Duas notícias da semana que termina colocam a nova "guerra fria" que se esboça entre as grandes potências em um patamar mais elevado — bem mais. Primeiro, foi a China que anunciou o lançamento bem-sucedido do segundo módulo da estação que está montando em órbita. O terceiro e último deve decolar até o fim do ano. Dias depois, a Rússia anunciou que se desligará do programa da Estação Espacial Internacional, que divide com os EUA e outros parceiros desde 1998, para construir uma própria.
Neste último caso, é difícil não ver correlação entre o divórcio nas alturas e as desavenças terrestres em torno da guerra na Ucrânia. Seja como for, ambos os movimentos parecem assinalar o fim, ou ao menos uma interrupção de prazo indeterminado, na era de cooperação espacial que se esboçou desde a etapa final da Guerra Fria entre EUA e União Soviética e ganhou corpo na virada para o século 21.
O módulo internacional tem previsão de operar até 2030, embora o contrato entre entre americanos, russos e os demais sócios — Europa, Japão e Canadá — tenha validade até 2025. Nesse meio tempo, as agências espaciais dos remanescentes terão de encontrar alternativas para as funções a cargo de Moscou, como o transporte das tripulações e a propulsão acionada a intervalos para que a estação se mantenha na órbita programada.
Nos próximos anos, além de Rússia e China, também a Índia planeja uma instalação própria — o horizonte é 2030. E, assim como todos os demais, além de Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos, trabalha para enviar missões à Lua.
Não é o limite
Como parte de seu esforço em múltiplas direções para se firmar entre as superpotências dos anos 2000, a China projeta ter seu Palácio Celestial a postos para substituir a Estação Internacional a partir de 2031. Mas a órbita da Terra não é o limite das ambições nutridas e cultivadas em Pequim. Ainda em 2030, a meta é levar astronautas para a Lua, repetindo feito até agora exclusivo dos EUA e da extinta URSS — justamente os dois países que chegaram também a ter instalações tripuladas permanentes no espaço.
Corrida a dois
A etapa das estações espaciais não foi a primeira da corrida espacial travada entre EUA e URSS desde o lançamento do satélite soviético Sputnik, o primeiro objeto de fabricação humana a ser colocado na órbita do planeta, em 1957. Quatro anos depois, Yuri Gagarin tornou-se o primeiro ser humano a viajar para o espaço. Em resposta, John F. Kennedy lançou o desafio para a Nasa de fazer do país o pioneiro na conquista da Lua. JFK não viveu para ver Neil Armstrong descer do módulo lunar da Apollo 11, com transmissão ao vivo por tevê para todo o mundo, e anunciar: "Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade".
Os soviéticos saíram na frente também na empreitada de manter instalações tripuláveis em órbita. No início dos anos 1970, lançou o programa Saliut ("saudações", russo), uma série de módulos acanhados e temporários. Os EUA deram o troco em 1973, com o lançamento da primeira estação permanente, chamada Skylab ("laboratório espacial"), que teve morte prematura em 1979. A URSS deu o troco já nos seus anos finais de existência, com lançamento dos primeiros módulos da Mir (em russo, "paz" ou "mundo"), que seria concluída em 1996, já então pela Rússia, e permaneceu operacional até 2001.
Imita a arte
Mas, como de costume, coube à imaginação artística o papel de vanguarda na aventura do desbravamento científico — também na exploração espacial. Se Julio Verne concebeu a primeira viagem à Lua, em romance de 1865, foi o cineasta britânico Stanley Kubrick quem, no hoje distante e para sempre inquieto 1968, quem concebeu não apenas a presença permanente da humanidade no espaço, mas também a cooperação.
No clássico 2001, uma Odisseia no espaço, americanos e soviéticos colonizam a Lua. Como escala para as viagens até o satélite natural da Terra, astronautas e cosmonautas — em plena Guerra Fria, até o nome dados aos tripulantes era objeto de concorrência — contavam com uma estação orbital permanente e compartilhada. Suntuosa e espaçosa como um palácio — o nome escolhido agora pela China —, a instalação representava as expectativas de Kubrick e do coautor do roteiro, o escritor de ficção científica Arthur C. Clark.
Ainda mais impressionante, como exercício de futurologia, foi a sequência de '2001'. '2010' foi lançado como livro por Clark, em 1982. Escrito como parte do esforço do escritor para decifrar os enigmas da obra anterior, o romance tem um novo ingrediente: concorrendo com a empreitada conjunta de americanos e soviéticos, uma estação chinesa disputa espaço na "geopolítica orbital".
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