Um decreto publicado, ontem, pelo presidente russo, Vladimir Putin, foi rejeitado pelo governo de Volodymyr Zelensky e visto por especialistas baseados em Kiev como uma tentativa de Moscou de ampliar o controle indireto sobre a ex-república soviética. "Declaro que os cidadãos da Ucrânia, da República Popular de Donetsk (DPR) ou da República Popular de Luhansk (LPR), e pessoas sem cidadania permanente vivendo na DPR, na LPR ou na Ucrânia (...) têm o direito de apelar pela admissão à cidadania da Federação Russa por meio de procedimento simplificado", afirma o documento. O Ministério das Relações Exteriores ucraniano denunciou "mais uma invasão à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, incompatível com as normas e os princípios do direito internacional". Também ontem, o Estado-Maior ucraniano informou ter indícios de que as "unidades inimigas" planejam intensificar as operações de combate em direção a Kramatorsk e Bakhmut". As duas cidades, situadas no leste, ainda estão sob poder de Kiev.
Prefeito de Kramatorsk — onde um míssil russo matou 50 civis e feriu 98, na estação ferroviária, em 8 de abril —, Oleksandr Honcharenko considera impensável um cidadão ucraniano se naturalizar russo. "Eles (russos) são assassinos. O que podem os nossos cidadãos esperarem deles? Ser um assassino, como eles o são? Os ucranianos não são assassinos, e jamais o serão!", desabafou ao Correio, por meio do WhatsApp. Sobre a ameaça de ocupação russa contra Kramatorsk, ele confirmou a notícia. "Nós fazemos o nosso trabalho e fazemos o que temos de fazer", disse, ao ser questionado sobre como a cidade se prepara para enfrentar o ataque.
"Antes de qualquer coisa, isso é uma provocação em larga escala de Moscou. Esse decreto está alinhado às medidas tomadas por Putin antes mesmo da guerra. Ele não considera o direito da Ucrânia de usufruir da soberania, enquanto nação", explicou à reportagem Peter Zalmayev, diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev). "Putin considera a Ucrânia e os ucranianos como parte do mundo russo ou Russkiy mir, como ele chama", acrescentou. O estudioso não acredita que o decreto surtirá em implicações práticas, além da natureza provocativa, apesar de reconhecer que, na cidade de Kherson (sul), 25 ucranianos pediram o passaporte russo. "É uma provocação, um show, sem muito efeito prático."
Ex-assessor do presidente do Parlamento, o cientista político Mykola Volkivskyi lembrou que um decreto similar tinha sido firmado por Putin, em 25 de maio, o qual simplificava a cidadania russa apenas para as regiões de Kherson (sul) e Zaporizhzhia (sudeste). "Isso é a continuação do plano do Kremlin para tomar terras ucranianas e destruir o nosso Estado", desabafou ao Correio. Ele destaca que o passaporte russo a cidadãos da Ucrânia não terá consequências legais no país. "Estou certo de que podemos esperar forte reação de nossos parceiros ocidentais. Também vejo como urgentes o fornecimento de armas mais pesadas e a introdução de novas sanções econômicas contra a Rússia."
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Bombardeios
Ontem, Moscou manteve os bombardeios a Kharkiv — a segunda maior cidade do país, situada no nordeste. Segundo Oleg Synyeguov, governador regional da cidade, os mísseis atingiram "edifícios civis — um centro comercial e condomínios residenciais". As autoridades locais informaram 31 feridos, incluindo duas crianças, de 4 e de 16 anos. Seis civis, entre eles um jovem de 17 e seu pai, foram mortos. Na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, o balanço de mortos em um prédio de Chasiv Yar subiu para 31. Bombeiros corriam contra o tempo para encontrar sobreviventes. Pela manhã, eles contaram ter escutado vozes sob os escombros.