja acusado pela tentativa de fazer com que Pence não certificasse o resultado das eleições, em 6 de janeiro de 2021; pela tentativa de inscrever eleitores falsos; e pela violência contra o Capitólio", afirmou. Ele lembra que, por volta das 14h20 daquele dia, Trump publicou um tuíte em que depreciava Pence, no momento em que sabia que simpatizantes armados tinham invadido o Congresso para caçar o seu vice, enquanto gritavam 'Enforquem Mike Pence!'. "Trump também fracassou em tomar qualquer ação para que a multidão deixasse a sede do Legislativo, pelo menos até as 16h."

Ainda de acordo com Epner, caso sejam precisas as informações de que o Departamento de Justiça interroga testemunhas sobre o papel do Trump no intervalo entre as eleições norte-americanas e 6 de janeiro de 2021, isso seria um indício de que o ex-presidente poderá enfrentar acusações criminais. 

Chip Somodevilla/AFP - CULLMAN, ALABAMA - AUGUST 21: Former U.S. President Donald Trump addresses supporters during a "Save America" rally at York Family Farms on August 21, 2021 in Cullman, Alabama. With the number of coronavirus cases rising rapidly and no more ICU beds available in Alabama, the host city of Cullman declared a COVID-19-related state of emergency two days before the Trump rally. According to the Alabama Department of Public Health, 67.5% of the state's population has not been fully vaccinated. Chip Somodevilla/Getty Images/AFP== FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Oliver Contreras/Getty Images/AFP - Merrick Garland, procurador-geral dos EUA, terá a missão de decidir se aceita ou não denúncia contra ex-presidente

Duas perguntas para...

Steven Levitsky, professor da Universidade de Harvard e coautor do best-seller How do democracies die ("Como as democracias morrem")

Como vê o fato de o Departamento de Justiça interrogar testemunhas em uma investigação contra Trump?

Não sabemos o que o Departamento de Justiça fará. É um terreno completamento novo para o governo. Muitas pessoas no establishment dos EUA temem que uma acusação contra Trump seja percebida como politicamente inspirada. Elas temem uma politização maior do Judiciário. Nós simplesmente nunca fizemos nada assim. Embora muitas democracias tenham condenado ex-presidentes ou premiês, e o tenham feito legitimamente. Eu citaria a Coreia do Sul, a Itália, a França, Taiwan, Israel e o Peru. Isso inclui o Brasil, apesar de o caso envolvendo Lula ter sido politizado. 

Há elementos para uma condenação de Trump?

É claro! Trump tentou anular uma eleição. Há uma crença emergente de que, por mais arriscada que seja uma acusação, os riscos para a democracia de permitir que Trump escape impunemente de uma tentativa de golpe são ainda piores.