Internacional

Sob pressão, presidente do Sri Lanka promete renúncia

Horas depois de fugir às pressas do palácio do governo, invadido por milhares de manifestantes, Gotabaya Rajapaksa anuncia que deixará o cargo na quarta-feira. O país asiático enfrenta crise econômica sem precedentes

Afundado em uma crise econômica — com inflação próxima a 55% —, o Sri Lanka enfrenta agora também um colapso político. O presidente do país, Gotabaya Rajapaksa, deve renunciar ao cargo na próxima quarta-feira, decisão anunciada ontem, pouco depois de o palácio do governo, em Colombo, ter sido invadido por milhares de manifestantes. Rajapaksa, acusado de ser o principal responsável pela situação crítica do país, estava no local e fugiu minutos antes. Segundo o Ministério da Defesa, ele foi escoltado para um local seguro.

Alguns manifestantes transmitiram a invasão ao palácio nas redes sociais. Em gravações, é possível ver a multidão andando pelos quartos, deitando nas camas e tomando banho de piscina. "Estou surpreso ao ver que há um ar condicionado funcionando no banheiro, quando temos cortes de energia o tempo todo", disse, por telefone, à agência France-Presse de notícias (AFP) um homem que estava na residência oficial.

Redes de televisão do país também exibiram a ocupação ao vivo, com imagens de centenas de pessoas escalando os portões do edifício do período colonial. Tradicionalmente, o palácio, um edifício da época colonial britânica, era reservado para a recepção de líderes estrangeiros. Rajapaksa, porém, fixou sua residência oficial lá em abril, depois que milhares de manifestantes tentaram invadir sua casa particular. De acordo com o Ministério da Defesa, na invasão de ontem, soldados atiraram para o alto para impedir a aproximação dos manifestantes até a retirada do presidente.

Enquanto o presidente fugia às pressas, o primeiro-ministro, Ranil Wickremesinghe, convocava uma reunião de emergência para discutir com integrantes do governo e dirigentes dos partidos políticos uma "resolução rápida" para o caos instalado. Ao sair da reunião, Wickremesinghe, o primeiro na linha de sucessão do presidente, anunciou sua renúncia pelo Twitter, alegando que estava abrindo as portas para "um governo de todos os partidos".

Pouco depois, um grupo de pessoas incendiou a residência privada de Wickremesinghe em Colombo, a capital do país. Os gabinetes da presidência, no distrito administrativo, também foram tomados por manifestantes. A promessa de renúncia de Rajapaksa foi anunciada pelo presidente do Parlamento, Mahinda Abeywardana, "para garantir uma transição pacífica". De acordo com informações médicas, três pessoas ficaram feridas por arma de fogo e 36 receberam atendimento devido aos efeitos do gás lacrimogêneo.

Horas antes da invasão ao palácio do governo, dezenas de milhares de pessoas, incluindo advogados e figuras conhecidas da sociedade civil, marcharam nas ruas da capital ao lado de monges budistas — que têm exercido um papel fundamental nos protestos iniciados em março — para exigir a dissolução do governo. A pressão popular levou em maio à renúncia de Mahinda Rajapaksa, irmão do presidente, do cargo de primeiro-ministro.

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Escassez generalizada

O país assiático com 22 milhões de habitantes está afundado em uma inflação galopante — que deve chegar a 70% nos próximos meses — e enfrenta uma grave escassez de combustíveis, energia elétrica, alimentos e medicamentos. A crise, com uma dimensão sem precedentes desde a independência do país, em 1948, é atribuída à pandemia da covid-19, que privou a ilha asiática das divisas do turismo, e, segundo economistas, foi agravada por uma série de péssimas decisões políticas. Em abril, o Sri Lanka declarou a moratória da dívida externa de US$ 51 bilhões e iniciou negociações para um plano de ajuda do Fundo Monetário Internacional.

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que quase 80% da população pule as refeições para enfrentar a falta de alimentos e a alta dos preços. A falta de energia é diária, com apagões que chegam a durar até 13 horas. E, na última semana, a locomoção pelo país se tornou ainda mais difícil. O governo decidiu restringir a venda de combustível aos cidadãos — é o primeiro país a tomar essa medida desde a crise do petróleo dos anos 1970 — e anunciou a interrupção do serviço de transporte público devido à ausência de combustível. A frota privada, responsável por cerca de dois terços do transporte no país, reduziu ao mínimo seu serviço.

Temendo o agravamento da pressão popular, as forças de segurança reforçaram a proteção ao presidente — 20 mil soldados e policiais foram enviados a Colombo para protegê-lo — e determinaram, na sexta-feira, um toque de recolher. A medida foi suspensa depois que partidos de oposição, ativistas de direitos humanos e a Ordem dos Advogados do país ameaçaram processar o chefe de polícia. Determinados a ir às ruas, alguns manifestantes obrigaram as autoridades ferroviárias a transportá-los até a capital para participar da manifestação de ontem.

 

Número

80%
da população do Sri Lanka pula as refeições tentando driblar a falta de alimentos e a alta dos preços, estima a ONU