Donald Trump quer voltar à Casa Branca, em 2024. Na terça-feira, o ex-presidente republicano desembarcará em Washington para "um grande discurso político". Será a primeira vez que o magnata retornará à capital dos Estados Unidos desde 20 de janeiro de 2021, quando embarcou rumo à Flórida sem entregar a faixa presidencial ao democrata Joe Biden. O futuro de Trump, no entanto, é uma incógnita. O comitê de investigação sobre a invasão ao Capitólio, instalado pela Câmara dos Representantes, atribui ao ex-líder uma série de crimes, como incitação à insurreição de simpatizantes e de milícias da extrema-direita, e inação ante o caos que provocou cinco mortes em 6 de janeiro do ano passado.
Autor de Nixon's shadow: The history of an image ("A sombra de Nixon: A história de uma imagem") e professor de jornalismo e de história política dos Estados Unidos pela University Rutgers (em Nova Brunswick, Nova Jersey), David Greenberg afirmou ao Correio que acusações criminais contra Trump "não estão fora de questão". "O fato de o Departamento de Justiça coletar os telefones de funcionários importantes do governo Trump sugere que um caso está sendo preparado contra o ex-presidente. O comitê investigador da Câmara dos Representantes claramente pretende que Trump seja incluído nele", observou.
Para Greenberg, a suposta inação de Trump em conter os invasores do Capitólio e a sua recusa em reconhecer a derrota apontam paralelos com o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974, após o escândalo de escutas clandestinas na sede do Partido Democrata, em Washington. "Nixon disse, certa vez, sobre Watergate: 'Se o presidente faz isso, significa que não é ilegal'. Ele se via no direito de fazer o que achasse necessário para alcançar suas metas. Trump operou da mesma forma. Ambos acreditavam que não havia limites legítimos para o uso de seus poderes presidenciais. A diferença era que, em 1974, havia republicanos suficientes que viam Nixon como um perigo à república e estavam prontos para removê-lo. Quando Trump surgiu, os republicanos não estavam mais dispostos a romper fileiras e, por isso, salvaram o presidente do impeachment por duas vezes."
Gravidade
Também especialista em Watergate, Ken Hughes — professor do Centro Miller de Assuntos Públicos da Universidade da Virgínia — ressalta que as audiências do comitê da Câmara têm sido dominadas por testemunhos de pessoas que fizeram parte do próprio governo Trump. "Os depoimentos estabeleceram que a ilegalidade vista em 6 de janeiro foi liderada e inflamada pelo presidente derrotado, em uma tentativa de se manter no poder, mesmo contra o desejo da maioria dos eleitores. As evidências que eles trouxeram à luz tornam mais provável que Trump enfrente punições criminais, e que ele mereça ser processado com toda a extensão e o rigor da lei", disse à reportagem.
Hughes considera que as ações de Trump foram mais "descaradas" do que as de Nixon. "As tentativas de Nixon de subverter o processo democrático foram sutis e secretas. Trump, por sua vez, carece de sutileza. Os Estados Unidos têm sorte de que a falta de compromisso de Trump com a nossa Constituição seja acompanhada por sua falta de habilidade em miná-la", avaliou. O historiador político James Naylor Green, da Universidade Brown (em Rhode Island), admite que as "provas contra Trump são tão evidentes e claras, que indicam uma condenação". "Ele deve ser condenado por incentivar a violação dos direitos democráticos, a invasão ao Capitólio e a promoção de uma insurreição contra o Estado", disse. Ele espera mais evidências capazes de intensificar a pressão sobre o procurador-geral Merrick Garland, para que leve adiante uma acusação. "As últimas revelações incentivarão os investigadores a obterem mais informações contra o republicano."
Dúvida
Por sua vez, Asher D. Hildrebrand, professor de políticas públicas da Universidade Duke (em Durham, Carolina do Norte) e funcionário por 15 anos em gabinetes do Capitólio, elogia a investigação dos congressistas, mas põe em dúvida uma punição contra Trump. "O trabalho do comitê foi tão convincente que seria chocante, em certo sentido, que o Departamento de Justiça nada faça. Parece óbvio que, no mínimo, o ex-presidente conspirou para fraudar o povo americano, ao tentar anular os resultados da eleição e ao conspirar para obstruir procedimentos oficiais durante a contagem de votos. Agora, parece provável que ele também tenha cometido crimes mais graves, possivelmente conspiração sediciosa e incitação à insurreição", advertiu, por e-mail.
No entanto, Hildebrand lembra que a imposição de acusações criminais, por parte do Departamento de Justiça, contra um ex-presidente é uma decisão tanto política quanto legal. O estudioso afirma que a decisão cabe a Garland. "É claro que o Departamento de Justiça não é a única agência de aplicação da lei a investigar Trump. Um indiciamento por crimes eleitorais no estado da Geórgia pode ser mais provável no curto prazo."
Ainda segundo Hildebrand, o vídeo em que não queria admitir que a eleição acabou não apenas ofereceu "uma janela impressionante" de seu estado de espírito, como mais provas sobre suas decisão em 6 de janeiro de 2021. Ao concluir a audiência da última quinta-feira, Liz Cheney, a deputada republicana fez um alerta à nação: "Donald Trump fez uma escolha proposital de violar seu juramento de posse. (...) Não podemos abandonar a verdade e permanecermos como um país livre".