Manuel Oliver, 55 anos, aposta que Joaquín deve estar "muito orgulhoso" dele. Às 11h20 de ontem (12h20 em Brasília), o pai do rapaz de 17 anos assassinado no massacre da Escola de Ensino Médio Stoneman Douglas, em Parkland (Flórida), em 14 de fevereiro de 2018, confrontou Joe Biden. O presidente dos Estados Unidos discursava no Gramado Sul da Casa Branca, diante de ativistas e de familiares de vítimas da violência armada, quando foi interrompido por Manuel. "Sente-se, você escutará o que tenho a dizer. Se você acha...", reagiu o líder democrata. "Eu venho tentando te dizer isso há anos. O senhor tem que fazer mais", respondeu Manuel. "Deixe-me terminar meu comentário", pediu Biden.
O pai de Joaquín foi escoltado por seguranças para fora da Casa Branca. Em seu pronunciamento sobre a legislação bipartidária sobre controle de armas promulgada em 25 de junho, Biden voltou a pedir o fim do comércio de armas semiautomáticas de alta potência. "Estou decidido a voltar a proibir estas armas... Não vou parar até conseguir", afirmou. O presidente enfrenta o pior momento político: o índice de popularidade é de apenas 33%, e 64% dos integrantes do Partido Democrata pedem que ele desista de tentar a reeleição, em 2024, segundo pesquisa do jornal The New York Times.
No discurso, Biden voltou a citar os "campos de extermínio", ao fazer alusão aos tiroteios que assolam os EUA. "Nos últimos anos, nossas escolas, lugares de culto, centros de trabalho, lojas, festivais de música, discotecas e tantos outros locais cotidianos se transformaram em campos de extermínio", lamentou. "Os bairros e as ruas também se transformaram em campos de extermínio", acrescentou.
Cerca de oito horas depois de ser retirado da Casa Branca, Manuel Oliver falou ao Correio. "Em nenhum momento me sinto ofendido por ter sido expulso. Não foi a primeira vez nem será a última. Creio que Biden tem todo o direito de fazê-lo. Posso ter extrapolado o protocolo do evento, mas não quer dizer que eu não tenha razão em querer dizer o que sinto e em ser direto", afirmou, por telefone. "O fato de tantas pessoas terem aplaudido o que falei mostra que muita gente está em sintonia com o que eu e minha esposa, Patricia Oliver, fazemos. Fiquei muito grato em saber que não estou sozinho."
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Intenções
Para Manuel, Biden tem intenções muito boas em relação ao tema dos tiroteios em massa. "Nós nos conhecemos pessoalmente. Em mais de uma ocasião, falamos da necessidade de que eu faça o meu trabalho e ele, o dele. Quando eu o interrompi, hoje (ontem), foi com a intenção de fazê-lo ver que falta muito a ser feito e que não podemos nos enganar, enquanto país, que resolveremos um problema", disse o pai de Joaquín. "Aceitar essa legislação e colocar em risco o imenso movimento contra a violência armada nos EUA e sua capacidade de levar a mudanças é um preço que não pagarei", acrescentou. Ele garante que não se arrepende do que falou a Biden. "Minha petição foi muito clara: eu simplesmente pedi a ele que abra um escritório, dentro da Casa Branca, que mostre a intenção do governo Biden de tratar o assunto com seriedade", disse Manuel.
Ainda de acordo com ele, o Estado tem a obrigação de zelar pela segurança de seus cidadãos, e o escritório buscaria cumprir com esse papel. "Mais de 45 mil pessoas morrem por ano nos Estados Unidos, vítimas das armas. Isso é uma enorme perda para o meu país. Desde o assassinato de Joaquín, mais de 250 mil pessoas morreram em consequência da violência armada", comentou. Manuel acha que, apesar de expressar boas intenções e muita experiência política, Biden tem as mãos atadas pelo sistema. "Concordo que a eliminação das armas de assalto do mercado civil é algo bastante importante. O presidente mencionou isso depois que fui expulso, eu não estava lá. Mas ele não citou a necessidade de um escritório que se encarregue disso. Estou aberto a me reunir com o presidente."
O homem que interrompeu o discurso de Biden para cobrar mudanças cuida para que as emoções não contaminem a razão. "Tenho a minha dor pela perda do Joaquín. Não quero deixar de tê-la, pois ela me motiva a fazer muitas coisas. Mas tomo o cuidado para que as emoções não me forcem a ser incoerente. O que aconteceu hoje (ontem) na Casa Branca foi em reação a uma necessidade de mudança, não um resultado da minha dor. Creio que Joaquín faria o mesmo que eu e Patricia, minha esposa, se nós estivéssemos no lugar dele."