Quatro dias depois de manifestantes invadirem o palácio presidencial, em Colombo, a crise política no Sri Lanka ganhou contornos ainda mais graves. Uma multidão tomou o gabinete do primeiro-ministro cingalês, Ranil Wickremesinghe, e a sede da emissora pública de televisão Rupavahini. O presidente Gotabaya Rajapaksa fugiu para as Maldivas e prometeu entregar oficialmente o poder até a zero hora de hoje (16h de ontem em Brasília), o que não ocorreu.
No fim da noite, o presidente do Parlamento, Mahinda Yapa Abeywardana, anunciou na TV que Rajapaksa enviaria a carta de renúncia. Wickremesinghe ordenou às forças de segurança que "façam o necessário para restabelecer a ordem". "Os manifestantes querem impedir que eu cumpra minhas responsabilidades como presidente interino. Não podemos permitir que os fascistas tomem o controle", disse o premiê, que, na véspera, tinha decretado estado de emergência e toque de recolher em Colombo.
Morador da capital, Colombo, Ameer Faaiz — advogado independente e ativista dos direitos humanos — explicou ao Correio que a recessão econômica é a principal causa da convulsão social. "O meu país sofre uma grave escassez de bens essenciais, como o combustível e o gás. Os protestos começaram durante o governo do presidente Gotabaya Rajapaksa, e a enorme inflação, que levou à disparada dos preços dos alimentos e causou uma situação insustentável para a população média cingalesa", explicou.
De acordo com Faaiz, as políticas adotadas pelo presidente agravaram a crise, como a probição do uso de fertilizantes. "Além da forma não democrática de governo, o Sri Lanka assistiu ao aumento da corrupção. Desde o início dos protestos, as condições econômicas não melhoraram. Rajapaksa foi o único membro do partido Sri Lanka Podujana Peramuna que não foi eleito pelo povo, mas apontado pelo Parlamento. A indicação, ilegítima e inconstitucional, fez com que os protestos aumentassem."
Ainda segundo Faaiz, a demanda dos manifestantes se acentuou depois que quase todos os líderes dos partidos políticos exigiram a renúncia de Wickremesinghe. "Isso porque acredita-se que o premiê nunca teve legitimidade, por ter sido apontado pelo presidente Rajapaksa como o substituto preferido. Agora, com a partida de Rajapaksa, o povo e os líderes dos partidos querem que Wickremesinghe também deixe o poder, a fim de que um novo presidente e um novo primeiro-ministro sejam escolhidos pelo Parlamento", explicou.
Também em Colombo, o jornalista Chathuranga Hapuarachchi disse ao Correio que a demanda popular é bastante simples para amenizar ao menos a crise política: as renúncias de Rajapaksa e de Wickremesinghe. "As pessoas não viram isso acontecer. O que se exige é um governo interino conformado por todos os partidos e eleições antecipadas", afirmou. Hapuarachchi lembra que, na última eleição parlamentar, Wickremesinghe não ganhou sequer um assento e conquistou o cargo por meio da lista nacional — os votos gerais obtidos pelo seu Partido Unido Nacional. "Uma pessoa que não detém mandato foi nomeada premiê e, agora, Rajapaksa o designou presidente interino. Isso supera o absurdo", reagiu o jornalista. (RC)