A carreira do primeiro-ministro do Reino Unido Boris Johnson e agora ex-líder do Partido Conservador é marcada por muitos altos — como a sua vitória à frente da campanha e a concretização da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) — e baixos — como a série de escândalos e investigações que levou a sua saída do cargo mais importante do país.
Há um mês, o político conservador comemorava vitória depois de vencer uma votação de desconfiança no Parlamento britânico provocada pela realização de festas em gabinetes seus e até no jardim de sua residência oficial durante a pandemia do coronavírus (a polícia concluiu que essas festas eram contra leis rígidas de quarentena implementadas pelo próprio governo).
Em regimes parlamentaristas como o do Reino Unido, a moção de desconfiança é o instrumento à disposição do Legislativo para questionar a permanência do chefe de governo no cargo.
Nesta quinta-feira (07/07), porém, Boris foi obrigado a renunciar do posto de líder do Partido Conservador (partido que indica o primeiro-ministro por ter atualmente a maioria do Parlamento) após um novo escândalo.
- Boris Johnson sabia? Como governo mudou versões sobre denúncias de abusos sexuais
- 'Se Putin fosse mulher, não teria invadido a Ucrânia': o comentário de Boris Johnson sobre 'masculinidade tóxica'
A queda de Johnson, que quer continuar no cargo de primeiro-ministro até a escolha de seu sucessor, foi precedida pela renúncia de dois dos ministros mais importantes do governo: Sajid Javid (Saúde) e Rishi Sunak (Finanças). Ambos são cotados para suceder Johnson, assim como outros ministros, entre eles Nadhim Zahawi (Finanças), Ben Wallace (Defesa) e Liz Truss (Relações Exteriores). O partido ainda está dividido sobre a permanência dele no cargo como primeiro-ministro durante a sucessão.
A crise política que levou à renúncia foi desencadeada pela nomeação pelo ex-primeiro-ministro do parlamentar Chris Pincher, do Partido Conservador, para um cargo no governo, mesmo após ser informado de uma queixa contra Pincher sob acusação de assédio sexual.
Mas antes mesmo de ser obrigado a renunciar, Johnson já havia enfrentado uma trajetória política marcada por inúmeras reviravoltas.
O ex-premiê, de 57 anos, serviu como membro do Parlamento por vários anos de sua vida, foi prefeito de Londres entre 2008 e 2016 e ocupou a cadeira de secretário para Assuntos Internacionais (equivalente a ministro do Exterior) no governo da ex-primeira-ministra Theresa May.
Johnson tem uma carreira marcada por algumas gafes, frases polêmicas e o gosto pelos holofotes, ao mesmo tempo em que se tornou bastante popular entre uma parcela relevante do Partido Conservador.
Três anos como primeiro-ministro
A gestão de Boris Johnson teve início em julho de 2019, quando foi eleito líder do Partido Conservador e nomeado primeiro-ministro. Ele chegou ao cargo após a renúncia da também conservadora Theresa May, que não resistiu à pressão em meio a dificuldades no processo de condução do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).
Aliás, May também sobreviveu a um voto de desconfiança, mas, meses depois, teve que renunciar ao não conseguir passar sua proposta de acordo para a transição do Brexit.
Ao assumir o cargo de premiê em 2019, Johnson disse que suas principais missões seriam promover o Brexit, unir o país e derrotar o líder da oposição, Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista.
Durante seus três anos como primeiro-ministro, porém, enfrentou momentos de muitas críticas, seja por sua gestão da covid-19 nos primeiros meses de pandemia, seja pelas controvérsias que rodearam seu governo.
No início da crise sanitária, enquanto vários países europeus rapidamente adotaram restrições para conter a primeira onda da pandemia, Johnson relutou em adotar as mesmas medidas. Posteriormente, acabou recuando, mas a relutância lhe rendeu críticas entre os que consideraram a reação atrasada.
As críticas se intensificaram quando o Reino Unido se tornou um dos países com os maiores índices de infecções e mortes por covid no mundo.
Em abril de 2021, ele voltou a ser criticado por ter dito a auxiliares que preferia ver "corpos sendo empilhados" a adotar mais um lockdown no Reino Unido. A fala foi relatada à BBC e a outros veículos por fontes que a presenciaram, mas foi negada por Johnson.
Mas uma das maiores crises de seu governo teve origem no que ficou conhecido como "Partygate", escândalo envolvendo festas e comemorações durante o período mais estrito de lockdown na Inglaterra.
A presença do premiê e de diversos membros de sua equipe em festas durante o período de distanciamento social contra a covid-19 chegou a ser formalmente investigada por violações das regras sanitárias.
Foram analisados 16 eventos realizados entre maio de 2020 e abril de 2021 em Downing Street (a residência oficial do primeiro-ministro) e nos gabinetes ministeriais, além de uma comemoração realizada nas dependências do Departamento de Educação.
Um deles foi uma festa de aniversário organizada para o primeiro-ministro no chamado Cabinet Room (sala de reuniões ministeriais) em 19 de junho de 2020.
As revelações fizeram com que vários membros do Parlamento protocolassem pedidos para uma moção de desconfiança contra Johnson.
Johnson chegou a pedir desculpas "pelas coisas em que não acertamos e pelo modo como o assunto tem sido lidado".
"Pedimos às pessoas que fizessem sacrifícios extraordinários e entendo a raiva das pessoas. Mas não basta pedir desculpas. Temos de nos olhar no espelho e aprender", disse.
"Estamos fazendo mudanças na forma como Downing Street e os gabinetes ministeriais funcionam, para que possamos seguir com o trabalho a que fui eleito a fazer", concluiu.
No escândalo mais recente, da nomeação de Chris Pincher, Johnson reconheceu ter sido informado sobre a queixa de assédio sexual envolvendo o parlamentar em 2019, mas disse ter cometido um "grave erro" ao não tomar medidas em relação à denúncia.
Pincher foi suspenso do Partido Conservador na semana passada após relatos de que teria apalpado dois homens em um clube. Ao renunciar a seu cargo no governo, ele disse que havia "bebido muito" e "constrangido a mim e outras pessoas".
Após o episódio, a imprensa britânica divulgou que Pincher já havia sido denunciado por assédio sexual em 2019.
Mesmo assim, em fevereiro deste ano, Boris Johnson nomeou Pincher como "deputy chief whip", posto que, no sistema político britânico, tem como atribuição garantir que parlamentares do partido no poder votem conforme a orientação das lideranças.
Em comunicado no qual anunciou a renúncia, o ex-ministro da Saúde Sajid Javid disse ter perdido a confiança em Johnson.
Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças, disse em nota que "o público corretamente espera que o governo seja conduzido de forma apropriada, competente e séria".
Parlamentar e prefeito de Londres
Antes de chegar ao cargo de premiê, Johnson ocupou um assento no Parlamento entre 2001 e 2008, foi prefeito de Londres por dois mandatos e retornou ao Legislativo em 2015, pouco antes de ser nomeado secretário para Assuntos Internacionais do governo da primeira-ministra Theresa May.
Formado pela universidade de Oxford, ele entrou definitivamente para o cenário político quando foi eleito parlamentar por Henley, no condado de Oxfordshire, aos 36 anos.
Três anos depois, em 2004, foi demitido de um alto posto na hierarquia do Partido Conservador por ter supostamente mentido a respeito de um caso extraconjugal.
Mas foi reeleito para o cargo no ano seguinte e, em 2008, foi eleito prefeito de Londres. Sua decisão de concorrer à prefeitura agitou a disputa, e ele venceu com 54% dos votos.
Dias após a vitória, Johnson proibiu o consumo de álcool no transporte público. Um entusiasmado ciclista, ele lançou um programa de aluguel de bicicletas em Londres, conhecido informalmente como "Boris bikes", e renovou a frota de ônibus.
Johnson representou Londres quando a cidade recebeu a maior publicidade em décadas, ao sediar os Jogos Olímpicos de 2012. Em 2011, ele disse à BBC que não pretendia assumir "outro grande cargo na política" após deixar a prefeitura.
Mas Johnson voltou ao Parlamento em 2015, eleito por um subúrbio do noroeste de Londres. No plebiscito de 2016, a respeito da permanência do Reino Unido na União Europeia, ele foi umas das principais figuras políticas a apoiar o voto pró-Brexit, que acabaria sendo vitorioso.
Com a saída do premiê David Cameron, Johnson foi um dos cotados a assumir o governo em 2016, mas acabou sendo passado para trás depois de perder o apoio de seu coordenador de campanha, Michael Gove, que questionou sua capacidade de liderança.
O posto acabou ficando com Theresa May, e Johnson se tornou secretário das Relações Exteriores. Ele foi chanceler por dois anos e deixou o posto depois de vários desentendimentos com May por conta do Brexit.
Em junho de 2018, por exemplo, ele declarou que a então premiê precisava mostrar "mais coragem" nas negociações com a UE — e, nisso, contou com apoio explícito do então presidente americano, Donald Trump, que mais tarde disse que Johnson faria um "grande trabalho como premiê" e daria um jeito no que chamou de "desastre" de May no Brexit.
Brexit
Em 2016, Johnson foi uma figura de destaque na campanha a favor do Brexit durante o referendo.
Ele ficou conhecido por seus ataques à União Europeia — e muitos o acusaram de "exagerar" ou mesmo "mentir" nas críticas ao bloco e sua defesa dos supostos benefícios do Brexit.
O episódio mais polêmico desse período foi quando afirmou que o Reino Unido enviava 350 milhões de libras (cerca de R$ 1,6 bilhão) por semana à UE. Mas críticos apontaram na época que o número estava errado, uma vez que não levou em conta o montante que é devolvido pela UE, ou mesmo quanto desse dinheiro era gasto posteriormente no Reino Unido.
Na gestão de Johnson como premiê, conforme ele prometera, o Reino Unido de fato concluiu sua saída da União Europeia, em janeiro de 2020. Mas as ações de seu governo frente à pandemia da covid acabaram se tornando sua maior fonte de desgaste.
Gafes e controvérsias
Antes da polêmica sobre a realização de festas em meio à pandemia, Johnson também passou por outros momentos de crise em sua carreira política, após algumas falas controversas e muito criticadas.
Em uma delas, ele se referiu a homossexuais como "bumboys" (bum, em inglês, é usado para se referir tanto às nádegas, quanto a "vagabundos").
Em outra, declarou que muçulmanas usando o véu que deixa só os olhos à vista se assemelhavam a "caixas de correio".
Em 2006, ao comemorar conflitos entre líderes do Partido Trabalhista britânico, ele enfureceu um país do Pacífico dizendo: "Durante dez anos, nós, no Partido Conservador, nos acostumamos às orgias de canibalismo e matança de chefes ao estilo de Papua-Nova Guiné, e é com um espanto feliz que vemos a loucura engolfar o Partido Trabalhista".
Em 2016, Johnson, que é bisneto de turcos, ganhou um prêmio por um poema ofensivo sobre o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
O agora ex-premiê também é muito lembrado por alguns momentos peculiares de sua carreira, como o dia em que ficou preso em uma tirolesa no Victoria Park, em Londres, quando era prefeito da cidade.
O momento inusitado aconteceu em agosto de 2012, quando para comemorar a primeira medalha de ouro britânica nas Olimpíadas Johnson decidiu enfrentar a tirolesa com bandeiras do Reino Unido nas mãos.
Já em 2015, durante uma viagem ao Japão, o então prefeito foi criticado pela dureza durante um jogo supostamente amistoso de rugby com crianças. Ele derrubou no chão um garoto de apenas 10 anos ao jogar seu corpo contra o menino.
Início no jornalismo
Mesmo de entrar para a política, Boris Johnson já era conhecido por parte do público britânico por sua atuação como jornalista, período da carreira também marcado por alguns escândalos.
Logo em seu primeiro estágio na profissão, foi demitido do jornal Times por inventar uma declaração de um suposto entrevistado.
Johnson, à época com 23 anos, escreveu uma reportagem sobre a descoberta arqueológica de um palácio do século 14. No texto, ele inventou uma declaração que teria sido dita por seu padrinho, o historiador Colin Lucas.
Em entrevista a um documentário da BBC em 2013, Johnson disse ter se arrependido do ato. "Foi horrível... Lembro uma sensação de profunda, profunda vergonha e culpa", afirmou.
Após a demissão, Johnson trabalhou nos jornais Express & Star e Daily Telegraph, onde ocupou os postos de correspondente em Bruxelas e editor-assistente.
- O texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62071446
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!