Nas entrelinhas das comentadas declarações feitas em Washington pelo ministro do STF Edson Fachin, o que se lê é que o transcurso e — mais ainda — o desfecho e os desobramentos da eleição presidencial de outubro estão no radar do establishment político e econômico dos EUA. Fachin falou a convite do Brazil Institute, braço da divisão de América Latina no Wilson Center — o único que o think tank mantém especificamente para acompanhar um país específico da região.
Como é recorrente em temas de relações internacionais, marcadamente naqueles que envolvem política interna, é a fala do ministro que acaba expondo os interesses e preocupações dos ouvintes. No caso, o tom foi de alerta e invocou um episódio recente — e traumático — da história recente dos EUA. Fachin admitiu a possibilidade de que o Brasil enfrente, no intervalo entre a disputa pelo Planalto e o início do próximo mandato, "um episódio ainda mais agravado" que a tentativa de invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, por partidários de Donald Trump inconformados com a derrota do presidente nas urnas.
Faltou apenas a menção explícita a Jair Bolsonaro, admirador e partidário fervoroso de Trump — a ponto de ter declarado apoio a ele no pleito de novembro de 2020. Assim como o aliado, o presidente brasileiro e seu círculo mais próximo têm reiterado, a intervalos regulares, as suspeitas sobre as urnas eletrônicas e a sugestão de que podem não reconhecer como legítimo um resultado desfavorável.
Nas cabeças e nas bocas
Sinais de atenção e preocupação com o cenário no Brasil se repetem e se multiplicam na capital do Tio Sam, e reverberam em diferentes esferas e escalões. O tema frequenta conversas e avaliações no Departamento de Estado, circula entre setores econômicos e, naturalmente, se insinuam também no Congresso. Deputados e senadores do Partido Democrata (governista) manifestaram seus receios em mais de uma ocasião. Agora, sinalizam até com possíveis repercussões para as parcerias bilaterais, na proporção do que possa sobrevir aos resultados anunciados por aqui em 2 ou 30 de outubro.
Nome aos bois
Em outra frente que coloca o país na berlinda internacional, o último movimento reforça o alarme sobre os avanços do crime organizado na Amazônia — em particular, na porção brasileira da floresta. A Polícia Federal anunciou, ontem, a prisão do suposto mandante do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, um mês atrás, na região do Vale do Javari (AM).
Rubens Villar Coelho se apresentou à PF em Tabatinga, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia, e foi flagrado por exibir documentos falsos. Segundo as informações iniciais, teria cidadania peruana, embora atenda pelo apelido de "Colômbia" — talvez por ter nascido em Letícia, cidade-gêmea de Tabatinga, do lado colombiano da divisa. Certo é que Villar é apontado como operador de um esquema pelo qual fornece a facções criminosas brasileira drogas com origem nos países vizinhos. Lavava as receitas do narcotráfico na pesca ilegal de pirarucu e na captura de tartarugas tracajás — justamente a atividade exercida pelos suspeitos de executar Bruno e Dom.
A investigação completa e independente do episódio motivou uma moção do Parlamento Europeu endereçada ao governo brasileiro.
Ainda que tarde
Passados mais de 30 anos desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), o Chile caminha para aprovar e promulgar uma nova Constituição destinada a substituir o texto legado pelo regime autoritário. O projeto para a nova Carta foi concluído nesta semana pela Constituinte eleita há um ano, como desdobramento da onda de protestos que varreu o país nos últimos meses de 2019 — e não cedeu mesmo com a chegada da pandemia.
O texto será debatido pelos cidadãos nos próximos dois meses e irá a votação em 4 de setembro — exatos dois meses depois de ter sido aprovado pelos constituintes. Define o Chile como um Estado plurinacional, reconhecimento conquistado pela participação no processo de representantes dos indígenas mapuches. Extingue a figura dos senadores vitalícios, status desfrutado pelo ex-ditador e que lhe deu imunidade.
Mais efetiva do que simbólica é a proposta de estabelecer um sistema nacional de saúde pública, o acesso universal à educação e a garantia de um sistema previdenciário "solidário", sustentado por contribuições de trabalhadores e empregadores. Vigorava nos três setores um modelo privado, herança da política ultraliberal implantada sob a ditadura pinochetista.
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